quinta-feira, 19 de setembro de 2019

CONVITE


Convido-a para sentar ao meu lado
leio Conceição Evaristo para ela
e dada a proximidade
nos lançamos na escuridão abissal
do outro
de um beijo
da inevitável incerteza

uma, duas, três... peças abandonam a moral
vão sendo retiradas à medida que os corpos
se inclinam
se enlaçam
se completam

E os amantes desnudos
abrem e alongam membros
conectados num magnetismo hipnótico
onde o Eu e o Outro
se convergem
se transmutam
em unicidade rara.







José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].





ENTREGA GLORIOSA




Me senti poderoso
me senti feito leão
a rugir ao nascer do Sol
altivo
imponente
majestoso
monumental
gaudioso de mim

Era só êxtase e vaidade
consegui trazê-la até mim
aquele ser que feito serpente no Éden*
me atraia
me seduzia
me instigava
me fascinava
ainda que não tivesse intenção.

Trouxe-a até mim
feito peixe faminto
em anzol de pescador hábil
fisguei-a e no recolher da linha
entregou-se em mãos para ser servida.

Não sabia explicar ao certo
se sorriso
se gestos
se cheiro
se movimento
se a maneira singular de olhar

Ela se pensava segura de si
nada a conduziria ao abismo
nenhum sentimento desenfreado 
não seria vencida, era pura razão e lucidez.

Contudo,
bem é verdade o dito popular:
coração é terra de ninguém
é castelo sem rei

desejo, amor e paixão não possui senhores

Ela veio até mim
batalha sangrenta
um cão sempre sabe/sente
quando a cadela está no cio
a cadela de modo análogo
[ainda que resista]
sente/sabe que desejará se entregar.
Não há como fugir da natureza constituinte
não há como fugir daquilo a qual fomos destinados.

O teatro se estabeleceu
não cedeu sem antes:
ser vencida
ser subjugada...
no jogo da sedução
ganha quem tem armas afiadas

A entrega é ritual divino
não basta o meu desejo
não basta o desejo do outro
se trata de desejar e ser desejado
eis a beleza inaudita da entrega
eis o ápice do amor

O desamor é não manter
o desejar dual
a via de mão dupla
o entregar-se gloriosamente.

Por fim, abriu-se para mim
feito cauda de pavão
e naquele instante 
a glória se consumou.






* Menção a passagem mítica, contida no livro de Gênese, de Adão e Eva a comer do fruto proibido.



José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].



quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A CARNE QUE HABITO



Caminho pelo deserto
longos caminhos curtos
curtos caminhos longos

frio
jejuns
orações

minha jornada
parecia terminar
eis que veio o frio,
o edredon que antes
aquecia e sufocava
[minhas carências]
não consegue mais me acolher.

Em mim,
algo avassalador pulsa

clamores
orações perenes
jejuns mais intensos
sou um ser em agonia.
Minha jornada que há pouco 
parecia ter fim
se revela prisão eterna

Não resisto e cedo:
me permito,
me sinto fluida,
me entrego em banquete
e tudo [neste instante] faz sentido.

Me descubro humana
me descubro na carne que habito

Sem sair do deserto
fui estar com ele
à sombra de um lugar:
despida
descalça
desinibida
tocando e sendo tocada

A natureza é imperativa
já o meu deserto é administrativo

Sedenta,
bebo mais de uma taça
não pela bebida e sim pelo não estar só.

Me sinto segura
o caminhar no deserto só me faz bem.







José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

LOKI*



Me perguntaram se eu minto.

Veja bem, não se trata da mentira
e sim do valor que a verdade possui.
Não reconheço que minto,
reconheço que não existem valores absolutos.

Reconheço que o conceito verdade
pode ser uma grande mentira
e que as minhas/suas mentiras,
podem ser um caminho em direção ao essencial.

Mentira e verdade
são pontes que nos levam a estar com o outro.



