sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

ALMA ENLUTADA


Dói não me ver onde antes me via.
Nos olhos diante de mim
não havia silêncios como hoje,
só risos, conversas, divergências [um cigarro aceso e a fumaça a bailar]

Conviver com o silêncio
tragar o cigarro sozinho
eis a maior dificuldade.
Ausência do reflexo nos olhos alheios.

a presença d'antes,
física,
agora,
simbólica [vazio e dor]

o outro não é mais lugar comum
é oásis, paisagem imaginária
o lugar à mesa está vazio
não ouço mais o tilintar da taça a brindar.

O estalar da cerveja aberta
o barulho do copo que se enche 
o olhar lento e o semblante calmo
o copo que se ergue ao encontro da boca.  

a sacada do bar
onde o braço repousava
é membro amputado 
o calor deu lugar ao frio

- Deves superar!
- Tem que seguir viagem!
- Dói, mas vai superar!
Grito - internamente - bobagem!

- Conte comigo!
- Estou aqui!
- Não está só!
Sinto-me acolhido no silêncio que se faz presente.

[Re]significo
Sófocles, Ésquilo, Eurípides*...
já narraram minha dor.
Trata-se de lei inexorável da natureza.

Da água lodosa
brota a flor de lótus
construo templos
e ponho nele meus deuses.

Eis o canto lírico do luto
[combinação métrica e musical de grande rigor]
Me arremesso nas profundezas
da tristeza.


* nomes dos maiores autores das tragédias gregas fundamentais para nossa civilização.


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

terça-feira, 27 de novembro de 2018

O PEQUENO PRÍNCIPE OU A ESSÊNCIA DA VIDA

Quando se caminha sempre em frente
não se vai muito longe.
As crianças bem sabem disso,
assim como sabem, 
que devem tolerar as pessoas grandes,
pois as pessoas grades, 
como dizia, o pequeno príncipe,
de Saint-Exupéry*


- Ah! Os adultos! 
São tão sérios, 
tão sérios, 
que só dão atenção a números.

Os adultos são incapazes de ver
em um simples chapéu-panamá**
um elefante dentro da barriga de uma jiboia.

As crianças, semelhante as flores,
não julgam pelas palavras
e sim pelas atitudes.

As flores? 
Não basta dizer que são lindas
é preciso regá-las

As crianças?
Não basta dar-lhes o mundo
é preciso sentar no chão e pintá-lo

com:

giz de cera do material escolar
carvão de uma fogueira que se apagou
tinta que sobrou da pintura da casa
catchup e maionese que sobrou do sanduíche
raspas de tijolos com salitre
...

Por conseguinte,
pra se ir muito longe
sequer precisamos seguir,
basta ser amigo da imaginação,
não precisamos da exatidão das pessoas grandes.

No fim, 
o que conta mesmo,
o que conta de verdade,
o que conta pra valer,
é como pintamos o nosso mundo
e como cuidamos das nossas flores.





* Antoine Jean-Baptiste Marie Roger Foscolombe, conhecido pela alcunha de Conde de Saint-Exupéry, foi um escritor, ilustrador e piloto francês, é autor de um clássico da literatura, intitulado "O Pequeno Príncipe", escrito no ano de 1943. Entre as diversas frases famosas extraídas da obra podemos citar: "só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas".

** Chapéu-panamá - É um chapéu que, apesar do nome, é fabricado no Equador, onde recebe o nome de El Fino, especialmente em Cuenca e Montecristi, sua origem mais remota, data da colonização do Equador pelos espanhóis. A fabricação ocorre com a palha da planta Carludovica Palmata, encontrada no Equador e me países vizinhos e é tecida em trama fechada e encontrado facilmente em diferentes locais do país. 


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

terça-feira, 13 de novembro de 2018

ALINHAMENTO PRINCIPIOLÓGICO















Fico envergonhado 
quando me envergonho
e se o envergonhar 
é de algo vergonhoso
aí, maior é minha vergonha

Colisão de princípios e valores
rumino, cismo, purifico, decanto 
me recomponho
e realinho meu interior

Corrijo minha vergonha
faço algo não vergonhoso
extirpando o envergonhar
do qual me envergonho
açambarcado, não mais estou, envergonhado.



