sábado, 25 de janeiro de 2014

MAIS QUE LEMBRAR DO HOMEM, MIREM-SE NOS SEUS ATOS.



O motivo deste texto não são minhas ideias e crenças e sim o louvor a um homem e, mais que isso, ao exemplo de vida deixado. Essencialmente, todos os homens são iguais. No entanto, nem todos vivem de modo semelhante. Sem delongas, venho prestar minha homenagem ao egrégio membro do parlamento municipal de Cedro de São João, Vereador Eronildes Francisco da Rocha, conhecido popularmente pela alcunha de Xéu, falecido na última quinta-feira [22 de janeiro de 2014].

Aqui, não vou me debruçar sobre a vida pessoal, familiar, íntima, pois tenho consciência que não sou a pessoa mais apropriada. Desconheço-o nesse aspecto. Todavia, posso falar do homem público, do parlamentar que foi, ainda que de modo breve. Presenciei algumas sessões na câmara municipal e pude ouvir e avaliar a conduta do nobre vereador. Suas falas eram revestidas de zelo com o erário público, de ardoroso amor pela sua gente e sua cidade. Crítico ferrenho de uma política bolorenta que tem raízes na tradição oligárquica.

Era a figura encarnada de um estilo político que lembra os escritos de um filosofo que admiro bastante, Arhur Schopenhauer, autor do pensamento, a política será uma arte maior, quando os homens viverem PARA a política e não DA política. E o vereador Eronildes foi um político deste calibre. Financeiramente, familiarmente e, por que não dizer, espiritualmente bem resolvido e bem sucedido. Logo, seu ingresso na vida política se deu por um propósito, ser instrumento da mudança política e social na nossa apática e cobiçada cidade.

Crítico dos políticos locais, que discursam num tom e exercem seu cotidiano com coloração distinta. Cobrou zelo nas contas públicas, transparência no uso do bem comum e pensou soluções para os problemas da ordem do dia das pessoas e da cidade para a qual fora eleito parlamentar.

Não vou ser repetitivo, tão pouco vou me alongar, apenas quero registrar duas passagens, as quais presenciei, ocorridas no parlamento de Cedro, que demonstra a atitude e postura do homem em questão. Um deles foi na abertura dos trabalhos legislativos do segundo semestre do ano passando, quando o excelentíssimo senhor prefeito se fez presente à sessão e fora sabatinado pelo vereador Xéu. Diante dos duros questionamentos feito pelo vereador, a claque levada pelo prefeito para aplaudi-lo, de modo cronometral, começou a ladrar à Lua, emitindo vozes injuriosas no sentido de desestabilizar e desacreditar o discurso do vereador. Porém, esse seguiu solitário apontando ausências na gestão e promessas de campanha não cumpridas.

O outro momento foi numa sessão ocorrida no Povoado Poço dos Bois, onde o mesmo cobrava esclarecimentos da Secretaria de Educação e Finanças do município que se faziam presentes. Em seguida, alertou uma colega vereadora, quanto ao fato de ter um ente familiar ocupando um cargo no primeiro escalão do executivo municipal e possuir um bem imóvel alugado à prefeitura, pois poderia sofrer sanções por conta da situação, além de não ser moralmente bem visto. Diante da situação posta, um dos presentes, Arquimedes, conhecido na comunidade como Memeco, bradou: - Você quer ser prefeito Xéu, peça para Claudionor sair! Ânimos se exaltaram, mas foi somente isso.

Além desta disposição para atuar no mandato, o personagem em questão ainda subiu ao ring para lutar contra um adversário cruel, um câncer. Venceu vários round's, mas no último e decisivo fora nocauteado. A derrota não o torna um adversário frágil ou inferior. Basta lembrarmos de uma famosa batalha ocorrida no desfiladeiro das Termópilas na Grécia, onde 300 espartanos liderados por seu rei, Leônidas, lutaram até a morte contra o exército persa infinitamente superior, numericamente, liderado pelo rei Xérxes. Antes de tombar em batalha, Leônidas enviou um mensageiro ao seu povo para contar-lhes dos últimos ocorridos e da iminência da sua morte. E, na ocasião, fez um último pedido ao seu povo, a saber, "lembrem-se de nós". Se os familiares do falecido Xéu me permitem, faria um último pedido em seu nome: - antes de lembrarem do homem e seu nome, lembrem-se dos meus atos. Eis, aqui, onde reside a grandeza hercúlea de um homem. 

