domingo, 28 de setembro de 2014

REGRESSO





Não chore assim, meu amor!

Tu sabes que retornarei,
ainda que não seja na Primavera
nem na estação dos frutos
nem junto com as chuvas.

Sei que voltarei,
ainda que seja,
quando não mais me deseje.
Ainda assim, voltarei.

Saiba que voltarei,
mesmo que seja
junto com o mais quente Verão.
Ainda assim, 
vale a pena voltar.
E, caso não possa, conversar contigo
nem estar ao seu lado,
vê-la é o suficiente.

Faz tempo, mas voltei.

A promessa de outrora
só agora pude cumpri-la.

Confesso,
assusta-me a recepção,
assusta-me o reencontro,
assusta-me o que me espera.

Afinal de contas,
o momento já não soa oportuno como d'antes,
quando entre lágrimas castas
convidava-me a regressar.
Talvez não seja conveniente 
e pouco prudente
regressar numa estação,
que não seja a das flores.

Que fazer, se este touro selvagem
- o tempo - 
não está sob meu comando.
Semelhante o regresso é a morte, 
que pode até tardar,
porém nunca deixa de vir até nós.

Cá estou estou...
regressei.


[José Ailton Santos]

sábado, 27 de setembro de 2014

MANIQUEÍSMO EXISTENCIAL


Minha rotina de agora, 
aprisionou o poeta d’outrora
            [dentro de si]
num calabouço: frio, sombrio e nostálgico.

A chave da prisão, fica logo ali...
ao meu alcance. 
Contudo, antes de sair
cuido para que a maquilagem esteja a contento.

Há muito deixei de rabiscar versos,
resolvi trocar meu sentimentalismo utópico
por um comportamento institucional.

O poeta está triste,
anda sem inspiração, magro e sem musas.
No entanto, guarda um comportamente resiliente
e mantém-se vivo
e compartilha suas angústias
com abjetos amigos:
traças, baratas, morcegos, micróbios, vermes...

Não lamentem!
O que é belo e essencial está preservado.
Afinal, a velhice não torna o que de bom há em mim,
feio esteticamente.
Diferentemente dos meus músculos,
                                                            [entre eles inclui-se o reprodutor]
que com a senilidade se tornam decrépitos.

A escuridão,
a solidão,
o vazio
o frio...
são navalhas amoladas, 
contudo cortam apenas galhos,
não são capazes de impedir o desabrochar das flores
tão pouco, extirpam o doce dos frutos.


Tudo o que de bom há na árvore continua...
indelevelmente ad eternum.



[José Ailton Santos]

domingo, 29 de junho de 2014

O NOME DA DEUSA



Discretamente, olhava-a de longe.
Estava distante, no entanto, atento.

Ao tempo em que meu olhar
                             [feito flecha certeira]
atingia o alvo, isolando-a por inteiro
de tudo em volta,
brotava em mim um sorriso doce,
próprio dos humanos que são tocados
por uma das setas de Eros*.

Até aquele momento
não havia reparado
quão grande era sua beleza.
Foi um acontecimento de instantes:
repentino, arrebatador...
estava sentada em um assento
junto a outras pessoas
e, por trás, como pano de fundo
havia uma pintura enorme
que retratava um cenário bucólico.

A coluna ereta
elevava, às alturas, seus cabelos
                [negros como a noite]
que desciam serpenteando,
suavemente, envolto ao pescoço
até encobrir um dos seus seios
[feito cobertor que aquece um casal enamorado].

Suas pernas cruzadas
ressaltavam,
para além de volumes e formas,
uma beleza jovial e sedutora,
própria das deusas.

Enquanto suas mãos
repousavam
[doce e afetuosamente]
entre os joelhos e coxas.

Não mais preciso revelar
quão envolto naquela atmosfera estava.
Seus olhos
                [negros feito noite sem luar]
pouco revelavam sobre tamanho encanto
e unia-se em contraste ao sorriso,
belo e fugaz,
que elevava suas maçãs da face.

Quanto aos lábios?
Ai de mim!
Respiro profundo e longamente
só em lembrar.
Eram suaves, macios
e se tocavam calmamente, 
como se desejassem
me revelar qual a cor do paraíso.

Sua voz?
Dada a distância
                       [espacial e temporal]
não a ouvi, 
apenas uma vaga ilusão do entoar
da sua voz ao meu ouvido.
Todavia, a julgar pelos traços faciais serenos 
e pela alegria do falar,
estou certo,
era semelhante um cântico de Euterpe** 
ou um cântico de Orfeu***.

