quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

AMOR VISUAL



Nasci em uma época, onde:
somente se ama,
aquilo que se vê 
a olho nu.
É a fachada que diz a casa, não o avesso.
É o tamanho da mesa que diz a fartura.

Logo, beijar
só de olhos abertos,
ainda que seja, somente um,
não é falta de romantismo,
é prudência!

pra não colher espinhos,
invés de rosas,
pra não beijar boca:
suja,
enegre[cida]
[des] dentada
[des] possuída
[des] colorida
des...

As pessoas - diferente dos metais - quem as definem?
São as cores e não os sons.
Afinal, tudo que reluz é ouro.
Portanto, quem desejar amar,
feche os olhos e assuma os riscos.

Riscos [de]:
sujar os lábios,
vê cair a noite,
contrato sem papel...

E, por derradeiro,
habitar
casa escura,
sem portas, 
sem janelas,
sem flores,
sem vida...

Todavia, 
repleta de amor,
beijos 
e olhos fechados.



[José Ailton Santos]


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

PARTIDÁRIOS DE QUEM...




Permita-me insistir em um debate repisado. Ontem ouvir de uma pessoa de reputação inquebrantável, que o Brasil é uma democracia liberal. Encaracolei meus neurônios diante de tal afirmativa. E, caso tivesse oportunidade de lhe perguntar algo, seria, certamente, que fizesse uma melhor explanação do que entende e acredita ser uma democracia liberal. Pois, quero não acreditar que esse troço, que envolve palavras tão antagônicas como Democracia e Liberalismo sejam, sinteticamente, a ação de “cada um vota em quem quiser de acordo com seus princípios e inteligência e sem ter que dar satisfação a ninguém”.  

Honestamente, se pensarmos que num país onde 54 milhões de indivíduos – não posso nem chamar de cidadão – vivem abaixo da linha da pobreza, ou seja, miséria total. E, sem falar que estamos nos referindo a mais de um quarto da população brasileira. Diante desse quadro, será que esses se encontram, verdadeiramente, em condições de discernir qual candidato é melhor para o país, o estado ou o município? Talvez, a pessoa de opinião inquebrantável desconheça o mundo da semiótica, dos discursos, dos anúncios publicitários, da fome, da pobreza, da informação e contra informação e, por fim, o mundo do poder e seus efeitos na hora de escolher o melhor candidato.

Agora, pergunto a você leitor deste blog – será que já ultrapassamos a meia dúzia - o que leva tantos homens [também tem aumentado o número de mulheres] a consumirem cerveja e cigarro, no Brasil e no mundo? Suponho que seja fruto, apenas, de uma decisão pessoal, sem ocorrência de qualquer influencias externas. Será? Convido-o a viajar pelo mundo fascinante da especulação. Vejamos, porque será que existem tantas campanhas publicitárias de cervejas e sempre associadas à imagem da mulher “coisificada” como elemento central? Seria por puro acaso ou será pelo elemento da sedução dos sexos?

Insistindo ainda mais no exemplo, será mesmo que as pessoas consomem cerveja, simplesmente, por força de uma escolha individual? Afinal, “não tem que dar satisfação a ninguém”, então pergunto, por que será que as cervejarias e a indústria do tabaco investem – não se assustem com a palavra, é assim mesmo que os investidores consideram, como um investimento - tanto em publicidade?

Desculpem o uso exaustivo desse exemplo comparativo grosseiro, mas, por hora, foi o que me veio em mente. Pois bem, voltemos à discussão inicial. Toda minha fala nesse diálogo, tal qual um discurso político partidário, está carregado de intensões e significados – não foi à toa que me esforcei tanto na exemplificação -, que, às vezes, ignoramos e sem perceber reproduzimos inconscientemente. Diante desse fato, constatamos que precisamos investigar melhor os fenômenos que envolvem os discursos, principalmente, quando partem de alguém aparentemente confiável. Pois, somente procedendo assim, poderemos extrair ou filtrar as ideias claras e as que se apresentam de forma implícita ou subentendida.

Então, não podemos ser ingênuos ao ponto de achar que certos problemas – na opinião da pessoa de reputação inquebrantável - não são resolvidos, “porque simplesmente não há interesse em resolvê-los”. Ora, interesses é o que não faltam, e são os mais variados possíveis. Agora, o problema, a meu ver, é conciliar esses interesses e de quebra realizar o pretendido. Afinal de contas, tudo, neste Brasil do Carnaval, do Futebol e dos recessos judiciários e parlamentares, depende da correlação das forças em jogo em cada momento histórico. E, quase sempre, o jogo é ganho nos minutos finais da prorrogação e com a “ajuda” custeada do juiz.

Ainda dialogando com a pessoa de opinião inquebrantável, quando este diz, “os governos do PT não têm nenhum compromisso com o país e com a classe trabalhadora”. Percebam que o direcionamento continua no campo da política nacional, logo, continuarei fazendo uso do mundo fascinante da especulação, melhor seria imaginação. Acredito, a partir do meu raciocino limitado, que Lula, Dilma e tantos outros denominados como a nova esquerda brasileira, até tenham interesse em implantar o projeto social defendido durante a campanha política. Todavia, a questão principal é que a realização desse projeto entraria em choque direto, com os interesses econômicas da classe hegemônica - para não usar o termo cansado da burguesia - nacional. E, sem o apoio dessa classe, ainda que condicionado, o governo do PT se tornaria engessado.

ESTAÇÕES



Conheci Diana numa Primavera,
dentre tantas cores era a flor perfeita
aroma de rosas e olhar a espreita.
Naquela manhã feliz, chovera.









No Verão passado, secou a flor
tão frágil! Não resistira ao calor
de tanto desamor.
E as lembranças minhas? Clamor!








Cair por terra aos prantos,
como caem as folhas [seca] no Outono
e, sobre jardins e flores, escrevi contos.