Por fim, parafraseando uma passagem de um dos livros de Salomão, há tempo para tudo embaixo dos céus, tempo para plantar e tempo para colher, tempo para nascer e tempo para morrer. Seguindo essa máxima, o tempo de Eronildes chegou. Descanse em paz.



[Homenagem muy humilde de um jovem sonhador, José Ailton Santos]  

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A PRINCESA E O PLEBEU



Dei-me a ti sem reservas.
Entreguei-me a tua voz e vontade
e abri meu mais casto tesouro
                         [meu coração]


Não temi tua grandeza 
e sofri por ter sido displicente.
Ignorei o fato de ser uma escrava
da tua origem e nascimento.


AI DE MIM!
Como dói a certeza desta hora.
Antes ser tragado pela garganta
[em chamas] do Inferno
a viver os dias que me restam.


O dia não acabou, mas o Sol luzente [consternado]
já se recolheu faz tempo.


Sinto a verdade em seus sentimentos
são sinceros
sem mácula
sem má fé
e sinto que me corresponde.


Contudo, um corpo que treme ao frio
não se aquecerá com a vaga ilusão
do calor ardente de uma lareira.
Faz-se necessário a presença física
de um cobertor
            [ainda que em farrapos].


AI DE TI!
Pois, suas escolhas
não são livres como a das pessoas comuns
para que possas decidir
por aquilo que lhe convém.


A segurança e o bem-estar do reino
depende de vossas escolhas.
Como é triste a certeza.
Como é triste ser quem sou.


Custa-me confessar.
Todavia,
doravante, suas palavras
que outrora invadiam meus ouvidos
sem antes [ao menos] se anunciar,
a partir deste instante
somente serão ouvidas e aceitas
à medida que as possam tornar-se reais
do contrário, sofrerei em silêncio,
pois, o gemido que se eleva
atrai, não a cura da dor
e sim a atenção de curiosos 
                          [aves de agouro]


Sou plebeu
ninguém canta louvores a mim
e, se me ponho nu
diante da luz da Lua
a ninguém interessa
apreciar minha beleza.



[José Ailton Santos]

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

APOCALIPSE


Tudo em mim cheira suor e sangue.
E por quê?

Ensinaram-me que colecionar lágrimas
é aceitar os grilhões.
E desde tenra idade
aprendi a fugir dos lobos
e matar os mosquitos.

Meus pés têm três camadas de tecido
e servem para me proteger
dos espinhos e pedras.
Não sou geneticamente modificado.
Mas, há tempos
trago meus pés descalços.

Vi
ouvir
sentir
e atuei
nas cenas mais feias e horríveis da vida.
O inferno de Dante.

Meu silêncio não é complacente
é de dor.

Sobrevivi, por longos anos, de migalhas e sobras.
Contudo, dentre os miseráveis
era o único
que não parava para admirar 
nem agradecer pelo alimento.

Não se tratava de insensibilidade
e sim de sobrevivência.

Comia a tudo:
sem cheirar
sem interrogações
sem orações prévias
...
meu único mandamento era
"Serviu como alimento, coma!"

E assim fui crescendo e tendo músculos fortes.
Afinal de contas, nunca tive alimentos:
amassados
mastigados
triturados
vitaminados.
Nunca! Nunca! Nunca mesmo!

Ninguém abriu portas para mim
nem jamais me cederam o lugar:
na fila
no assento
na vaga [livre]
na oportunidade revelada
...

Aprendi a pescar:
sem varas
sem anzóis
sem iscas...

Pasmem! 
Meus peixes
pescava, seduzindo-os.

Hoje estou aqui
sou um sobrevivente.
Todavia,
a vida nunca me fora fácil.
Tudo que tenho conquistei:
os amigos
as paixões
as amantes
os amores [vividos e sonhados]
...
até os inimigos foram conquistados.
O mérito é todo meu!



[José Ailton Santos]

sábado, 11 de janeiro de 2014

QUÊ DE PAIXÃO


Minha amada é uma espécie de Substantivo.
Ela tem certo quê de mistério
e o meu quê vem amiúde depois do dela.

Nossa relação parece uma Interjeição.
Se chego cedo ela diz: que! Você aqui, já!
Como resposta digo-lhe: Quê! Você ainda assim!

Fico com cara de Preposição e insisto:
Temos que sair mais cedo para garantir assento.
E ela como sempre tem que me agredir. -Vá na frente!