José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].


quarta-feira, 19 de setembro de 2018

FIGUEIRA ESTÉRIL



Quanta água e sais minerais
quanta seiva bruta se esvai.
Se a Figueira não dá frutos
Arranca-a!
Ocupa em seu lugar um cacto
ao menos, embeleza e traz sentido

Não se despreza a Figueira
e sim, o propósito
Não se despreza o Homem
e sim, o propósito 

Estar entre as videiras
é estar plantada em solo nobre
demanda: tempo e recursos
[aqui não cabe sentimentos]
esforços precisam ser retribuídos 
nutrientes são absorvidos 
atenção especial dispensada

Arranca-a! Queima-a!

Concedo-o um pouco mais de:
atenção
carinho
cuidados
nutrientes
seiva bruta
fotossíntese 

Novos esforços serão enveredados
se continuares estéril
serás morto e não ocuparás a terra inutilmente






José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

MILITANTE NUNCA MAIS!



Ela estava embaixo de um toldo velho e esfarrapado esperando a chuva diminuir. Era um sábado de inverno, chovia bastante e fazia muito frio. Luna havia acabado de sair da reunião de formação política do Partido Boa Sorte e as ideias e argumentos à pouco discutidas construíam e desfaziam reflexões, num frenesi consciencioso. As vivências do passado; a infância pobre no interior, as dificuldades, quando da chegada à capital, a dura rotina de estudo e trabalho, as experiências do movimento sindical do antigo trabalho, a leitura dos acontecimentos do presente, todo esse embaralhado de ideias fervilhavam na cabeça de Luna a ponto de não perceber que a chuva havia cessado.

Pam pam... a buzina despertou Luna dos pensamentos. Olhou para o interior do carro [parado na rua] por uma brecha do vidro do lado oposto ao do motorista e reconheceu Lázaro, um dos diretores do sindicato dos carregadores de pedra. - Vamos Luna, eu te dou uma carona até o terminal rodoviário do Bairro Inocente, onde Luna morava com outros dois, dos seis irmãos. Enquanto dirigia, Lázaro ressuscitava a fala do Deputado Distrital, Asteclides de Alencar Gomes Cardoso, proferida a pouco instante no evento do partido, a qual ambos eram filiados. Quando o Deputado clamava aos presentes da necessidade imperiosa de todos aderirem a uma postura militante mais atuante e assumirem novos sacríficos, pois não era mais uma causa de um grupo partidário e sim o chamamento a salvar o país dos poderosos, que oprimem a classe trabalhadora e entregam as riquezas nacionais aos governos e empresas estrangeiras.

Luna emprestava seus ouvidos e movia a cabeça maquinalmente de modo assertivo, dando a entender a seu interlocutor que estava atenta a tudo que era falado, contudo seus pensamentos continuavam a fazer conexões bem distintas das ideias de ajudar os candidatos do partido a se elegerem a cargos mais elevados na política. Luna começou a ser possuída por um sentimento semelhante ao de Thomé, quando os demais apóstolos declararam terem visto ao Cristo em um corpo materializado e esse diz, que somente acreditaria se pusesse suas mãos sobre os ferimentos do Cristo; ela se permitia duvidar de tudo, indo em alguns momentos mais além, questionando quem se beneficiaria das verdades postas no evento do partido.

Lázaro parou o carro, Luna desceu e sem se despedir caminhou reflexiva em direção ao terminal onde pegaria uma das três conduções do transporte coletivo até chegar a sua casa. Aquela noite longa e fria marcaria o destino daquela jovem, feito ferro em brasa ao marcar boi com as inciais do dono. Luna percebeu que a maneira mais eficaz de mudar o mundo, as pessoas, o sistema político, era mudando a ela mesmo. Se ausentou dos eventos coletivos do partido, ausência pouco notada pelos demais membros, que a cada novo contato para saber do afastamento da filiada se contentavam com os subterfúgios de Luna. E enquanto isso, ela se voltou para dentro de si, novas leituras de diferentes autores, diferentes linhas ideológicas e do mundo, ajudaram a abrir as janelas da mente e a fizeram caminhar em outras direções.