O Inverno chegou,
ressurgi dos prantos.
Diana, feito estações, voltou.

domingo, 16 de dezembro de 2012

O MOVIMENTO SINDICAL E SEU DESENHO ATUAL: do equívoco ao oportunismo.




A chegada de Lula ao governo federal fomentou a seguinte discussão no seio do movimento sindical, especificamente, nas correntes e tendências dos sindicatos cutistas, mas não somente dos sindicatos ligados a CUT. Insira-se no caldeirão a CTB, CONLUTAS/INTERSINDICAL... como produto dessa discussão classista restou uma pergunta, que ficou no ar, como seria desenvolvida a atuação das centrais? Visto que, tratava-se de um governo de esquerda, se não em ideologia e/ou projeto de governo, é inegável que ao menos em origem, dada a trajetória do seu líder maior. Afinal de contas, a história do chefe do executivo que chegava ao poder sempre esteve ligada a classe trabalhadora e as vertentes ideológicas ligadas ao Socialismo.

Superada a fase das indefinições, optou-se por dar sustentação ao governo. Daí, os líderes sindicais entraram numa espécie de estado de indiferença a cerca das questões de impacto sobre a vida da classe trabalhadora. Sem dúvida,  esse foi um período de grande desgaste dos sindicatos com suas bases, pois essas estavam sendo dissuadidas que o momento era delicado e que seria um risco "ir para cima do governo". Afinal, a classe dominante do país estava alerta e à espera de um deslize do governo federal para encabeçar um movimento de destituição do mesmo.

Ledo engano, o tempo mostrou que estes sindicalistas estavam errados a cerca da ideia de atrelar a classe trabalhadora como se esta fosse "correia de transmissão" do governo, quando na verdade, deveriam era usar a força do movimento classista para pressionar este mesmo governo para votar as reformas politicas e sociais urgentes para o Brasil e para a "classe-que-vive-do-trabalho". Daí, enquanto o movimento sindical silenciava e perdia espaço nas mobilizações nacionais, a classe dominante sufocava o governo exigindo o atendimento dos seus interesses imediatos, a saber, elevação dos incentivos fiscais, auxílios financeiros, et cetera. Esse fato obrigou o governo federal a estabelecer alianças políticas para manter a governabilidade, ao passo, em que descaracterizava seu projeto de governo inicialmente traçado, com foco na classe menos favorecida.

A partir dessa correlação de forças  que se estabeleceu, o governo ficou sem o apoio popular necessário para encaminhar e aprovar no Congresso Nacional as reformas, as quais o Brasil necessitava e continua necessitando, urgentemente, para crescer economicamente e tornar-se uma nação socialmente mais justa. Dentre as reformas, cito a política, tributária, sindical e, por que não citar a quase esquecida, a reforma agrária, dentre outras. Enquanto isso, as centrais abandonaram as lutas e deixaram de cobrar da forma devida do governo, fato esse, que nunca deveria ter acontecido, pois gerou um desequilíbrio na correlação de forças em atrito historicamente no país. 

Por conseguinte, houve redução nos gastos públicos e perdas de direitos sociais, compensados com paliativos econômicos - de caráter assistenciais - concedidos pelo governo - que historicamente combateu esta pratica - com fins, exclusivamente, eleitoreiros. Esta manobra do executivo, inclusive, fora interpretada equivocadamente por muitos lideres sindicais como privilégios sociais, numa clara demonstração de erro de condução, ao fazer opção pela sobreposição da política partidária sobre o movimento trabalhista, retirando deste sua autonomia e a força de agente de transformação social. Esta situação para alguns analistas, além de ter adiado, desestabilizou aquilo que seria o início de uma caminhada rumo ao Socialismo ou ao que se poderia chamar de democratização social.

Fato é, que a maioria dos sindicalistas ao optarem em dar sustentação ao governo atrelando os sindicatos e  as centrais aos partidos políticos, proporcionaram retrocessos gratuitos à classe trabalhadora. É preciso deixar claro que a relação entre partidos e entidades de classe deve ocorrer, porém deve haver a independência de ambos e sem atrelamento de um ao outro. E, no segundo governo Lula, quando se esperava uma mudança de postura, o que se viu foi um aprofundamento dos erros do primeiro governo, ou seja, os dirigentes sindicais que foram cooptados, num primeiro momento, para o alto escalão do governo sem a devida reserva, instantaneamente, retirou a possibilidade dos sindicatos prepararem novas lideranças para continuar conduzindo o movimento. Foi um tiro no pé dos trabalhadores.

Dessa forma, relegou o sindicalismo ao amadorismo de pessoas bem intencionadas, porém sem habilidade para dialogar com as bases, com os patrões e com o próprio governo. E, por fim, diante desse quadro, a quem coube a tarefa de "partir para cima do governo"? A tarefa ficou a cargo dos partidos de oposição, alguns nanicos, outros de grande envergadura, contudo sem credibilidade e desgastados e, por último, centrais sindicais sem grande expressão junto a sociedade e a classe trabalhadora. Oposição está, que, possivelmente, só ocorreu por conta da ausência de espaço no alto, médio e baixo escalão do governo para acomodar a todos, logo, sem carinho na cabeça e tapas nos ombros, esses ficaram batendo nos pés do gigante no intento de chamar sua atenção.

Consequentemente, se estabeleceu entre os líderes sindicais, que por sua vez, eram militantes históricos ligados ao partido no poder [ou seria mais acertado partido no governo], uma corrida em direção as tetas do governo, que, diga-se de passagem, abundam regalias. A pergunta que se fiz na ocasião, nas raras oportunidades que tive, e que a faço novamente é a seguinte, como não cair no casuísmo de taxar esses militantes de traidores? Como não tratá-los como pessoas que mancharam suas histórias de lutas, em troca de vestir ternos de grifes e se trancarem nos gabinetes da burocracia, tudo negociado tendo os trabalhadores como moeda? Agora, deixo minha última pergunta, será que o equívoco conduziu o movimento sindical ao oportunismo ou este precede aquele? 

sábado, 15 de dezembro de 2012

[DES]ENCONTRO MAIS-QUE-PERFEITO







Pousara a mão sobre a dele
e trouxera-o ao mundo;
fitara-lhe nos olhos,
espelho sem reflexo


Rolara uma lágrima, duas, três...
o silêncio tomara a ambos
e o rio na fronteira
seguira seu curso

Ausentara-se, e, por um instante
fizera-se estranho novamente,
sua mão regressara desolada

Por fim, fitara-lhe dando adeus,
recuara a cadeira e aquele olhar,
fora sua última gentileza.