* É um deus, na mitologia nórdica, ou um jotun [gigantes que se opõe aos deuses], filho de Farbanti e Laufey, irmão de Helblindi e Býleistr. É o deus do fogo, da trapaça e da travessura, está também relacionado à magia, podendo assumir forma que quiser.



José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

sexta-feira, 7 de junho de 2019

DESPERTAR





A medida exata do medo, apego.
O sentido exato do perigo, mudança.

E se a vida te mostrar que o apego
não passa de poeira, ilusão, fantasia?

E se a vida te mostrar
que o maior perigo não é a mudança
e sim descobrir que aquilo em que você sempre acreditou 
se tratar da sua vida, não é mais que invento da mente?

Sigo firme no caminho,
experimentando a mudança
e superando o apego.

Percebo-me cada dia mais no eixo,
cada dia mais me equilibrando
na corda bamba da vida.

Vivendo um estado mais líquido
vivendo mais próximo
das minhas medidas exatas.
Cada dia mais cheio
da minha essência vital.
Cada dia mais EU.

Bem diz,
minha amiga e o mestre espiritual:
"A vida começa, quando termina o medo e suplanta o apego".

O mistério está em você,
silencie; deixe manifestar-se.
Torne-se presente.






José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

INEVITÁVEL ENCONTRO


Conquistei amores,
conquistei inanidade,
conquistei notoriedade.

Comprei flores,
comprei corações,
comprei opiniões.

Adquirir admiração,
adquirir canto e altura,
adquirir encanto e cultura,
adquirir presunção.

Tenho tudo para estar satisfeito,
no silêncio, no escuro, não tem fim o vazio,
a conquista de mim mesmo, perpétuo desafio,
pois o espírito continua imperfeito.








José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

segunda-feira, 20 de maio de 2019

ACASO




Minha respiração ofegante 
denunciava meu atraso,
não fosse isso,
seria fácil notar meu destempero.
Não esperava encontrá-la.

Ainda que por um instante
fitei meu olhar no dela
nos saudamos sutilmente e segui adiante.
Apesar do atraso
havia poucos lugares ocupados.
Procurei o assento mais distante
do lugar provável onde sentaria
para quem sabe assim, me recompor
e admirá-la com minuciosidade.

Para meu espanto 
e desordem cardio-respiratória
ela percorreu em diagonal 
toda extensão do ambiente
e veio acomodar-se  
justamente
ao meu lado.

captávamos no ar, 
ouvíamos nas ondas,
olhávamos na retina,
percebíamos na  pele,
mucosas e vísceras.

Ao final do evento,
nos erguemos aplaudindo...
o tempo se dissipou
e com ele o paladar,
que não foi sentido.

Sentia-me uma criança,
que tendo muitos biscoitos
os distribuí sem egoísmo
porém, percebendo que se escasseiam
morde os últimos aos poucos
e os esconde de tudo e todos.

Minha alma apressada questionou,
quando a encontrarei novamente?
O olhar distante, de quem parte saudosa,
respondeu cheio de incertezas.
Em breve.





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].


quinta-feira, 9 de maio de 2019

OCEANO


Olhou-o em profundidade
lembrou da adolescência
e de quão encantador lhe parecia
ainda impressionava-se com a vastidão.

O oceano era a muralha
que gradeava a paixão dentro de si
o imaginário fastuoso da outra margem
era mais tentador que a maçã edênica
todavia, diferente de Eva, não mordeu.

Uma vez, passeou nas ondas de jangada
uma luz vivaz irradiava da face
semblante elevado e lábios elásticos
sorria, sorria, sorria...
peristalticamente.

Comedida pensou:
se a embarcação não suportar as ondas?
se os ventos rumarem em direção distinta?
se não houver lugar na outra margem para mim?
se, se, se's... incertezas e dúvidas.

A embarcação se foi
e com ela outros tripulantes.

Sentou na areia
e se viu cada vez menor no horizonte.
As ondas vinham e lhe estendiam a mão
contudo, cruzou os braços hesitante
queria e temia, feito gelo e fogo
o silêncio espiritual habitou.