Trim trim trim.. O telefone toca e Luna atende. - Corretora sonho lindo, Luna, bom dia! Meu nome é Lázaro e estou ligando para renovar o seguro do meu veículo, como é mesmo seu nome? - Luna. Lázaro diz a atendente que conheceu uma Luna no passado e que ela tinha a voz muito parecida com a da atendente. Mas Luna nega ser essa pessoa. - Como o senhor pretende pagar, à vista ou parcelado? - Vou encaminhar por um assessor do meu gabinete um cheque no valor do seguro. Passado alguns minutos chega à corretora um jovem com um cheque emitido pelo Senador Asteclides de Alencar Gomes Cardoso e afirmando que este cheque foi encaminhado pelo Deputado Distrital Lázaro Anunciação Felizardo. Naquele instante Luna abriu uma nova janela em seus pensamentos.

Anos se passaram e num sábado de uma noite chuvosa e fria de inverno, Luna recebe em seu amplo e confortável escritório no bairro do alvorecer, na zona sul da capital, dois clientes que buscavam contratar os serviços da conceituada e exímia advogada para defendê-los da acusação de variados crimes, que reunia farta documentação, dentre eles: sonegação, peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro... Entram na sala ampla e arejada onde estava a advogada e percorrem com os olhos as paredes da sala, que reunia uma enormidade de livros e são recebidos com suave e sereno, bom dia. - Você é Luna, a militante do sindicato dos professores? 
- Desculpem-me senhores mais meu nome é Luna da Anunciação Luz e caso não se incomodem, vamos discutir sobre as motivações que os trazem aqui, pois dado o avançar da hora, importante se faz que adiantemos o tema, pois teremos muito trabalho pela frente para atenuar as acusações. 
- Desculpe-me, Drª Luna, mas é que a senhora me lembra muito uma jovem militante de opinião forte e oratória inquebrantável que conheci no passado.



José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

SANTIDADE




Busquem a Santidade!
E se para atingi-la 
precisares pecar,
não hesitem,
os santos também pecaram.

Perguntam-me: como podes asseverar?
Respondo: - porque sou um deles
"sejam santos, porque eu sou santo"*

Agora, detalhe, não atendo preces
nem inspiro pessoas,
que acendem velas para mim.





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


* 1 PEDRO 1:15-16



TRANFIGURAÇÃO

Eu já fui de esquerda
também já fui de direita
hoje estou sentado
entre os dois sentidos

Eu já estive embaixo
também já estive em cima
hoje estou a meia altura
cansa-me subir ou descer

Eu já servi à mesa
também já fui servido
hoje invento, preparo e como
meu próprio cardápio

Eu já acreditei em Deus
também já duvidei Dele
hoje acredito e duvido
sempre que ambos me beneficiam

Eu já fui romântico e fiel
também já sofri de Dom-juanismo*
e infidelidade
hoje amor e sexo são secundários

Eu já me pareci com você
também já tivemos divergências
hoje me olho no espelho e pergunto:
- quem é você?





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


* Dom-juanismo - O uso desse termo no texto simboliza um dialogo passado, que mantive com uma amiga por quem reservo grande carinho e admiração. O termo se refere a síndrome de dom-juanismo ou doença de caetano é um transtorno caracterizado por necessidade compulsiva por sedução, envolvimento sexual fácil, mas fracasso no envolvimento emocional, sendo assim, determinada por relacionamentos íntimos pouco duradouros ou até mesmo inexistentes. A síndrome faz menção a lenda espanhola de Don Juan, jovem sedutor que assassina o pai de uma das amantes, tempos mais tarde, encontra uma estátua do pai da moça e, de modo zombeteiro, a convida para um jantar; o convite foi aceito pela estátua do pai da moça, neste instante o fantasma do pai chegara como espécie de precursor da morte de Don Juan. Segundo a lenda, a estátua pedira para aperta-lhe a mão e quando este lhe estendeu o braço, foi por ela arrastado até o inferno.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