Subitamente,
alguém gritou em direção a ela:
- Afrodite! Afrodite! Vamos!
Ela ergueu-se e se foi
                               [partiu]
deixando a pintura no mural,
a tarde e eu,
melancólicos e sem brilho.

Aquela jovem deusa:
não a tenho,
nunca a tive
e, possivelmente,
jamais a terei.

Dela,
restou-me apenas uma coisa
                                             [uma pétala]
que guardo e guardarei por todo o sempre,
dentro de mim,
ecoando em minha mente e meu peito.

Seu nome [Afrodite].



* Deus grego do amor.
**É a musa da poesia lírica e tem por símbolo a flauta. Ela é uma jovem, costumeiramente, representada coroada de flores e tocando o instrumento por ela inventado.
***Na mitologia grega, era um poeta e músico, filho de Apolo e da musa Calíope. Era o músico mais talentoso que já viveu; quando tocava sua lira, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo



   [José Ailton Santos]

sexta-feira, 20 de junho de 2014

PROFESSORES, ARQUITETOS DO AMANHÃ.


Já alerto ao leitor, este texto não será nenhum tratado ou manifesto contra ou a favor das escolas, tão pouco dos professores, em especial, os do nosso estado, Sergipe. É sabido por todos, que desde o último dia 02 do mês corrente todos os professores [correção, uma parcela apenas, pois falar em totalidade é sonho, e dos mais otimistas] da rede estadual do estado de Sergipe estão paralisados para reivindicar o pagamento do Piso Salarial, devido desde o ano de 2012. Piso este, que do ponto de vista jurídico já não cabe mais contestação, visto que, o próprio STF [Supremo Tribunal Federal], instituição maior no tocante as questões constitucionais, já sentenciou, Piso é devido na carreira e para todos os professores .
Todavia, como quase todas as questões de direito em nosso país não é apenas uma situação jurídica e sim política, é aí que o "bicho pega". Uma grande parcela do professorado, quiçá, a quase totalidade é detentora de uma formação profissional e não política, vez por outra, perdemos o jogo por desconhecer as regras. Tudo bem, serei mais claro, o professor de matemática sabe dos cálculos que envolve a sua respectiva área, português idem, história... contudo, quase sempre faltam a estes profissionais o conhecimento e a prática política necessária para exercer seus direitos de forma plena. E quais os danos desta falta de formação? Deixamos de reivindicar direitos e o pior, negamos aos nossos alunos o debate, o exemplo e a formação necessária, por puro desconhecimento, pois quero não acreditar que seja por omissão ou pura malvadeza social.
Aqueles que militam, lutam, insistem, incansavelmente, para não deixar "a peteca cair", sofrem o karma histórico e social de carregar nos ombros os dissabores da busca e manutenção dos direitos da categoria em epígrafe. E como meus leitores sabem que não sou santo nem diplomático, vou começar a jogar ácido. Acredito, com uma invisível margem de erro, que muitos professores da educação básica, nada sabem sobre processos de representação e legitimação de poder na esfera da sociedade e se o sabem, sabem pouco.
Vejamos, quando participamos de um processo eleitoral para escolhermos representantes para as esferas de poder, estamos legitimando os escolhidos e por mais que os representantes eleito não venham a ser o alvo da nossa escolha, esse será ou serão os ocupantes dos cargos por quatro anos. Agora pergunto, porque o mesmo não ocorre, quando o assunto é participação no quórum de representação e legitimação de decisões, no tocante a categoria dos professores? Sendo mais claro, porque os professores não vão às assembleias da categoria [do mesmo modo que vão às urnas] para emitir opiniões, apresentar propostas, votar nas mesmas, dar sua quota de luta em prol do esperado resultado? E mais, porque se sentem no direito de não fazerem parte das assembleias ou serem voto vencido e ainda tomarem decisões contrarias? E pior, chamam suas atitudes deslocadas de democráticas. Bradam: - Vivemos em uma democracia, logo, tenho o direito de escolher o que fazer!
Desculpe-me pelas palavras acima proferidas, foi um deslize. Afinal de contas, diz a norma de etiqueta, o aconselhável para quem deseja conquistar alguém é ser gentil, polido, doce, atraente, elegante, gentil e não sair esfregando o horror, a fúria e os dissabores na face dos possíveis aliados ou enamorados, ainda que estes sejam acometidos de insipiência política, oportunismo, falta de caráter, egoísmo em escalas elevadas. Tudo deve ser percebido como um processo, os que hoje se recusam, se omitem, podem ser os mesmos que amanhã se reconhecem e se reinventam. Se envolvem na luta social, se engajam e se tornam personagens centrais, saindo da condição de coadjuvantes e assumem o papel de protagonistas.
No entanto, continuar à espera de resultados dos quais não fazem parte, relegar aos outros um fardo que compete a todos nós, se omitir e ainda entender que sua omissão é democrática, penso que, ações e pronunciamentos dessa natureza demonstram claramente que desconhecem o conceito de democracia e, para tristeza geral, desconhecem mais ainda, seu funcionamento. E o mais lamentável, vir de um professor, um formador de opinião, alguém que detém uma formação elevada, alguém que ensina ou deveria ensinar a seus alunos sobre democracia e sua lógica de funcionamento. É preciso ter claro a lei de causa e efeito; se nos mostramos omissos, incrédulos, pouco participativo, relegamos aos nossos alunos um exemplo pouco agregador e extremamente fatalista, além de estarmos ajudando a manter a lógica do status quo.  