Foi morar longe do mar
cresceu em casa com jardim
chegou a pensar que amava as flores
que tinha aprendido a sorrir com elas
porém, à noite, a visão ressurgia
a paixão pela imagem feérica da outra margem.
Fogueira em chamas.

Queria entrar no oceano:
sem roupas 
sem hesitação
sem embarcação
sem medo de afogamento...
nadar com braçadas largas
nadar toda distância com um fôlego apenas
ter uma visão clara da outra margem.

Ao crepúsculo do dia
correu para o oceano
pôs os pés nas águas,
girou e pulou feito criança
cantou e dançou
sorriu, sorriu...
íntima e profundamente.

As lembranças da embarcação
as lembranças do passeio entre as ondas
as lembranças do cheiro do mar
as lembranças do marinheiro.
Nostálgica, chorou.

Ao cair da tarde,
de volta ao jardim,
não via mais o colorido das flores
apenas, um impulso recorrente
"a travessia do oceano".
As águas invadiam o ser por inteiro
angustiada, sufocada...
temia afogar-se em devaneios,
o sonho recorrente passou dos limites.

Mudou-se de casa e foi morar no sítio 
voltou a cultivar flores, convidou as abelhas
e voltou a sorrir, até que em algum dia
a outra margem te convide novamente
a fazer a tão sonhada travessia.






José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].



terça-feira, 7 de maio de 2019

NADA A PAGAR NEM A RECEBER

Ouça o que te digo!

Hoje, exatamente hoje,
não faço lamúria por nada:
que perdi
que sofri
que errei
que ganhei.

Aplausos e vaidades
não me aprisionam,
venci o labirinto de Dédalo*.

Compreendi,
que bons e maus bocados
são transitórios,
não se deve vangloriar
quando a mesa está farta
nem maldizer a vida pela fome.
Coma, quando houver o que comer
e faça jejum, quando escassear,
ambos vão passar.

Não busco saciar minhas paixões 
nem ser submisso as paixões alheias
não serei prisioneiro de mim
nem aceito submissões. 


Absolutamente,
tudo que vivi:
as pessoas
os prazeres
...
o mal e o bem
que me quiseram.
Hoje, a tudo sou indiferente.

Alerto,
a quem eu fiz chorar
e ainda aguardam desculpas,
esqueça!
Busquem outras árvores
para cravar iniciais.

Exorto,
a quem me magoou:
- não olhe para trás,
toque o enterro adiante,
incinerei as lembranças
e as cinzas estão à sete palmos.
Tudo reduzido a zero.

Quer saber?
Dane-se o passado,
seus ensinamentos
e todos que dormem abraçado a ele.
O hoje é um eterno acerto de contas
e sigo caminhando com ele.

Nos bolsos,
não trago nem levo nada
não dou nem recebo troco.
Quanto ao amanhã,
seguirei a marcha a favor dos ventos.

Ao fim da estrada,
não me preocupa onde vou dormir,
se em castelos ou em palhoça,
desde que haja calor no interior.





*DÉDALO - Na mitologia grega era um homem muito inteligente, além de ser inventor e construtor do labirinto que o rei de Creta, Minos, havia ordenado a construção para que servisse de prisão para o Minotauro, filho da esposa do rei com um touro por quem havia se apaixonado. Certo dia, Dédalo revelou o segredo do labirinto e o rei zangado mandou prender a ele e ao filho no cárcere que o inventor planejara.


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].





quarta-feira, 1 de maio de 2019

PRIMEIRO DE MAIO, FAXINA DOMÉSTICA E A MORAL DA HISTÓRIA



Aparentemente hoje é um dia comum, tal qual os outros, diferente dos demais apenas por ser um dia representativo [dia do trabalhador] e por significar uma pausa na minha vida dinâmica. Acordei cedo, como não tinha que ir trabalhar, afrouxei o rigor da rotina cotidiana cronometral e resolvi fazer uma faxina na casa, ou seja, pôr algumas coisas no lugar, arrumar aqui, retirar poeira dali, higienizar o ambiente jogando no lixo coisas que achava que podia precisar, porém nunca busquei para nada. 