EU, SOPHIA E ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS



Uma tarde no shopping e lá vamos nós, eu e Sophia, para nosso cantinho favorito, a livraria. Ah, perdão, Sophia é minha primogênita e dia 10/09 faz nove anos. Chegada a hora de irmos embora, via de regra, ela me pede para levar um livro, olhei o exemplar e perguntei, porque Alice no país das maravilhas? - Ah, porque eu assistir ao filme e quero ler o livro, ou melhor, quero que o senhor leia comigo todos os dias algumas páginas antes de dormir. Como ainda não tinha lido a obra, num primeiro instante, imaginei que o livro era infantil, mas não é. À medida que, a leitura avançava, tive a sensação que o livro é uma crítica severa a razão vitoriana e a ciência moderna, ambas intimamente presentes em nossas vidas cotidianas.

A crítica presente em Alice, entendimento pessoal, se estabelece as regras racionais, seja na etiqueta, na poesia, na política, na moral ou mesmo no palácio de Buckingham¹. O livro nos conduz a assumirmos o protagonismo de Alice e nos depara com a seguinte reflexão; quando olhamos de um do ponto de vista interno, ou seja, dentro do mundo das regras, tudo faz sentido. Contudo na relação dialógica do indivíduo com o mundo, tudo não passa de loucura completa. Entenda nesta narrativa nosso mundo como sendo a Inglaterra, o mundo onde conhecemos as regras, onde tudo é "normal", e o país das maravilhas é o mundo do outro, do desconhecido e do "anormal".

Qual é o enigma de Charles Lutwidge Dogson, mais conhecido pela alcunha de Lewis Carroll? É o de que, há um problema de pensar o mundo a partir das regras do lugar onde se estar, pois as regras deste lugar não são universais e que, nesse caso, não podem ser aplicadas em qualquer lugar do mundo sem diferenças. Essa é a grande loucura que Alice, e quem se coloca no lugar dela, percebe ao tentar usar as regras racionais e familiares [da Inglaterra] em outro mundo.

Ouso afirmar, que esse é o sintoma mais característico da modernidade, acreditar que no instante em que descobrimos uma verdade, ela pode se espalhar e ter aplicabilidade pelo mundo. Essa foi a premissa que estimulou o processo de colonização na África, Ásia e América; o que se estabeleceu com os povos desses continentes é prova da supremacia desta premissa que serviu de base ao colonialismo. Se pegarmos alguns exemplos do predomínio deste pensamento, poderíamos apontar o uso de roupas quentes em regiões frias como a Inglaterra e a crença que se pode aplicar o mesmo modelo em regiões não tão frias, na mesma toada, podemos apontar o chá das 17:00 na fria Londres e a aplicação em Nova Deli, na Índia. Ou ainda, a implantação salvacionista no Brasil de teorias, pensamentos, ideias e valores importados de nações estrangeiras, ignorando as distinções e particularidades.   

Com base no exemplo acima, a razão de ser dos hábitos, vestimentas e valores seriam universais e abstratos, bem como independe das condições histórico-espacial-cultural em que as realidades estão imersas. Isso é loucura! Gritou Alice dentro de nós. Essa loucura somente não é percebida por aqueles que, assim como a irmã de Alice, estão lendo livros onde não tem a presença de diálogos nem figura, por conseguinte, é um livro de teoria, algo bem diferente de livros com personagens, histórias, fatos e acontecimentos, tipo um romance, pois o romance ele oculta, disfarça, mimetiza a vida.

A Alice do país das maravilhas se interessa pela vida e não pela teoria, e, é justamente por isso, que ela vê o coelho branco passar, do contrário, se ela estivesse imersa no mundo da teoria, jamais teria visto o coelho passar. E, digo mais, ela não teria se lançado em outro mundo, não teria experienciado outras lógicas, outra razão, que isolada nos próprios mundos fazem sentido, todavia quando se relacionam com outros mundos, não passam de meras loucuras.

