terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

INSTINTO SELVAGEM



Conduziram-me para dentro do cercado
e me juntaram aos outros.
De pronto, senti que meu mundo
ficou menor.

Vivi por um tempo com menos:
ar puro,
vegetação
e campos para cavalgar.

Meus semelhantes, 
vendo minha inquietação 
disseram-me: - Acalme-se!
- É sempre assim:
reagimos. Mas, inexoravelmente,
esse é o destino de todos nós do rebanho.
Não há como nem por que resistir.
Outros me disseram: - Debater-se é inútil.
Acostume-se! 
Nossas vidas, feito água do mar,
acabam sempre na areia da praia.

Apesar da força daquelas palavras,
da realidade preto e branco,
do maniqueísmo convertido em religião:
opressor versus oprimido;
superiores e inferiores;
humanos e não-humanos;
dominadores e dominados.

Questionei os axiomas postos.
- Ouçam-me!
Nada é imutável senão a própria natureza.
E nossa condição do passado
não precisa ser essencialmente 
a do presente.

Debalde, não fui ouvido.

Menstruei todas aquelas vozes.
Não queria abrir meus olhos.
Não queria enxergar:
cercas,
limites,
vida sem plenitude
...

Mantive os olhos [da mente] abertos,
pois somente assim meu mundo era:
real,
 pleno,
concreto
...
sentia o vento,
o cheiro da relva
e o horizonte sem fim.

Diante da minha resistência, 
insistentemente ouvir:
- Você ainda vai ceder!
                          [de um modo ou d'outro]
- Vamos pra frente!
- Não adianta lutar. As cercas são fortes!

Não sabiam eles que quem mantém 
os animais no pasto é a grama e não as cercas.

Cotidianamente,
mantive os olhos fechados.
Inevitavelmente,
perdi os "amigos"
e, em seguida, as vozes se foram.

O tempo andou:
- Paguei pra ver.
- Não cedi.
- Não me adaptei.
- Não comi da grama cortada.
E, por fim, galguei:
as cercas,
as muralhas,
a visão profética
e as sombras da caverna de Platão
feitas de ilusão e fé.

Hoje, cavalgo no mundo que sempre amei
e, para minha surpresa, não estou solitário.


[José Ailton Santos]


4 comentários:

  1. Há uma semelhança do seu estilo poético com Augusto dos Anjos considerado um dos poetas mais críticos de sua época.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Comparar-me a um poeta de tal calibre é um reconhecimento e tanto ao meu trabalho. Sinto que sou um fruto ainda verde, mas o tempo se encarregará de amadurecer. Agradecido pela atenção e carinho.

      Excluir
  2. Parabéns pelas excelentes pérolas com que presenteia aqueles que apreciam este excelente espaço de cultura. Este seu modelo próprio e singular de fazer poesia é marca registrada dos que possuem em sua essência o desejo de transformar a realidade que o cerca utilizando de uma escrita elaborada na certeza de muitas horas de estudo. Não vejo pessimismo muito menos escárnio em seus escritos, apenas costumo observar um desejo de influenciar outros a compreender e vislumbrar o mundo por um prisma diferente, autêntico.

    ResponderExcluir