[José Ailton Santos]


A QUE SERVEM AS MULHERES.



Minha esposa, certa vez, disse:

- Santo Deus, homem!
"Irmãos, amigos, 
parentes, vizinhos...
estão todos levantando uma boa grana,
trabalhando feito loucos,
aproveitando as oportunidades".

- Porque não usa seu talento
e faz o mesmo?

Não disse nada,
fiquei calado feito Cristo, 
para não magoá-la.
Mas, ainda pensei em dizer-lhe,
alguns instante e abandonei a ideia.

Em silêncio, monologuei
"a velocidade não faz ninguém
bom piloto, a maestria sim".

Sinceramente, não gosto de correr
prefiro caminhar
e, com sorte, parar
ficar sentado à sombra do juazeiro
e apreciar o movimento do vento
e o canto do Bem-ti-vi
e o dançar das borboletas
                    [nunca mais as vi, o que houve?]

Por que as mulheres nunca me entendem?

Decididamente, não gosto de gente
gosto dos amigos ausentes,
meus livros
e um copo d'água da moringa,
não preciso de dinheiro.

Habitualmente, não colho fruta no pé
prefiro as já colhidas
de preferência,

descascadas,
lavadas,
cortadas em bloco
em prato limpo
e servido na boca

por uma mulher cheirosa
de mini saia
e que não me diga nada
definitivamente, nada!


[José Ailton Santos]
                     

A VIDA AOS OLHOS DE UM LOUCO PENSA[DOR] *





Diria os mais ingênuos e socialmente respeitáveis que a vida é uma coisa maravilhosa ou que é um presente de Deus aos homens, ou ainda, como dizia o poeta “ela é uma doce ilusão”. Todavia, desconhecem estes doutores do saber, que a mesma é um conceito muito amplo e que admite diversas definições, inclusive, definições pouco agradáveis. Biologicamente, e de modo enxuto, Darwin diria que ela não passa do lapso entre a concepção e a morte de um organismo.

Mas, aos olhos de um modesto pensador [ou seria pensador modesto], a vida nada mais é do que um ato de covardia.  Explico melhor, quando alguém atenta contra outro pelas costas, não dando ao mesmo, condições de defesa, não denominamos este ato de covardia? Então, de forma semelhante, somos jogados no mundo sem direito de escolha, sem ao menos sermos consultados se queremos a vida, sem ao menos podermos discutir as condições com as quais teremos que viver. Além desses aspectos apontados, há o inconveniente de quando estamos no melhor da festa [olha aqui mais um conceito para a vida] somos despertados pela algidez da foice da morte, isso quando não somos interrompidos antes mesmo de nascer.

A verdade, ou aquilo que entendo como verdade, é que não há espaço para conceitos nem opiniões. Sequer sabemos como e onde tudo começou, ou ainda, de onde viemos? Qual o propósito? Onde estávamos antes do começo e para onde vamos depois do fim? Argumentos há em demasia, teorias são várias, mas não passamos disso, nem um passo além das fantasias socialmente aceitas. Nada sabemos ao certo, salvo os religiosos dogmáticos. 

As certezas tornam-se dúvidas e o mesmo poeta, vez por outra, muda de opinião e diz, “ela é maravilha ou é sofrimento, ela é alegria ou lamento”. Mas, certo só as surpresas, o imprevisível, os bons e ruins momentos. Cansado de seguir as borboletas, o modesto pensador sentou à sombra de uma árvore e ressonou longamente. Despertou com um passarinho azul feito arauto declarando que a vida era uma tarde chuvosa, onde o Sol por mais que desejado, teimava em não aparecer.

O poeta, neste instante, lembrou-se da aula, com a sala vazia, que tivera com Arthur Schopenhauer na Universidade de Berlim, quando este falava sobre o homem e a vida. Falava o professor que a vontade humana inexiste, e, ainda que se tentem atribuir causalidade as ações humanas e a vida, o que existe é um impulso de preservação. Nada na vida reflete a vontade humana, daí viver não passa de sombras de uma volição distante, seria algo comparado as sombras do mito platônico da caverna. 

Se a vontade que julgava ser minha é resultado de uma vontade prévia e alheia, a quem pertence o sentimento adquirido na vivência com outras pessoas? Qual a relação do tempo com esse fenômeno? Qual a razão de tanto esforço humano? Para que acumular riquezas, amores, se no melhor da festa não poderemos beber uma última taça. Decididamente, não quero a vida e sim a morte, contudo, antes de morrer pedirei a Soren Kierkegaard explicações sobre a morte.

Certamente, a esta altura, o poeta está bêbedo, o louco pensador curou-se da loucura e o leitor abandonou o texto, pois se não sabemos o que vem a ser a vida, quiçá a morte. Respondo, a vida pode ser uma infinidade de cousas como ficou claro nos diferentes conceitos. Mas, e a morte? A resposta vem em seguida, a morte é um punhal e, como tal, só fere e sangra a carne, mas é incapaz de penetrar na alma humana.