Em meio a preguiça típica da data [feriado], quis esmorecer na tarefa, talvez, porque soava melhor assistir um filme, ouvir música e beber umas cervejas, sair sem destino. Um pensamento reptiliano [herança dos ancestrais que poupavam energia por não saber quando iam comer novamente] invadia minha mente na intenção clara de deixar tudo como estar. Aproveitei a oportunidade e fiz da atividade de faxina doméstica um momento de aprendizagem e desenvolvimento pessoal. Moral, se você não for valente e tiver um propósito forte, não vai conseguir concluir o que planejou, pois o convite ao fazer nada é poderoso. 

O que uma simples faxina tem a ver com nosso desenvolvimento pessoal? Acreditem, tem mais do que aparentemente parece. Acompanhem o desenrolar da narrativa e perceba você mesmo. Parei e pensei: - se ficar imaginando como vou limpar toda a casa, o trabalho que vai dar, não vou concluir essa atividade nunca. Mas, ao invés de pensar no todo, foquei nas partes; limpei a garagem, depois o quarto e o banheiro, depois outro e outro e outro, e, por fim, a casa estava limpa e o ambiente leve. Moral, se deseja algo grandioso, comece pequeno, pois até Deus construiu o mundo por partes.

Enquanto limpava a casa, notei que havia uma teia de aranha em um dos cômodos, que havia isolado para evitar mais desordem no ambiente. Fiquei observando a engenhosidade, a textura, localização, dimensão da rede, como os fios foram tecidos com cautela e precisão... e notei que a aranha estava escondida à espreita, então, me peguei pensando: - e se não cair nada nessa rede como ela vai sobreviver? Peguei um inseto e joguei na teia, contudo não fiquei para observar o que aconteceria. Após concluir a limpeza de outros cômodos da casa fui até a teia para verificar o resultado. A aranha estava no mesmo lugar, porém a presa estava enrolada em uma espécie de colcha de linha semelhante a da teia. Moral, às vezes, precisamos agir mesmo sem ter a certeza do resultado, pois se não tecermos nossa teia não haverá alimento. 

Intrigado, peguei um inseto mais pesado e forte e joguei na teia, após ele rasgar a teia algumas vezes, devido o peso, coloquei ele com mais cuidado de modo que ficasse preso a teia. Observei que após o inseto se mover para se desprender da teia, a aranha rapidamente veio até ele e iniciou uma luta ferrenha para enrolá-lo, mas a presa resistia e tentava desfazer as amarras, fiquei ali por alguns minutos até que a aranha desistiu [o que imaginei] e voltou para o lugar onde estava a descansar. Voltei para meu ofício e minutos depois retornei para verificar o que houve, o que vi, o inseto forte havia sido todo enrolado pela aranha. Moral, se a tarefa parece árdua, faça uma parte, descanse e retome o trabalho, até que seja concluído.

Ao final da faxina doméstica, casa limpa, coisas no lugar, aranha e presas foram parar no lixo. Qual a moral, se você não cuidar da vida do mesmo modo que cuida da casa, a sujeira vai se acumulando, outros seres vão ocupando o espaço que deveria ser apenas seu e, por fim, tenha como certo que, uma vez a casa limpa, deve continuar a limpá-la, pois, no instante em que abaixar a espada a batalha será perdida.