Quando uma categoria organizada decide algo em assembleia, ainda que não estejam todos presentes ou estando, sendo voto vencido, cabe a todos aceitarem a deliberação coletiva, pois agindo desse modo, estariam legitimando os representantes e atribuindo poder a categoria profissional da qual é parte constituinte, além claro, de emitir um exemplo democrático a toda a sociedade.
É comum entre os professores falarem mal dos político, dos cidadãos passivos da sociedade, que ignoram seus direitos. O problema é que esses mesmos professores não se vêm incorrendo em erros e desvios semelhantes aos dos políticos e dos cidadãos apontados. E as alegações são as mais vis possíveis, a saber, estarem no estágio probatório, revelando ou ignorância ou frouxidão de caráter, ignorância porque tem legislação que lhe possibilita o direito de greve e um estatuto do magistério que enumera os critérios de aprovação no estágio probatório, logo, se existe lei que o resguarda e optam em não fazer,  em não participar, revela uma falta de atitude própria das pessoas pusilâmine. Outros, que não fazem adesão ao movimento porque ocupam cargos de confiança na administração do governo e dizem que seria contraditório se participassem, contraditório, a meu ver, é negar uma causa que lhe beneficia de modo atemporal, diferentemente das gratificações transitórias que percebem.
Lá vai mais um pouco de ácido. Esses são oportunistas, que vivem dos suor e das lágrimas alheias, são hienas, riem da tragédia dos outros. Suas lutas diárias são para assegurar algo individual, sem o menor encargo de consciência para com o sofrimento dos demais pares, são ególatras tentando passar uma imagem de parceiros e se justificando, feito lobos em peles de ovelhas, com a fala que no passado também fez parte e que sua trajetória o canoniza. Talvez, a trajetória dessas pessoas ponha auréola no passado deles, pois o presente está carente de exemplos. Perdão! Desculpe-me, mais uma vez, deixei minha emoção despejar ácido nos corpos alheios. 
E, já que pequei por mais de uma vez, jogando ácido, abram parênteses para mais um pecado. Além desses exemplos acima citados, há outros mais levianos e rasteiro, são os que serpenteiam, que salivam enquanto cantam louvores aos carneiros, tentando se passar por um. Quais as alegações desses últimos, dizem que não fazem adesão ao movimento paredista porque se preocupam com os alunos que ficariam sem aula. Risos. Isso é cômico para não dizer trágico, são esses mesmos que no fluxo regular do ano letivo, faltam mais que água nas torneiras nos dias quente do verão no baixo São Francisco.
Pela última vez, desculpem meu ímpeto. Agora, estou calmo. Doravante, serei mais sereno. Vejamos, fico a imaginar, que exemplos continuamente damos aos nossos alunos, os futuros cidadãos desse país? Se deixamos de exercitar nossos direito? Se aceitamos as condições ruins em que muitas vezes trabalhamos como se a realidade fosse algo natural? Se quase sempre agimos de modo individualista? Que herança deixamos com nossos exemplos aos nossos alunos? Será que temos condições ética de cobrarmos dos nossos alunos participação social e política? Será que temos hombridade de olharmos nossos alunos nos olhos e lhes acusarmos de serem passivos, quietos e mansos no exercício da cidadania? Quando nós próprios não o fazemos?
Por fim, deixo aqui, minha última mensagem. Há no livro, viver para contar, de autoria de Gabriel García Márquez, a seguinte citação atribuída a Bernard shaw, “desde pequeno tive que interromper minha educação para ir à escola”, pensamento semelhante é atribuído a Albert Einstein, “educação é tudo que nos resta depois que esquecemos tudo que aprendemos na escola”. Analisando essas frases fico a me perguntar, para que servem as escolas? Qual sua função social? Se não existissem as escolas, o que seria dos professores? O que ensinam os professores a nossos jovens? Afinal de contas, se tomarmos como certo os dois pensamento, deveríamos estar convictos que o produto dos conhecimentos e saberes ensinado nas escolas, de nada servem, ou senão, das duas uma, ou a escola é um lugar estranho e desconectado da sociedade a qual faz parte ou o que os professores ensinam não tem relação alguma com a vida prática e cotidiana. 
E na mesma toada, como esperar dos nossos alunos solidariedade e envolvimento em causas coletivas, se nós sempre mostramos a eles o contrário? Ao passo em que caminho na direção do fim deste texto, afirmo: - democracia se faz comigo e com os outros, se me nego a participar estou fragilizando o processo, se me nego a fazer algo esperando a participação dos outros, ignoro o fato de que os outros sou eu em relação a alguém, ou seja, quando espero pelo outro, estou à espera de mim mesmo. Clamo a você que leu este texto até aqui, reflita, se envolva, participe e, certamente, a totalidade estará em ação.