* Este texto é uma adaptação das ideias expostas a mim por meu muy amado primo, Ângelo Aragão.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

PALAVRA, PÃO QUE NÃO ALIMENTA


Não escrevo para burguês
nem para intelectual classe média
Tão pouco para os donos do capital,
nem pensar!
Meus escritos não geram proventos.
Aliás, esses não suportariam meus escritos
Seus estômagos são sensíveis demais.
Escrevo sim,
para o pobre,
o desabrigado,
o infeliz esfomeado,
e, em último caso, para mim.
Esses sim têm estômagos fortes,
resistentes, adaptados a penúria
Encarnam um tipo de Darwinismo da sarjeta
convivem com a fome,
Teimam com a miséria
e riem da morte que os temem.
Deus não suporta suas criticas
sobre o mundo e os homens,
Ou melhor,
sobre os homens no mundo.
Sobre a imperfeição da obra divina.
Somos todos canibais!
Confesso, particularmente
não pretendo alimentá-los.
Minha palavra é requentada.
Minha real intenção
é deixa-los ainda mais famintos.
Para quem sabe,
vê-los devorar uns aos outros e a si mesmo
Ou àquilo que não vêm,
por hábito, como alimento
Ou àquilo
que vêm como seu único bem,
a vida!
Meus escritos é minha obra de caridade
Mas, não a faço por amor
ou humildade.
Afinal, Não sou hipócrita
nem tenho encargo de consciência
Faço-a por fúria e revolta
E para saciar meus demônios.
Pois que, nesse mundo de pão e fome
não há generosidade
O que há
são palavras agrupadas
Feitas de farinha de trigo, fermento e água
À luz do Sol e numa sombra privada.


O LABIRINTO

_ Por que choras homem?
_ Porque quero sair do labirinto 
e não encontro a saída.
_ Mas, fora do labirinto não há vida.
E se não há vida lá fora
por que deseja sair?
_ Porque no labirinto
há vários caminhos que não levam 
a lugar nenhum
e quero encontrar
um, um só apenas,
que me conduza a saída.
_ Não entendo,definitivamente,
não entendo!
A beleza do labirinto
é justamente esta
perceber os caminhos que levam a lugar nenhum.
_ Não chores homem!
Pois, a vida lá fora
é o pior dos labirintos.
Lá fora não há caminhos 
nem saídas.
Somente um abismo infinito.
_ Como pode ter tanta certeza
naquilo que diz?
_ Ouça! Muitos lançaram-se no abismo
e nenhum, nenhum, nenhum
até este momento
jamais retornou para dizer o contrário.

STF: HUMANO, DEMASIADAMENTE HUMANO!*



Recentemente, foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal [STF] a Ação Penal 470, midiaticamente conhecido como Julgamento do Mensalão, que gerou opiniões as mais distintas possíveis e monopolizou o debate nos espaços públicos e privados por vários meses, deixando de lado, acontecimentos importantes e de extrema relevância para a população nacional, como o debate político nas eleições ocorridas neste ano e a paralisação quase completa dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, até mesmo a conquista do Campeonato Brasileiro, de forma antecipada, pelo Fluminense foi apagada pela importância quase divina do Julgamento no STF, sem olvidar que futebol é paixão nacional.

Grupos políticos - divididos em uma infinidade de siglas partidárias -, setores econômicos e financeiros, diferentes segmentos sociais, intelectuais, jornalísticas, uma infinidade de formadores de opinião, todos cuidaram logo de se posicionarem e emitirem pareceres sobre o tema [raros os que são conhecedores da ciência jurídica]. Uns assumindo uma postura de defesa em relação à acusação que pesava sobre os réus e alegando que os ministros julgavam sob influências externas as paredes do tribunal, possivelmente, cedendo ao apelo popular, que por sua vez, estava a endossar o discurso urdido pela grande mídia nacional elitizada. Aqui, abro um parêntese, mídias estas que são concessões ad eternum a grupos econômicos e a senadores e deputados nos diferentes estados do país.

Por outro lado, outros apontavam as acusações contra os réus como merecidas, atribuindo aos mesmos o adjetivo pejorativo de corruptos e destruidores da democracia e da ética nacional. No mesmo ruído, deram aos ministros um status de heróis nacionais, ou mesmo, de restauradores da ética na política. Na verdade, independente do lado em que se posicionaram, contra ou a favor, a intenção era a mesma, isto é, todos queriam tirar proveito de alguma forma das opiniões expostas. É o velho jogo político, onde interesses públicos e privados se misturam, sendo que estes últimos sempre acabam prevalendo. No entanto, um número ínfimo, pouquíssimo, refletiram sobre a forma e os critérios que resultaram na sentença dos réus. Por hora, não estou a me manifestar se fui contra ou a favor, não é essa a direção que pretendo dar a este texto. 

Aliás, penso que este seja o aspecto de menor relevância no que tange a Ação Penal 470. Também não pretendo analisar os tramites do processo, pois todo julgamento, a rigor, deve seguir alguns procedimentos contidos no ordenamento jurídico, dentre eles, o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa. Afinal de contas, caso isso seja ignorado, o julgamento será considerado de exceção, fato que para uma sociedade dita democrática é uma coisa impensável, uma afronta aos direitos humanos e [a uma palavra cada vez mais popular] a República.

Vejamos, suponho ser do conhecimento do cidadão medianamente esclarecido que é inegável a pressão existente sobre o STF. Porém, histórico e culturalmente, essa forma de pressão é mascarada por relações afetivas presentes no sistema judiciário entre ministros e advogados, bem como entre aqueles e alguns políticos. Situação que tem contribuindo com o descredito do poder judiciário perante uma parcela expressiva da sociedade brasileira.


E, diante dessa situação, alguns podem se perguntar se o julgamento da Ação Penal 470 julgou as práticas atribuídas aos réus ou alguns membros de partidos, a saber, políticos ligados ao Partido dos Trabalhadores [PT]? De pronto, aproveito a ocasião para lançar uma indagação, será que o STF julgará com tamanho vigor a ADIN [Ação Direta de Inconstitucionalidade] impetrada pela OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] nacional que visa por fim ao financiamento de campanhas políticas por empresas privadas? Uma das fontes geradoras da corrupção na política brasileira.