José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

NÓS, SEM A CASCA


Quando se retira o poder
Quando se retira o exceder
Quando se retira o manto da soberba


Quando se extirpam as vaidades
Quando se extirpam as promiscuidades
Quando se extirpam as máscaras e maquiagens

Sem ornamentos,
Sem vestimentas: nos corpos, nos templos e nos comportamentos
Eis verdadeiramente o que sobra; quem somos


O que sobra é singelo e sublime
O que sobra é a nudez que não se reprime
Uma nudez que não é apenas poética
é bela e divina por ser a essência estética 




José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

terça-feira, 2 de abril de 2019

SEM CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO




Era 04:37 da manhã, uma segunda-feira de feriado, quando o despertador tocou. A luz do quarto já estava acesa há sete minutos e Ananda se preparava para iniciar a jornada. Gostava de caminhar pelas ruas vazias e com a cidade ainda em silêncio, gostava de sentir o frio, na verdade, era um tipo de pessoa que independente da temperatura e do horário do dia costumava sentir frio; não importava se seu corpo estava extremamente abrigado pelo fino e requintado tecido e se fazia o intenso calor costumeiro dos dias de verão, era comum sentir frio em toda extensão do corpo.

Não se incomodava em estar sozinho em fragmentos do dia, às vezes, parecia estar feliz com o abandono. Todavia, os momentos em que não estava sozinho sempre estava rodeado de pessoas que lhe saudavam, cumprimentavam. As pessoas do convívio cotidiano chegavam a se posicionarem de modo a receber seus regulares acenos e sorrisos cordiais. Era um doce de alma, de uma nobreza sem igual.

Seu comportamento era uma incógnita para as pessoas, não sabiam de onde emanava tanta delicadeza e suavidade. Seu passado era pouco conhecido e quando alguém ousava perguntar algo recebia como resposta:

- Sempre tive uma vida extraordinária!

A resposta, acompanhada de um largo sorriso doce, impedia que o interlocutor prosseguisse com o faro investigativo. E quando insistiam nas perguntas, em saber onde nasceu, onde estudou, como fora a educação doméstica, ouviam:

- Não importa se a vida é árdua ou agradável e sim qual a postura que assumimos diante da experiência vivida.

Tergiversava sempre e o enigma continuava, contudo não era alguém taciturno era falante e extrovertido. Quando andava pelas ruas, a atenção estava nas necessidades alheias, qualquer ação no sentido de ajudar os outros não era medido esforços. Comportamento que se verificava nos trabalhos voluntários; na escola do bairro auxiliando crianças com deficiência em leitura, na distribuição de sopa as quartas e sábados, no trabalho na paróquia, na arrecadação de alimentos da rádio comunitária da cidade...

No Natal daquele ano, a igreja estava lotada, havia tanta gente que a igreja perigava transbordar, o sacerdote que celebrava a missa era o Bispo, e, antes da benção final, o mesmo falou aos fiéis que gostaria de convidar alguém por quem ele nutria grande carinho e admiração para deixar uma mensagem de paz aos presentes. Seria uma manifestação simbólica do valor daquela amizade. Então, o Bispo falou:

- Ananda, por favor, venha até aqui. E quando se aproximou do altar o sacerdote lhe estendeu as mãos, deu-lhe um forte e enérgico abraço e refazendo o pedido para emitir uma mensagem entregou o microfone. Ananda olhou fixo nos olhos do sacerdote e disse o quanto se sentia feliz em receber aquele convite e se voltando para a nave da igreja falou:

- Permitam-me não falar diretamente do Natal e sim de mim, porém sem perder a essência da mensagem a ser dirigida a todos vocês. O Natal era uma das épocas que eu menos gostava. Além de ser um período de muito frio, era a época do ano que eu mais me sentia sozinho. Vocês não devem imaginar o quanto é triste ser sozinho e abandonado, aqui não me refiro apenas ao sentimento e sim as circunstâncias reais, pior, essa situação se agrava se essa solidão e abandono se apresenta a nós durante a infância.

O público presente silencia e petrifica os olhares e atenção, pois muitos ali conheciam a pessoa que ora emitia o testemunho.