Fico parecendo uma Partícula Expletiva, ou melhor, de Realce.
Quase que não consigo acreditar naquelas palavras.
Mas, ela é que habitualmente diz a palavra final.

E meu coração feito Advérbio consola-me.
Que linda ela fica quando zangada.
E que longe será a ida sem ela. Decido-me por aguardá-la.

Já meu cérebro racional feito Pronome Relativo pensa alto
Este não era o cenário que imaginava encontrar. 
ambiente frio [que] é incapaz de causar emoção.

E meu ego ferido igual Pronome Substantivo Indefinido, bradou para mim:
Que aconteceu com você?
Você precisa de quê? Recomponha-se e converta sua face coloquial em norma culta.
Antes de decidir sair, alonguei meus braços e entreguei-lhe as flores.

Instantaneamente, o ímpeto dela revestido de Pronome Adjetivo Indefinido, exclamou: 
Que flores você escolheu!

Diante do descaso com que recebeu as flores
ruborizei as maças da face e assumir o papel de Adjunto Adnominal.
Que mulher é você? Insensível!

Perdi a razão e fiquei encolerizado igual uma Conjunção.
Arrume-se logo, que o tempo não dorme!
Já falamos tanto, que perdemos a hora.
Sentei-me diante da escrivaninha e me pus a aguardá-la.
Fazia horas que estávamos ali, inabalaveis, discutindo nossa relação
e tendo por árbitro a décima sexta letra do alfabeto latino.




[José Ailton Santos]

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

UM ENCONTRO PARA RECORDAR


Sabe essas coisas que nos acontecem
sem razão aparente
e que uns chamam de acaso,
outros de providência divina
e há quem chame, até de sorte?

Foi assim,
nos conhecemos sem que fôssemos apresentados.
Foi casual
apenas olhares 
                      [recíprocos e cúmplices]
breves, porém ricos de emoção e imaginação

Já num segundo momento e não mais fortuito 
foi a dança que nos aproximou
ou, talvez, fora nossas almas
amigas
amantes
...
andorinhas a voar numa tarde de verão.

Os nossos corpos
alinharam-se à música
[era um tango argentino]
enquanto nossas mãos
paulatina/suave/mente
tocavam de leve o corpo alheio
à medida que suávamos
tocávamos nossas faces
[feito mãos que se unem em oração]
sentíamos nossas respirações 
fortes e desritmadas.

Aconteceu!
Inevitável: como a senilidade e a morte
...um beijo 
e abrimos as portas à intimidade.

Quanto ao final,
não posso contar-lhes
pois ainda não acabou:
a dança
os olhares
os toques
os beijos...

Apenas imaginem.
Duas almas:
irmãs
amigas
amantes
íntimas
cúmplices
...

deitadas num colchão desforrado 
que fora posto 
no chão de uma alcova.
Corpos nus
e mãos à segurar
duas taças de vinho
que, vez por outra, e, por instantes
repousavam na mobília solitária e rústica
... 
e um diálogo leve e flexível
isento de qualquer forma de rigidez.

Afinal, toda rigidez é doentia.

E a nós, ali, uma única certeza:
- pensamos que somos...
- sabemos que somos...

Já, quanto ao amanhã
só há uma convicção,
não faz parte do hoje.

Fora naquele dia e instante
que a conheci,
nem parece que faz tanto tempo
pois, tudo continua:
tão quente
tão colorido
tão indelével.



[José Ailton Santos]


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

FERRO E FOGO



Alguns recebem o brinquedo
embrulhado:
 com papel florido
e laço de seda vermelho.
Esses tem nome e sobrenome.

Eu não! Não tenho nome nem sobrenome
somente uma alcunha
e da qual me orgulho.

E se quero brincar
tenho que fabricar meus próprios brinquedos.
Mas antes, devo dominar o ofício.
É preciso aprender:
o corte certo,
medir com exatidão,
costurar com maestria,
dar pontos e nós...

fazer
(re)fazer
(des)fazer
acender
soprar
e controlar o fogo.

E para ser notável, 
devo:
inventar [um desenho novo]
e criar [uma técnica própria].
E para alcançar o objetivo
necessário se faz,
machucar as mãos
para que se tornem ágeis.

E depois, somente depois
apresentar o produto
criar uma marca 
[cunhada a ferro e fogo].

Ah, perdão! Meu ofício?
PENSAR
e minha matéria-prima?
A PALAVRA.



[José Ailton Santos]