Guardem no oxigênio estas e outras indagações, pois, doravante, vou me ater a refletir sobre o caráter, o papel e a importância dessa corte excelsa na sociedade brasileira ou em qualquer sociedade que se intitule democrática. Afinal de contas, não obstante sua importância, enquanto instituição zeladora dos princípios constitucionais pétreos e dos alicerces do sistema democrático, ao menos no aspecto jurídico, não se pode atribuir à mesma um aspecto supra-humano. Caso isso ocorra, imaginem os riscos de tê-la em tão elevada conta? Seria catastrófico.

Vou isolar para análise dois personagens centrais no chamado julgamento do mensalão. Um, o ministro relator Joaquim Barbosa, e o outro, o ministro revisor Ricardo Lewandovski. O primeiro, talvez, seja o grande personagem dessa trama, visto que, protagonizou cenas de embates fortíssimos, às vezes, adotando posturas de total deselegância para com os pares, acusando-os inclusive de não jugarem da forma devida. O que representa uma afronta, além de soar como intimidação.  Barbosa condenou a quase totalidade dos réus e adotou como tese [que, por fim, fora questionada pelo próprio autor da teoria] o “domínio do fato”, onde segundo esta teoria, grosso modo, não precisaria haver provas para que um réu pudesse ser condenado.

Particularmente, não vou tecer maiores comentários sobre o que venha a ser a tal teoria para não incorrer no risco de criar uma terceira ou quarta interpretação, deixo a tarefa para os mais hábeis. Todavia, o ministro corajosamente condenou os réus, mesmo havendo margem na jurisprudência nacional para considerar os mesmos inocentes. A tarefa de inocentar parte dos réus ficou a cargo do ministro Lewandovski, que usou como tese a ausência de provas claras e objetivas contra os acusados. Ainda segundo esse, acreditasse   haver fortes indícios que os réus são culpados [ele particularmente assumiu em público que suspeitava da participação dos réus na trama ilícita], mas que não existe na legislação vigente leis que garantam a condenação dos acusados.

A quais conclusões se podem chegar? Será que houve uma condenação amparada em um sentimento personalíssimo, soando como uma possível retribuição aos clamores sociais? Será que se repetiu o julgamento de Fernando Collor de Melo, onde este, mesmo tendo sido inocentado no STF ainda assim foi deposto, por força do movimento dos “caras pintadas”? Será que a justiça prevaleceu ou equívocos foram cometidos?

Uma coisa tenha como certa, o caráter do Supremo Tribunal Federal deve ser pautado em ações impessoais, que julguem os fatos e não pessoas nem cedam a apelos externos, independe de onde partam. Pois, essa instituição é de vital importância para o amadurecimento, fortalecimento e solidez da sociedade brasileira e sua fragilidade só interessa a setores particulares, que na disputa de forças sociais, caso não haja um terceiro para arbitrar o conflito, serão os grandes vencedores. Por conseguinte, o papel do STF é deliberar sobre questões constitucionais e não sobre situações políticas, essas cabem ao Congresso Nacional, se este zelo não existir corre-se o risco de haver uma judicialização da política, como muitos já apontam, o que seria comprometedor a independência e harmônia do poderes.

Por fim, como li certa vez, nas palavras de um criminalista e ex-ministro do STF, Evandro Lins e Silva, o direito quase sempre – ou sempre - representa os reflexos de um povo. Daí, se este mesmo povo se apresenta maduro o direito segue pelo mesmo caminho, contudo se o povo se desobriga de participar e se mostra hesitante ou apático, o direito refletirá esse mesmo estado. As decisões emitidas pelos tribunais buscam sempre equilibrar o que está previsto nas leis e o sentimento médio da população. Afinal, não devemos esquecer que os operadores do direito são humanos, demasiadamente humanos. 


* O título foi inspirado na obra do filósofo alemão Friederic Nietzsche.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

SUPLÍCIO


Porque não inventam outra forma de se comunicar?
Sem palavras, sem sinais, sem olhares, sem...
Criem algo novo, inédito, que seja diferente de tudo.
Porque não ficamos em silêncio, de agora pra sempre?
Ainda não entendi por que fazer um mundo tão grande,
quero viver em um mundo menor,
onde possa ir do Brasil ao Japão
com a mesma velocidade que vou à padaria.
A vida é definitivamente muito chata!
Porque? Não me venham com perguntas banais
não tenho respostas, não sei! Apenas vejo e sinto assim.
Também não acredito no amor
e acho os homens dengosos e pueris,
ademais, vivem inventando,
inventaram Deus,
inventaram até a felicidade, vê se pode!
Puta merda! Parem de besteria!
Não suporto mais essa inalterabilidade.
De hoje em diante vou me trancar
de fora pra dentro e depois ao avesso.
Fecharei o cadeado e engolirei a chave.
Farei apenas um último pedido,
não falem comigo,não me desejem saúde,
não me arranjem casamentos,
não quero paz, sucesso ou qualquer coisa desse tipo.
Não falem comigo! Quero ficar em silêncio!
Quero ficar no escuro e sozinho.
Vou por fogo na minha casa
e vou mudar para o Iraque,
ao menos lá tem bombas e mísseis.
Afinal, a vida é uma invenção velha,
não vale nada, nada, nada!


[José Ailton Santos]



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PLÁGIO OU SINAL DOS TEMPOS?




Acredito que o plágio não é algo recente, tão pouco me arriscaria apontar, quando exatamente essa prática humana iniciou. Talvez, tenha surgido a partir do momento em que duas pessoas fizeram opções distintas. A primeira se propôs a pensar a roda, enquanto a outra, ao perceber que a invenção alheia proporcionava ao seu criador algum benefício, resolveu imitá-lo. Partindo desse raciocínio e tomando-o como irrefragável, podemos concluir que o mundo atual é o produto de séculos afins da prática do plágio ou será que foi o advento da internet que causa o crescimento desse monstro artificial.

Digressões à parte, vou retomar a seriedade que poucas vezes mantenho por mais que duas linhas e estabelecer algumas reflexões sobre se a internet estimulou ou não o plágio. Não há que se negar, que a facilidade com a qual temos acesso a todo e qualquer material, invento e conhecimento, na rede mundial de computadores, tenha contribuído para um aumento considerado do assenhoreamento total ou parcial de invento e/ou criação.

