terça-feira, 2 de abril de 2013

GENEALOGIA



Meu nome?
Me chame como quiser!
Sou filho de Mané:
nego home, ignorante que nem a peste
mas um exímio pescador
que, inda por cima é bom na lida
espinho que se preza
não teima com ele:
calumbi
jurema
mal vizinho
juazeiro...

home de sangue quente
que não foge de peleja
ou morre ou mata.

Esse por sua vez é irmão de:
Tonrege, [ou tonho],
zé Carlos
Valtinho
Meu Pinho
Sila
Gusta
Zéza 
e a nega Lú - preta de cria
não era boa pra casar
era boa na cama [de palha seca ou mato deitado] e na lida.
Me ensinara a arte da safadeza.

Esses, por sua vez, filhos de Tico
                      [meu vô, caburé da cara larga]
também atendia como Chico do pó
como era conhecido em Cedro
                                      [Aqui, não me refiro a madeira de lei
                                                            e sim a cidade do santo]
"Cedro de São João”
que já fora Darcilena.
Mas, isso é coisa de muitos anos
nem nascido inda era.
Pois bem,
O véio Tico andou também com seu comboio
                                                            [de burros]
                                                            por outras terras:
Poço dos Bois,
               Telha,
              Amparo,
             Canhoba,
            Aquidabã [antiga Cemitério]
           e inté Propriá.

E nas Alagoas, onde também era pescador:
Porto Real do Colégio
Tibiri [terra de índias e caboclas desavergonhadas]
São Brás...


Meus bisavôs de pai
nem nome sei
o que sei é que o pai, do pai do meu pai
era home valente:
no braço
na faca peixeira
na carabina...
e na luta franca.

E a mãe, do pai do meu pai
minha bisavó de pai
sei apenas que era índia.
Selvagem! Nunca vira gente
fora criada pelos seus como bicho no mato
vivia na caatinga, no mato fechado...
Foi pega no laço
e foi como tudo começou
num sexo selvagem
indecente
imoral
obsceno...
embaixo de um juazeiro
a vista só dos bichos.

Já, os pais da mãe de meu pai
sei deles não
é a parte de sombra das lembranças 
                  [mais é um povo da tez alva, galego da venta e os beiço pocado].

Minha mãe se chama Maria
e seu segundo nome é Carmo
em homenagem a santa.
É descendente direta dos Juremas.

Meu avô de mãe
atendia por João Félix
homem alto e magro
era um típico sertanejo
mas não era de briga não
ao menos, isso soube do meu pai, que inda dizia:
- nem os bichos que comia tinha coragem de matar!
Pegava-os na arapuca.

Minha avó de mãe
atendia pela alcunha de Dona Antônia rezadeira
mulher de média estatura
mas viva, bem diferente do marido.
Era boa por demais com os netos
gostava mesmo era do arroz doce de domingo
dos geladinhos que me dava
e da frutas tiradas no pé
no quintal grandão que perdia de vista.
Era onde costumava brincar
quando aparecia alguém pra rezar
e ela dizia: - vai lá pro quintal menino
senão o olhado passa pra ti.
Perdi a véia pequeno
mas inda lembro com saudade.

Os pais dos pais de minha mãe?
Nunca ouvir contar sobre eles
acho que eram agricultores
talvez, diaristas de algum fazendeiro da região.
Sendo honesto, sei lá! 
Quando souber eu emendo essa história.

Da junção carnal de Mané e Maria [meus pais]
Nasceram:

Zanza*,
essa foi a primeira, nasceu no oiteirinho
numa casa de barro
era moça bunita
das coxas grossa
embuchou antes de casar
quase que mata o Mané de desgosto.
Mas, isso é passado
hoje, vive bem com Bobinho
e é funcionaria pública.