- Eu era órfão, entenda esse conceito na esfera mais abissal possível, pois não tinha pais nem qualquer familiar que servisse de referência e socorro. As razões de desconhecer como o isolamento se abateu sobre mim, reside no fato de desde tenra idade ter como lar o mundo e como telhado o grande céu azul. Questionava por que Deus permitia que houvesse órfãos no mundo e somente muitos depois cheguei a uma ideia, que ainda permanece inconclusa, a saber, que os órfãos existiam para fomentar nas pessoas o desejo lhes servirem como pais e mães.

As pessoas assustadas com tal relato não conseguiam imaginar que aquela pessoa próspera, de imagem moral e integridade inquebrantável, pessoa sempre gentil, tivera infância tão difícil.

- Dentro de mim um desejo incondicional gritava para que Deus não permitisse que morresse de frio, fome, vício ou falta de amor. Hoje me convenço que quem estende a mão a uma pessoa abandonada [sozinha, sem esperanças, em depressão...] é agradável aos olhos de Deus, porque compreendeu bem sua missão genuína e pratica a Lei maior; na minha vida esse alguém foi o Bispo Arhata. Todavia não pensem vocês, que o fato de andar por aí irradiando alegria, acolhimento, gentileza é apenas uma retribuição ao abraço que a vida me deu. Na verdade, Arhata me fez enxergar que as pessoas que socorremos na vida podem nos ter sido caras em outra existência espiritual, quiçá não nos sejam em momento mais adiante.

As pessoas começaram a se entreolharem e alguns começavam a estabelecer conversas rápidas entre si, especulando, agora entendo porque nunca falava do passado! Agora entendo porque isso... porque aquela situação... porque, porque, porquês.

- Imaginem vocês se as pessoas que se encontram em posição de necessidade e que nós ajudamos fossem nossos credores em situações passadas ou futuras e pudessem nos fazer lembrar da dívida que possuímos para com eles; estou certo que não haveria caridade no gesto e sim a paga por algo antigo ou adiantado em nosso favor. Partindo da mesma premissa, toda pessoa necessitada deve ser vista como um irmão, um amigo, alguém que tem um direito divino a nossa caridade. Agora, atenção, não me refiro à caridade que fere mais que ferro em brasa, que causa cicatrizes no coração, que queima a mão de quem as recebe, aquelas que certamente recusaríamos não fosse a hospitalidade da mais extrema necessidade da doença e privações que se abatem sobre nossas vidas.

-  A dar com a mão e não com o coração, melhor que fôssemos iguais espinhos ou limão, que jamais negam sua natureza. Não espere que um limão seja doce apenas para te agradar, na mesma toada, não espere que um espinho lhe faça carícias, ele sempre vai lhe oferecer a dor como gesto de acolhimento. A dar com uma mão, enquanto a outra busca compensação ou apontar o gesto de nobreza como quem deseja ser notado, antes não o faça.

- Doação se faz com aquilo que para nós é valioso, caridade é dar não o que sobra, mas aquilo de que necessitamos. E não julguem que a caridade só se faz com bens materiais, existem coisas mais valiosas, uma palavra, um gesto, um sorriso que nos irradia, um instante de atenção, manifestações de que o outro tem valor e importância para nós.

Finalizou com um silêncio que lhe conduzia a época onde dormia nas ruas e comia as sobras que encontrava, a época onde o convite era para desistir, dos pensamentos de abandono. Após o silencio olhou a plateia e disse:

- A vida me expôs a vivê-la e senti-la intensamente, o frio me fez entender o valor do agasalho, a fome me fez entender o fim último dos alimentos, a solidão me proporcionou um encontro e amizade comigo, de modo que jamais me sinto sozinho, e o olhar constante para o céu me fez perceber que nada é para sempre. Por conseguinte, aproveitem os momentos, os instantes, sejam eles bons ou ruins, pois a única certeza é que eles irão passar.

Passou o microfone ao amigo, abraçou-o longamente e desceu do púlpito. Todos continuavam em silêncio, quando o Bispo lhes dirigiu a palavra dizendo que fossem em paz e que Deus vos acompanhassem.


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].