Entendo também que esta prática reflete o encontro entre dois mundos diferentes. Até bem pouco tempo o mundo virtual era privilégio de poucos – países e pessoas – e essa condição dificultava o crescimento dos pseudoautores. Todavia, com a popularização, ou seja, o acesso cada vez mais fácil pelas camadas populares da sociedade a internet, houve um choque entre dois mundos, e o resultado é uma sociedade que não sabe como extirpar ou mesmo atenuar a prática do plágio na rede, com isso não quero dizer que o plágio esteja associado ao crescente acesso por parte desse público mais carente financeiramente falando. Acrescente-se a isso, a ausência de uma legislação especifica para punir os praticantes desse delito.

Uma coisa é certa, a internet é parte inerente deste mundo constituído como produto da fusão entre o passado recente e o presente. Por conseguinte, é preciso criar mecanismos que impeçam a elevação de futuras ocorrências e estabelecer legislações que acompanhem o caminhar das mudanças sociais, além de atribuir responsabilidades a todos os envolvidos, sejam indivíduos, instituições ou seres despersonalizados, a exemplo, de alguns sites.

Vale também ressaltar, que o aspecto universal da internet tem gerando nos internautas, ou na maioria deles, um sentimento de que tudo que se encontra na rede mundial de computadores é de uso livre e irrestrito. E, que, portanto, não se pode atribuir caráter pessoal as criações ali disponíveis. Todavia, esse ponto de vista esbarra no conhecido direito autoral, que protege o trabalho intelectual, que vincula o nome do criador ou criadores ao trabalho por estes desenvolvidos, inclusive, muitas vezes inédito.

É comum encontrarmos na rede uma diversidade de produtos, mercadorias e serviços, além de pessoas interessadas no uso e/ou aquisição dos mesmos. Daí, algumas pessoas fazerem uso da criação alheia como se autor fosse para tirar proveito, financeiro em alguns casos, dessa situação. O grande problema para combater tal prática é o crescente uso da internet pelas pessoas em todo o mundo e a constante evolução da mesma, que a todo instante disponibiliza ferramentas que facilitam a captura e modificação do invento/criação do autor, em detrimento da ausência de uma legislação global para inibir o plágio, conforme já citado, além das legislações nacionais, que em muitos casos, não acompanham essa evolução.

Em alguns casos, minoria, as pessoas acabam usando displicentemente, por exemplo, um texto de determinado autor sem a devida reserva de apontar a autoria e o endereço de origem, ferindo dessa forma, o direito de propriedade, o direito desse mesmo autor de impor restrições ao bem que está sob sua posse. Pois, muitas das vezes, não entendem que o mesmo valor atribuído a um bem material, ou seja, concreto, na nossa convivência social é o mesmo atribuindo as produções disponíveis no ambiente virtual.

Por conseguinte, os cidadãos e as nações em todo o globo devem adotar uma postura mais vigorosa para combater essa relativização no tocante a defesa do direito do autor. Criando, dessa maneira, mecanismos e garantias que assegurem a propriedade dos autores de seus inventos, ao passo que, se conscientizem as pessoas, desde tenra idade, que usem a totalidade do conteúdo disponível na internet, desde que compreendam uma equação simples, não se devem criar novas publicações a partir de modificações que ferem o direito autoral, tão pouco descaracterizar ou fazer melhoramentos conforme entender melhor.

Por fim, penso que o xis da questão não esta na internet – se está facilitou o plágio – e sim, no comportamento dos indivíduos, nos valores e princípios com os quais convivem e que aprenderam na vida em sociedade. É preciso criar condições para despertar nas pessoas a consciência dos danos causados com a violação da autoria. Pois, o sujeito que ver seu invento, ideia ou obra atribuída a terceiro, sem que este seja de fato o autor, além de prejuízos materiais, sente-se impotente, desestimulado, frustrado e, possivelmente, inclinado a fazer o mesmo.

Nesta situação, entendo como essencial o papel cabível aos educadores - professores, pais, lideres comunitários, lideres religiosos, a comunidade... -, em todas as esferas de poder e níveis escolares, pois os valores e princípios éticos ensinados no processo de ensino/aprendizagem serão como bússolas a apontar o caminho do comportamento a ser adotado pelos futuros profissionais, inventores, intelectuais, et cetera.

Deixo como olhar pessoal uma sugestão aos professores, grupo no qual me incluo, que ao lidarem com os alunos, no tocante as indicações dos trabalhos a serem realizados, ao invés de solicitarem textos elaborados pelos próprios alunos sobre determinados temas – situação que poderia levá-los a buscarem textos prontos na internet - possam solicitar deles, textos que retratem a opinião de diferentes autores sobre temas comuns e que estes mesmos alunos registrem ao final, quais as fontes consultadas. E, em se tratando de pesquisa feita na rede, o endereço eletrônico do site consultado, data e horário da pesquisa. Acredito que adotando essa postura, poderemos estar contribuindo para que a prática do plágio seja cada vez mais rara no nosso cotidiano e seus efeitos minimizados. 



domingo, 25 de novembro de 2012

DESTINO


Somos títeres de um gigante
desumano e cruel chamado destino.

Os jovens falam das paixões,
os homens da família e do trabalho
e os velhos? Da vida...
que se esvai.

Nada é mais antigo,
mais poderoso,
inexorável.

O instinto, 
a essência,
nossa espécie.

Rebanho que somos.


[José Ailton Santos]

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: UM CASO DE DESUMANIZAÇÃO DO ATO DE PUNIR




Mesmo sem perder o otimismo [para não usar esperança], cada dia mais estou convencido que a democracia, em significado amplo da palavra, caminha de forma muito lenta em nosso país. E, em alguns casos, diria que esse caminhar lento, muito lento, comporta até mesmo certo retrocesso, ou seja, um passo à frente e dois para trás. Regra geral, a sensação é a de que nunca chegaremos a lugar nenhum.