"Não amemos de palavras nem de língua, mas por ações e em verdade."      (01 João 3:18)


José Ailton Santos - Professor de educação básica da rede estadual de Sergipe.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

FAGULHA EXCELSA


Aquele que disser para si
e para outros:
- Já tive vários amores!
Esse não passa de um coração
      [pobre e infeliz].

É um casarão,
sem pessoas e sem mobília.
       Não tem cores
       Não tem vozes
       Não tem emoções
       Não tem vida.

Ah, nobre leitor amigo!

O amor é um fruto raro
e poucas são as plantas da espécie
que dão frutos.

Felizes, certamente, foram os amores
que os amou
porque se tornaram divinos 
ao inocular a fagulha excelsa.

Hoje, sei o que sentiram
aqueles amores que o amou,
pois,
    [tenho vida,
                     sinto emoções,
                                         ouço vozes,
                                                       vejo cores]
há pessoas e mobília 
dentro de mim.



[José Ailton Santos]

quinta-feira, 6 de março de 2014

A FORMA E O SENTIMENTO


Meus poemas não são feitos em soneto.
Logo, não possuem quartetos nem tercetos 
sequer os considero poemas.
Eles são:
minha voz
minha causa
minhas crenças.

Não são feitos de versos
decassílabos nem alexandrinos.
Não possuem rimas
ricas nem pobres
inimaginável, raras ou preciosas.
Desconhecem as combinações
AABB, ABAB e et cetera.

Não buscam a sonoridade
tão pouco a métrica
quiçá, a melodia.

Não possuem aliterações, sinestesias...
não possuem feição nem forma
não conhecem números ou percentagens
não são concretos nem abstratos
nem surreais.
E recusam todo tom de romantismo.
Não servem para seduzir
nem para despertar paixões
nem tão pouco, deixam o outro enamorado.

Meus poemas falam de mim.
Se constituem das minhas lágrimas
se estruturam na minha revolta
    [não da vida, não dos homens, não do mundo,
                    mas da vida dos homens no mundo]
 se alimentam de um dos meus sete pecados, minha ira
e se embelezam da minha fúria interior.

Não sou poeta,
não me vejo nem sinto assim.
Sou um olho que vê
sou um corpo que sente
         [fome, frio, violência, desprezo, injustiça...]
e uma mente que rejeita grilhões.



[José Ailton Santos]



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

UM SEGUNDO ADEUS

Alguns têm por hábito,
acordar cedo e caminhar.
Outros, ir ao culto:
às terças, quintas e domingos.
Outros mais, não abrem mão
de levar e buscar os filhos no colégio.

Eu só alimento dois hábitos:
o primeiro, dou flores a minha esposa
quatro vezes ao ano
       [08/março, 12/junho, 11/julho e 17/dezembro]
o segundo, discuto com os amigos
- mais chegados -
sobre o que penso e faço.

Pois bem, foi justamente
quando estava exercitando
o segundo hábito, com um amigo,
que entrei numa daquelas pelejas
acerca da minha luta cotidiana
em defesa da minha terra natal.

... - Não abro mão!
Afinal de contas, essa é minha terra,
a terra onde:
nasci,
estudei,
brinquei,
fiz amigos...