Betão,
o segundo 
           [esse tem história que não cabe nessa história]
era menino home:
brigão
raparigueiro nato
iniciou na safadeza
inda quando era home de calça curta
e teve como professor tio Valter.
Tinha vocação pra ser home de Lampião
e olhe lá se não assumisse o comando do bando.
Herdou vários ofícios de: vô, pai e tio
                                                   [bom de briga, montar cavalo, caçar, pescar, mexer com gado, atirador exímio, criar galos de briga...]
e como ironia do destino é puliça.

Belezal,
ou Magia, ou Júnio, ou ainda “J”.
Negrinho metido
e boçal
mas, como dizia Mané 
bom de enxada que era um pestinha
esse sempre foi dengoso
mirado
reclamador que vixe maria.
Porém, era bom nos estudos
foi o primeiro da casa
a ter faculdade e emprego de gente [hoje todos tem estudo]

Nena,
essa quase o porco come quando inda era criança
era um tipo estranho
e pra completar começou a ouvir vozes.
Sai pra lá!
Inda pensou ser freira
mas no fundo, gostou não.
ainda bem que arrumou um Buneco pra sua vida.

A próxima é Dente
ganhou o nome devido à saliência dos dentes
dentuça igualzinha a Mônica                                                                                                                                                                  mas já se curou da feiura.
Também era chamada de Miyagi San
porque era menina home:
corria
     brigava
           ganhava queda de braço dos meninos
                 e se a briga era com outra mulher
                       batia de mão fechada
                              com o grosso dos dedos na cara.
Sempre fora minha parceira em todas as disputas
na corrida, nos estudos [quem ficaria com o primeiro lugar]
ela foi sem dúvida meu maior adversário
hoje, continua home: na garra, na coragem, determinação...
coitado do Marcelinho Pão e Vinho.

Por último e não menos importante
Pipiu,
a caçula
dengosa
chorosa
de pouco apetite pra comida e pras coisas do mundo também
religiosa
temente a Deus
acho inté que ganha do Papa na fé.
Habilidosa nas letras e no pensar
e, de certo, se não amalucar tem grande futuro.

Vixe!
Inda falta as sementes dos filhos de Mané e Maria.
Mas, essa parte fica proutra ocasião.

Quanto a mim? O que queres saber?
Sou o caçula dos home, isso basta!


* Os nomes em negrito são apelidos caseiros para, respectivamente, Elizângela, Luiz Alberto, José Alberto, Rosângela, [eu ficaria aqui na cronologia], Ângela e Adriana.


[José Ailton Santos]

5 comentários:

  1. Boa síntese... mas nem sempre a interpretação da realidade corresponde a realidade.

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    1. Observação perfeita Magson. E digo mais, quase nunca a realidade é interpretada em sua inteireza. No meu caso, como dizia Gabriel Garcia Marquez, a vida não é a que vivemos, mas a que lembramos e como lembramos para contar. Valeu Magson pela colaboração ao blog, forte abraço, sucesso e equilíbrio.

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    2. ....observo o quando o ser humano é resistente ao elogio!!! .. agora aceitar ou não a interpretação da realidade é algo muito singular,e particular,depende do OLHAR compreende?!!!!...pra se corresponder a realidade teria de ser algo universal e neste caso está sendo muito restrito...a realidade é particular,pra uma observação particular,...só quem está inserido na mesma ,enxerga com propriedade,com leveza de espírito,e desprovido de críticas,pq não se trata de julgamentos ,de futilidade, de preconcepção, e de achismos ou de exercícios de auto-análise...a profundidade da mesma vai além das meras palavras,é algo que não se pode explicar aos normais.!!!Ao autor da mesma ?...O que falar,pra quem falar...não sei se me entende...Bjus mil

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  2. hum.... Quero parabenizar o autor José Ailton pelo maravilhoso texto e os meus parabéns ainda são maiores por ele não ter vergonha da família que tem, ou seja, esse sabe valorizar as raízes, pois sabe o quanto foi importante a contribuição de cada um para que este chegasse a alcançar todos os seus objetivos e ideiais... Parabéns mesmo!!!

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  3. Brincar com as palavras é uma habilidade para poucos e satirizar a própria vida é para os poetas de nascença. Parabéns pela criação!

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