quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

UM SEGUNDO ADEUS

Alguns têm por hábito,
acordar cedo e caminhar.
Outros, ir ao culto:
às terças, quintas e domingos.
Outros mais, não abrem mão
de levar e buscar os filhos no colégio.

Eu só alimento dois hábitos:
o primeiro, dou flores a minha esposa
quatro vezes ao ano
       [08/março, 12/junho, 11/julho e 17/dezembro]
o segundo, discuto com os amigos
- mais chegados -
sobre o que penso e faço.

Pois bem, foi justamente
quando estava exercitando
o segundo hábito, com um amigo,
que entrei numa daquelas pelejas
acerca da minha luta cotidiana
em defesa da minha terra natal.

... - Não abro mão!
Afinal de contas, essa é minha terra,
a terra onde:
nasci,
estudei,
brinquei,
fiz amigos...

Senti no olhar dele que não o convenci.
Ele não concordava, tinha outra opinião.
Ao que me respondeu:
- A casa da sua infância,
da fachada ao interior,
não é mais a mesma:
cômodos
paredes
quintal
telhado
roseiras
fruteiras
a pintura singular...
tudo, deu lugar ao vazio caiado e cimentado.

E após quase uma hora,
de debate sangrento,
ele finalizou com uma sentença:
- Sua luta é inglória,
uma vez que,
a casa,
o quintal,
a cidade
e os amigos que fomentam sua luta,
não mais existem
nem jamais existirão,
ainda que de modo análogo.

Antes de partir,
ajustou o chapéu panamá,
saudou-me cordialmente
e se afastou cabisbaixo
num gesto peculiar.

Pus-me em silêncio
                [pensativo]
enquanto o mirava pelas costas.
E naquele instante, lembrei:
do homem,
do rio,
de Heráclito
e de sua máxima.

"Nada é permanente, exceto a mudança".


[José Ailton Santos]


Um comentário:

  1. Hoje, conversando com uma amiga, falávamos exatamente sobre a mudança. Algumas vezes ela é um mal necessário, outras é tão bem vinda que a gente nem sente o valor dela. Mas ela está sempre presente em nossas vidas, na vida que faz vida dentro de nós, como em nossas atitudes.
    Obrigada meu amigo poeta por trazer a nossa mesa filosófica um gosto de quero mais.

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