Senti no olhar dele que não o convenci.
Ele não concordava, tinha outra opinião.
Ao que me respondeu:
- A casa da sua infância,
da fachada ao interior,
não é mais a mesma:
cômodos
paredes
quintal
telhado
roseiras
fruteiras
a pintura singular...
tudo, deu lugar ao vazio caiado e cimentado.

E após quase uma hora,
de debate sangrento,
ele finalizou com uma sentença:
- Sua luta é inglória,
uma vez que,
a casa,
o quintal,
a cidade
e os amigos que fomentam sua luta,
não mais existem
nem jamais existirão,
ainda que de modo análogo.

Antes de partir,
ajustou o chapéu panamá,
saudou-me cordialmente
e se afastou cabisbaixo
num gesto peculiar.

Pus-me em silêncio
                [pensativo]
enquanto o mirava pelas costas.
E naquele instante, lembrei:
do homem,
do rio,
de Heráclito
e de sua máxima.

"Nada é permanente, exceto a mudança".


[José Ailton Santos]


domingo, 23 de fevereiro de 2014

A COR DO AMOR

Vem cá minha nega,
que eu vou te pintar,
pois com essa cor
não posso casar.

Se assim o fizeres:
a Igreja não aceita,
meus pais me rejeitam,
a herança será desfeita
e a cidade irá ri de nós.

Se te pinto de branco,
vamos [de mãos dadas]
às ruas:
Rio Branco,
Do Carmo,
Direita,
Esquerda
e do Ouvidor.
Até aos bailes e saraus
contigo irei.
E aos olhos alheios, semelhantes seremos.

Do contrário, sofreremos os castigos:
Você, os próprios da cor
             [atraso, retrocesso, incivilizado, males de origem...]
Eu, os de perder um grande [quiçá, único] amor.


[José Ailton Santos]

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CASOS COTIDIANOS DA MINHA TERRA.


01 EPISÓDIO: 

Meu pai, pela manhã, retornava da pescaria e trazia o balaio [um tipo de cesto de origem indígena] cheio de piabas [tipo de peixe pequeno existente em vários rios do Brasil] e ao descer da bicicleta para empurrá-la, pois o peso da bicicleta com o cesto dificultava a subida da ladeira da Barroca [uma espécie de bairro do município]. Pois bem, no momento em que ele subia a ladeira um morador da localidade pergunto-lhe:
- Mané, tá vendendo pé-de-moleque agora é?
O nego do jeito que vinha suado e de sangue agitado, parou a bicicleta, olhou em direção ao gozador e lhe deu a seguinte resposta:
- Eu não estou vendendo pé-de-moleque não, estou vendendo [pipipipi] sobrou uma quer pra você botar no [pipipi]?
O gozador percebendo que seu intento não fora atingido e percebendo que todos na rua riam da resposta que recebera, voltou a falar:
- Oh, Mané, precisa responder desse modo?
Ao que obteve como resposta:
- Vai procurar seu lugar ou quer que eu mande você ir buscar minha cueca embaixo do seu colchão, que sua mulher esqueceu de me devolver ontem à noite? [sobrou para a esposa do infeliz]
E ainda disse mais: - Cabra safado me respeite. Aí, o cara acordar de madrugada, até essa hora sem comer e vem um insolente feito você fazer graça de mim.

"NÃO CUTUQUE FERA COM VARA CURTA, POIS PODE PERDER O BRAÇO."



02 EPISÓDIO: 

Hoje, à tarde, enquanto sair a passear pelas ruas e becos da cidade de Cedro de São João, ouvir a conversa de dois anciãos. Um disse: - Ei, homem, arrie esse trabalho e vamos à missa! Ao que o outro deu como resposta: - Deus disse, primeiro as obrigações depois a devoção. O primeiro voltou a falar: - Então, vá derrubar a Igreja. Ao que o segundo respondeu: - Eu não, vá você que está aí sem fazer nada.

"QUEM NÃO DÁ OPINIÃO, NÃO PERDE A FEIÇÃO NEM O AMIGO.