Todos os dias assisto nos noticiários [salvo nos da Rede Globo, menos por razões pessoais do que pelo cansaço do modelo jornalístico; prefiro e recomendo o jornal da TV Cultura] cenas que impressionam pela ausência de cidadania. E, de pronto, recordo do livro do sociólogo brasileiro Gilberto Dimenstein, O cidadão de papel. Não lembro quando fiz essa leitura, penso que foi no ano de 2005, e como não disponho do mesmo para consulta detalhada, farei uma menção breve da proposta do livro, que possui como intento mostrar que milhões de brasileiros possuem uma cidadania de papel, isto é, só existem de fato e de direito no papel, pois a realidade se resume a casos graves de desrespeitos aos direitos humanos: violência, analfabetismo, mortalidade infantil, desnutrição, desemprego, concentração de renda, falta de habitação e de saneamento básico, discriminação, desassistência na saúde pública... e a lista não tem fim.



Um dos exemplos gritantes de desrespeito aos direitos humanos no Brasil é o sistema responsável pela aplicação do castigo e da recuperação dos apenados, a saber, os presídios brasileiros. Certamente, os leitores deste texto [suponho ser um número ínfimo] já leram ou ouviram falar do livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault, e se ainda não leu nem ouviu falar, fica a dica de leitura. No início do livro, Foucault descreve com riqueza de detalhes uma das formas de punição comum em tempos remotos, onde o condenado tinha cada um dos seus membros [braços e pernas] amarrados a um cavalo e esses eram estimulados a esticar a corda de forma lenta e gradual, até o esquartejamento completo, em um espetáculo público de dor física extrema. Essa prática era usada como forma de impedir e desestimular nas pessoas a prática de novas infrações, porém o grande problema era que novos casos continuaram ocorrendo, apesar da bárbara condenação a qual eram submetidos.



Retrocedendo ainda mais no tempo, vamos perceber que na história do direito penal a pena estava associada a uma ação vingativa, ou seja, de retribuição. Daí se concluir que a pena não passava de uma vingança privada. Todavia, com os passar do tempo foi atribuído ao Estado o direito de aplicar e executar as penas, retirando das pessoas a possibilidade dessas exterminarem famílias inteiras como forma de compensar um crime. E o caráter antes individual tornou-se coletivo, com a condenação executada pelo Estado.

Entre os séculos XVIII e XIX alguns juristas italianos, que influenciaram fortemente nossa legislação atual, travaram uma discussão sobre quem deveria ser punido se o sujeito ou o delito. Entre esses pensadores destaco Ferri e Beccaria. O primeiro defendia que não se deveria punir o crime e sim o homem, ou melhor, punia-se o indivíduo que representasse um perigo para os demais indivíduos e não a infração. Inclusive, foi o próprio Ferri que em fins do século XIX defendeu que ao invés de punir os sujeitos nas prisões se aplicassem aos delinquentes substitutivos penais, essa era a expressão usada por ele na época. Já o segundo, Cesare Beccaria, talvez, seja o pensador que mais influenciou os operadores do direito penal moderno, pois este ao publicar, em 1764, seu livro Dos delitos e das Penas defendeu penas fixas, necessárias e que fossem proporcionais aos delitos praticados. Esse autor também considerava uma imoralidade, ilegitimidade e uma atrocidade de grande proporção a aplicação da pena capital, a pena de morte, pois considerava-a inútil e desnecessária a qualquer tipo de sociedade. Perceba que a discussão a cerca do tema não é tão recente como pensam alguns, então fica aí o recado aos defensores da pena de morte no Brasil.



Atualmente, em nosso pais, o modelo punitivo se resume no enjaulamento dos infratores em grandes construções denominadas de casas de detenção e custódia e que requer uma soma vultosa de recursos financeiros para manter toda essa estrutura funcionando, ainda que da forma caótica como está. A população carcerária brasileira é a quarta maior do mundo [perde para EUA, China e Rússia] e totaliza um número de aproximadamente 500. 000 [meio milhão, quase a população de Aracaju, capital de Sergipe, enjaulada] e um déficit de vagas de quase 200.000 [duzentos mil, um quinto de milhão] é muita mão-de-obra improdutiva, dali poderiam sair excelentes professores, advogados, médicos, engenheiros, jornalistas, grandes cientistas, dentre tantos outros profissionais. No entanto, encontram-se sem poder exercer seus talentos, desperdício de recursos humanos e financeiros que poderiam ser melhor empregado.

Todos os estudos e esforços no mundo – ao menos na parte mais humana e civilizada dele – é pelo fim das prisões ou para encontrar um substitutivo que altere o formato atual de enclausuramento dos presos. Penso e acredito [com base no conhecimento que acumulo sobre o assunto até o momento], que a pena alternativa a substituir o modelo vigente deve fundamentalmente ter como amparo legal o ressarcimento: seja indenização, reparação ou compensação do dano, ocasionado pelo crime ou criminoso. Talvez, esse seja o aspecto mais importante e sobre o qual se debruça o direito penal contemporâneo.

Penso que toda proposta que se afaste da questão anterior é pura falácia e, quase sempre, com fins politico-eleitoreiro, como é o caso dos defensores da pena de morte no nosso país, que buscam apenas agradar uma fatia da sociedade que ainda não conseguiu se livrar totalmente dos resquícios do sentimento de vingança.



Mas, há também aqueles que defendem a ideia que a crescente criminalidade no Brasil é fruto da impunidade, aliás, essa é uma verdade cada dia mais aceita socialmente, chega a soar quase como um dogma, inquestionável. Porém, acredito que o aumento da criminalidade independente de onde ocorra, em Cedro de São João, em São Paulo ou no Rio de Janeiro, a razão é sempre a mesma. Resulta da miséria social em suas várias faces, pois não podemos associar o crime motivado por razões individuais, quase sempre ligadas a desequilíbrios psíquicos, com os imperativos sociais excludentes, que limita a participação e a própria sobrevivência das pessoas em sociedade.