03 EPISÓDIO:

Sentando num banco da praça, que fica localizada em frente à prefeitura, eis que quando cheguei estavam dois homens a conversar, um aparentando seus 80 anos e outro uns cinquenta anos mais jovem. O mais velho disse:
- Um homem tem que zelar da aparência física e, mais ainda, da imagem familiar. O mais moço, então, perguntou:
- O que é imagem familiar? 
O homem mais velho fechou o semblante como se estivesse a se admoestar que a tarefa não seria das mais fáceis e disse: 
- É zelar pelo nome da família, pois a imagem familiar é o escudo que blinda sua honra e moral perante os outros. 
Insistindo na pergunta, o jovem voltou a questionar: - como assim, nome da família?
O mais velho perguntou:
- Meu garoto, você é rebento de qual raiz familiar em Cedro.
O jovem deu a seguinte resposta e partiu:
- Se não sabe responder diga, agora ficar me enrolando não dá.
O homem octogenário meneou a cabeça e olhou em volta, como se desejasse se certificar que não havia ninguém próximo, para praguejar e disse entre lábios:
- Quanta insipiência.
 "SÓ HÁ UM MAL, A IGNORÂNCIA. SÓ HÁ UM BEM, O CONHECIMENTO."


04 EPISÓDIO:

Antes de regressar para minha casa, resolvi entrar na quadra de esportes e assistir alguns minutos do jogo que lá ocorria. Pois bem, eram equipes uniformizadas, uma de jovens de Cedro e outra da cidade vizinha, Telha. Diga-se de passagem, o prefeito atual desse último município, construiu numa gestão de um ano e dois meses, até o presente, duas quadras novas em dois povoados e reformou a da sede da cidade, pergunto: - e o prefeito de Cedro construiu quantas? A diferença de gestão reflete no resultado do jogo dos garotos. Bom, vamos retomar o raciocínio. A equipe do município de Telha "passeava" entre os jogadores de Cedro, uma goleada. Eis que em um lance, um jovem da equipe de Cedro, pretenso candidato a vereador na cidade, saiu do gol em direção ao adversário, esqueceu a bola e quase expôs a tíbia e a fíbula - ossos da canela - do jogador. Um aparte, se ele for agressivo assim no parlamento local, vou me converter em seu eleitor e cabo eleitoral. O jogo perdeu o sentido, violência vazia e gratuita da parte da equipe do Cedro, enquanto os garotos de Telha metiam bola entre as pernas dos adversários em resposta à pancadaria. Antes de regressar para minha casa, eis que surge um novo lance, e, o goleiro da equipe de Cedro abandona o gol novamente, não para evitar o gol e sim para arremessar quadra fora um garoto da outra equipe, que por sorte ou por dominar as técnicas de um dublê, não saiu do jogo gravemente ferido, quiçá, morto. Não me contive diante da cena e gritei, em alto e bom som:
- Se tiver confusão vou estar do lado dos garotos da Telha viu!
Um familiar meu que estava ao meu lado questionou:
- Vai mesmo ficar contra os de Cedro?
Ao que deixo como resposta, ao meu familiar e aos que questionem meu patriotismo, bairrismo ou sei lá o quê. 
- Convidem-me para uma causa justa e terão meu apoio e defesa veemente, do contrário, estarei de punhos fechados, ainda que seja, contra minha gente.

"COMPETIR, VENCER E SABER PERDER, SÃO PARTES DISTINTAS E FUNDAMENTAIS DE QUALQUER JOGO."




[José Ailton Santos]

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

INSTINTO SELVAGEM



Conduziram-me para dentro do cercado
e me juntaram aos outros.
De pronto, senti que meu mundo
ficou menor.

Vivi por um tempo com menos:
ar puro,
vegetação
e campos para cavalgar.

Meus semelhantes, 
vendo minha inquietação 
disseram-me: - Acalme-se!
- É sempre assim:
reagimos. Mas, inexoravelmente,
esse é o destino de todos nós do rebanho.
Não há como nem por que resistir.
Outros me disseram: - Debater-se é inútil.
Acostume-se! 
Nossas vidas, feito água do mar,
acabam sempre na areia da praia.

Apesar da força daquelas palavras,
da realidade preto e branco,
do maniqueísmo convertido em religião:
opressor versus oprimido;
superiores e inferiores;
humanos e não-humanos;
dominadores e dominados.

Questionei os axiomas postos.
- Ouçam-me!
Nada é imutável senão a própria natureza.
E nossa condição do passado
não precisa ser essencialmente 
a do presente.

Debalde, não fui ouvido.

Menstruei todas aquelas vozes.
Não queria abrir meus olhos.
Não queria enxergar:
cercas,
limites,
vida sem plenitude
...

Mantive os olhos [da mente] abertos,
pois somente assim meu mundo era:
real,
 pleno,
concreto
...
sentia o vento,
o cheiro da relva
e o horizonte sem fim.

Diante da minha resistência, 
insistentemente ouvir:
- Você ainda vai ceder!
                          [de um modo ou d'outro]
- Vamos pra frente!
- Não adianta lutar. As cercas são fortes!

Não sabiam eles que quem mantém 
os animais no pasto é a grama e não as cercas.

Cotidianamente,
mantive os olhos fechados.
Inevitavelmente,
perdi os "amigos"
e, em seguida, as vozes se foram.

O tempo andou:
- Paguei pra ver.
- Não cedi.
- Não me adaptei.
- Não comi da grama cortada.
E, por fim, galguei:
as cercas,
as muralhas,
a visão profética
e as sombras da caverna de Platão
feitas de ilusão e fé.

Hoje, cavalgo no mundo que sempre amei
e, para minha surpresa, não estou solitário.


[José Ailton Santos]


sábado, 15 de fevereiro de 2014

IN MEMORIAM À MEMÓRIA DO MEU POVO

Dentre os males da minha terra:
Cheias durante as chuvas,
Secas durante quase todo o ano,
Ausências [de emprego, de políticos, de gente honesta...]
Doenças Psicofísicas
...
eis o mal maior:
"Nossos jovens não lêem".
Refiro-me às diferentes leituras.
E, aqui, não se trata
de um não-saber,
tão pouco, não-conhecer .

Todos foram, são e continuam sendo:
- treinados a decodificar símbolos
- adestrados a gargantear vogais e consoantes 
- "ensinados" [sem entusiasmos] a pronunciarem as cores
do arco-íris das letras.

Foram ensinados a ler, para-não-ler.

Quanto aos livros,
no que se tornaram?
Arranjos para cristaleira,
encosto  de portas e janelas,
ornamentos nas salas de visitas,
ou, simplesmente, volumes que se amontoam 
num canto escuro da casa.

E para ser mais profícuo
foram transfigurados em combustível
para acender fogo de lenha
ou ainda, 
jardim para o deleite das traças.

Os livros [e/ou nossos jovens]
existem para um único e certeiro fim,
serem:
olvidados
molestados
desprezados
dessacralizados
...
salvo para serem lidos.
                       [e ninguém os lê]

Estes [jovens/livros/jovens] foram, são e continuam sendo
sepultados em sete palmos de ignorância.
E enquanto não emergirem
nosso povo seguirá às escuras
pois, foram convertidos 
em órfãos néscios 
e desprovidos de memória e leitura.



[José Ailton Santos]

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

NOVO HOMEM


   Dedico esta verdade a um amigo, Friedrich Nietzsche.



É preciso ter pulmões fortes
pois, só quem respira o ar dessas palavras
serás capaz de conhecer a verdade.

E ao conheceres essa verdade
serás semelhante a um poço 
onde toda vasilha arremessada
não sobe senão transbordando.

Eis, aqui, nosso lema: Nitimur in Vetitum*.

Tudo o que seja verdade
foi - até agora - proibido.

Ouça-me! Não estou a pregar.
Não sou fanático, não exijo fé.
Não sou sedutor, pois nem todos me compreendem.
Não sou sábio...
Não sou santo...
Não sou Redentor...

Logo, não os convido aonde vou
aliás, se assim o fizesse não seria
um mestre a se indicar.

Oh, novos homens! Ides solitários 
pelas veredas da vastidão.
E quanto mais distantes de mim
menos chances terás de seres enganados.

Que mérito há em um mestre 
que mantém seus discípulos 
ad eternum** nesta condição.

Desafiem minha condição de mestre
de ídolo, de Salvador...
martelem meus pés de barro,
arranquem folhas de louro da minha coroa.
Procures a vós,
pois se não o fizeres
encontrarão sempre a mim.
E este é o princípio da fé,
a saber, afastá-los da verdade,
afastá-los da sua essência.

Agora, vos ordeno!
Entrem na floresta,
soltem a borda do meu manto,
se percam de mim
e encontrem a vós mesmos.

E, somente, quando se perderem de mim,
quando me esquecerem,
quando me renegarem,
eis que retornarei em meio a vós.



* Lançamo-nos ao proibido.
** Por toda eternidade.


[José Ailton Santos]   

sábado, 25 de janeiro de 2014

MAIS QUE LEMBRAR DO HOMEM, MIREM-SE NOS SEUS ATOS.