Convido os leitores desse blog [os quais suponho ser um número ínfimo] a pensarem comigo, será que um pai desejaria que seu filho vivesse nas ruas sem o mínimo de conforto? Será que alguém optaria de livre escolha, viver embaixo de pontes e viadutos? Será que alguém que goza das suas faculdades mentais em perfeito equilíbrio trocaria uma refeição caseira por uma adquirida a partir das sobras encontradas em lixos residências? Suponho que você não morreria de fome sabendo que na casa do vizinho há o suficiente para alimentar a família dele, sua fome e a de tantos outros. Certamente, entraria na residência alheia e, se encontrasse resistência, roubaria e/ou mataria para não morrer de fome. Aí reside uma das raízes da árvore da criminalidade.

Por conseguinte, por que não se tentar evitar atenuar a prática de delitos através de um esforço de melhoria das condições básicas de vida do povo. Condições essas, aliás, asseguradas pela carta constitucional brasileira de 1988. Se todos tivessem [não me refiro a vaidades e luxos, mas ao básico] moradia, trabalho, alimentação, educação, transporte público, acesso ao tratamento de doenças, previdência, entre outros. Falo de condições mínimas para que a pessoa leve uma vida digna e deixe de ser o cidadão de papel da obra de Dimenstein mencionado no início do texto.



Estou certo que a partir do momento em que as pessoas tiverem condições razoáveis de vida a criminalidade, sem dúvida, diminuirá. Aqui, não defendo o fim do crime, afinal de contas, crimes ocorrem em todo o mundo, até mesmo nos países mais desenvolvidos, onde as condições de vida são superiores as condições mínimas propostas anteriormente.  Agora, é óbvio que as ocorrências nesses países não chegam nem perto da situação vivida atualmente em nosso país, que se encontra numa total desorganização.

  
Como imaginar um país onde a distribuição de renda é tão injusta e não há, em curto prazo, como corrigi-la, onde pessoas moram em mansões astronômicas, são detentoras de grandes fortunas e, ao lado, quase vizinhos, vivem mais de 50 milhões [um quarto da população nacional] de miseráveis [pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza]. O que esperar de uma nação onde há miséria, fome e ausência de renda, que somados representam combustível suficiente para fazer aumentar a criminalidade. Mas essa equação já é do conhecimento de muitos, não trago nenhuma novidade. Apenas não acredito que a solução esteja na aplicação de penas mais duras, na reforma do código penal ou na ampliação de presídios para enjaular os delinquentes esfomeados e os cidadãos de papel.



Recentemente, um sociólogo entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, declarou que o governo gasta R$ 1.800,00 [um mil e oitocentos reais, quase três salários mínimos] mensais para manter um detento, média nacional. Contudo, esse valor é referente aos presos comuns, pois os considerados perigosos custam em média R$ 6.800,00 [seis mil e oitocentos reais, o equivalente a dez salários mínimos e meio] e ainda há um número de presos considerados de alta periculosidade e complexidade, a exemplo de Luiz Fernando da Costa, Fernandinho Beira Mar, líder da organização criminosa Comando Vermelho, e Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido pela alcunha de Marcola, chefe da organização criminosa PCC [Primeiro Comando da Capital]. Esses somam um número próximo de mil em todo o país e custam para a nação uma quantia difícil de calcular, pois envolvem gastos com aeronaves para deslocar esses de um presídio ao outro para as audiências, vários agentes federais para garantir a integridade e que não sejam alvo de tentativas organizadas de fuga.

Então, vejamos, se fizermos uma conta rápida vamos notar que um pai e dois filho que se encontrem presos representam uma despesa da ordem de R$ 5.400,00 [cinco mil e quatrocentos reais, o equivalente a mais de oito salários mínimos] para o governo federal. Enquanto isso, um cidadão comum recebe como remuneração trabalhando 08 horas por dia e 30 dias por mês o equivalente a R$ 645, 00 [seiscentos e quarenta e cinco reais]. Qual a lógica dessa fórmula, onde se remunera melhor aqueles que cometem delitos em detrimento do indivíduo pacato. Pergunto, até quando vamos reproduzir esse modelo falido? Com a palavra o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que há poucos dias declarou em entrevista que se tivesse que cumprir pena em um presídio brasileiro, preferia morrer. Sem comentários!



Se imagine dormindo com a cabeça encostada em um vazo sanitário onde mais de cinquenta pessoas usaram ao longo do dia e não recebeu nenhuma higienização? Se imagine tendo que se revezar para dormir no chão sem colchão ou cobertor? Acrescente a isso as noites frias do inverno ou as noites escaldantes de um verão intenso? Se imagine tendo que fazer suas necessidades fisiológicas à vista desses mais de cinquenta homens? Se imagine sendo agredido por muitos em uma cela? Se imagine sendo esfaqueado numa cela por motivo de rixa entre gangues sem você ter nada a ver com a querela? Se imagine... chega! Chega! Agora, se imagine solto, caso sobreviva, como superar os sofrimentos físicos e psíquicos e ainda manter vivo o patriotismo?



A solução para resolver a crescente criminalidade no Brasil e a tragédia humana encarnada no sistema prisional do país não passa unicamente pela contratação de mais policiais, pelo investimento em tecnologia para o setor, tão pouco, pela implantação de uma legislação mais rigorosa. Não que esse tipo de investimento seja desnecessário, mas pelo fato das razões geradoras exigirem outras medidas governamentais, que inclusive, foram apontadas no corpo do texto. Manter uma população de quase um milhão de pessoas, excluída dos benefícios proporcionados pela vida em sociedade, afastados da participação social e impedidos de trabalharem para o crescimento do país, é antes de tudo um desperdício de capital humano e financeiro. E caso continue dessa forma por mais tempo, nunca haverá, conforme mencionado no primeiro paragrafo, uma democracia, no sentido e significado que a palavra representa, com tantos impedidos de participarem.