O motivo deste texto não são minhas ideias e crenças e sim o louvor a um homem e, mais que isso, ao exemplo de vida deixado. Essencialmente, todos os homens são iguais. No entanto, nem todos vivem de modo semelhante. Sem delongas, venho prestar minha homenagem ao egrégio membro do parlamento municipal de Cedro de São João, Vereador Eronildes Francisco da Rocha, conhecido popularmente pela alcunha de Xéu, falecido na última quinta-feira [22 de janeiro de 2014].

Aqui, não vou me debruçar sobre a vida pessoal, familiar, íntima, pois tenho consciência que não sou a pessoa mais apropriada. Desconheço-o nesse aspecto. Todavia, posso falar do homem público, do parlamentar que foi, ainda que de modo breve. Presenciei algumas sessões na câmara municipal e pude ouvir e avaliar a conduta do nobre vereador. Suas falas eram revestidas de zelo com o erário público, de ardoroso amor pela sua gente e sua cidade. Crítico ferrenho de uma política bolorenta que tem raízes na tradição oligárquica.

Era a figura encarnada de um estilo político que lembra os escritos de um filosofo que admiro bastante, Arhur Schopenhauer, autor do pensamento, a política será uma arte maior, quando os homens viverem PARA a política e não DA política. E o vereador Eronildes foi um político deste calibre. Financeiramente, familiarmente e, por que não dizer, espiritualmente bem resolvido e bem sucedido. Logo, seu ingresso na vida política se deu por um propósito, ser instrumento da mudança política e social na nossa apática e cobiçada cidade.

Crítico dos políticos locais, que discursam num tom e exercem seu cotidiano com coloração distinta. Cobrou zelo nas contas públicas, transparência no uso do bem comum e pensou soluções para os problemas da ordem do dia das pessoas e da cidade para a qual fora eleito parlamentar.

Não vou ser repetitivo, tão pouco vou me alongar, apenas quero registrar duas passagens, as quais presenciei, ocorridas no parlamento de Cedro, que demonstra a atitude e postura do homem em questão. Um deles foi na abertura dos trabalhos legislativos do segundo semestre do ano passando, quando o excelentíssimo senhor prefeito se fez presente à sessão e fora sabatinado pelo vereador Xéu. Diante dos duros questionamentos feito pelo vereador, a claque levada pelo prefeito para aplaudi-lo, de modo cronometral, começou a ladrar à Lua, emitindo vozes injuriosas no sentido de desestabilizar e desacreditar o discurso do vereador. Porém, esse seguiu solitário apontando ausências na gestão e promessas de campanha não cumpridas.

O outro momento foi numa sessão ocorrida no Povoado Poço dos Bois, onde o mesmo cobrava esclarecimentos da Secretaria de Educação e Finanças do município que se faziam presentes. Em seguida, alertou uma colega vereadora, quanto ao fato de ter um ente familiar ocupando um cargo no primeiro escalão do executivo municipal e possuir um bem imóvel alugado à prefeitura, pois poderia sofrer sanções por conta da situação, além de não ser moralmente bem visto. Diante da situação posta, um dos presentes, Arquimedes, conhecido na comunidade como Memeco, bradou: - Você quer ser prefeito Xéu, peça para Claudionor sair! Ânimos se exaltaram, mas foi somente isso.

Além desta disposição para atuar no mandato, o personagem em questão ainda subiu ao ring para lutar contra um adversário cruel, um câncer. Venceu vários round's, mas no último e decisivo fora nocauteado. A derrota não o torna um adversário frágil ou inferior. Basta lembrarmos de uma famosa batalha ocorrida no desfiladeiro das Termópilas na Grécia, onde 300 espartanos liderados por seu rei, Leônidas, lutaram até a morte contra o exército persa infinitamente superior, numericamente, liderado pelo rei Xérxes. Antes de tombar em batalha, Leônidas enviou um mensageiro ao seu povo para contar-lhes dos últimos ocorridos e da iminência da sua morte. E, na ocasião, fez um último pedido ao seu povo, a saber, "lembrem-se de nós". Se os familiares do falecido Xéu me permitem, faria um último pedido em seu nome: - antes de lembrarem do homem e seu nome, lembrem-se dos meus atos. Eis, aqui, onde reside a grandeza hercúlea de um homem. 

Por fim, parafraseando uma passagem de um dos livros de Salomão, há tempo para tudo embaixo dos céus, tempo para plantar e tempo para colher, tempo para nascer e tempo para morrer. Seguindo essa máxima, o tempo de Eronildes chegou. Descanse em paz.



[Homenagem muy humilde de um jovem sonhador, José Ailton Santos]