No final do livro, quando os guardas vêm prendê-la, ela diz: - vocês não passam de um bando de cartas! Pergunto a você: - qual o valor de uma carta qualquer num dado baralho? Acertou! A resposta é justamente esta: - depende do tipo de jogo e de como são as regras, ou melhor, de quem as criou ou de quem pode alterá-las. Agora, vem a provocação, em um jogo onde alguém cria as regras, pode-se dizer que esse jogo é neutro? Não se ofenda com o que vou falar, mas a imparcialidade é uma mentira. O jogo é ganho na racionalidade do próprio jogo.

Ainda sobre regras, jogo, imparcialidade, faço-lhe uma nova indagação: - à medida que, alguém [indivíduo ou grupo] conhece bem as cartas, estabeleceu as regras e se põe a jogar, o outro jogador pode sair vitorioso? Não precisam me responder, suponho que tenhamos respostas análogas, afinal o outro jogador somente pode ganhar se agir igual Alice, a saber, tirar o nariz do livro sem imagem e diálogo [teoria] e colocar o nariz na vida, na concretude da existência. A primeira vista, parece um trocadilho ingênuo, comparado com o julgamento açodado que o livro é infantil, porém ele mostra o avesso de uma realidade, que ainda hoje nos causa assombramento. Que a racionalidade não é o melhor dos mundos, pois fora instituída a partir de uma lógica. 

vejamos outro exemplo, vamos pegar o colapso financeiro da Grécia. Pergunto a você amigo leitor, que fez o FMI² se não impor regras [racionais] para aquele país e o mundo seguir? Fato semelhante se observa, quando o MEC³ impõe uma Base Nacional Comum Curricular para o país. Aqui, ainda ouvimos ecos de Alice, acreditando que as regras da Inglaterra [seu lar, o lugar de onde se fala e pensa] poderia se aplicar no país das maravilhas, e, nesse instante podemos rir com ela e dizer: 

- Isso é loucura!

Voltei-me para Sophia e expus de modo simplista a discussão acima e ela me respondeu: - Pai, isso é apenas uma estória, nada disso é de verdade, não é real, o senhor está falando como se nós estivéssemos dentro do livro e Alice estivesse aqui em nossa casa. Parei por um breve instante, sorrir e pensei; estamos no mesmo jogo, usando as mesmas cartas, porém nossas regras [razão] não são as mesmas. 

Voltei-me novamente para Sophia e lhe disse: 
- Boa noite e lembre de rezar! Apaguei a luz do quarto e fui me horizontalizar no sofá da sala, fiquei ali, quietinho, a pensar um pouco mais sobre, Eu, Sophia e Alice no país das maravilhas.

  


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].

       

¹ Palácio de Buckingham - é a residência oficial e o principal local de trabalho do monarca do Reino Unido.

² Fundo Monetário Internacional - Em tese é uma organização internacional criada com a intenção de promover a cooperação monetária internacional, garantir a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover o alto nível de emprego e o crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo. 

³ Ministério da Educação e Cultura - Órgão do governo federal brasileiro, que trata da política de educação nacional em geral, compreendendo: ensino fundamental, médio e superior.



quinta-feira, 16 de agosto de 2018

MACBETH, GÊNESIS E O HOMEM MODERNO


Já ouviram falar em William Shakespeare? Não! Bom, sendo objetivo, é um dramaturgo inglês que viveu alguns séculos atrás e escreveu algumas obras literárias. Uma delas intitulada, Macbeth, é uma tragédia que feito arauto contém em suas páginas a anunciação do homem moderno e seus dilemas, dilemas esses bem conhecidos no presente, pois nos levam constantemente as encruzilhadas existenciais. Ser ou não, fazer ou não, desejar ou dizer não aos desejos, eis as questões que saltam das páginas de Macbeth.

Shakespeare reveste de modernidade a narrativa de caráter simbólico-imagético do livro de Gênesis. Em Macbeth, as bruxas, associação da deidade; a profecia, que Macbeth será rei, simbolicamente, "crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra" [Gênesis 1:28]"; no outro extremo "contudo, não comerás da árvore do conhecimento do bem e do mal" [Gênesis 2:17], essa era a consequência do plano arquitetado por Lady Macbeth, comparativamente, Eva a convencer Adão. E, por fim, a dúvida recheada de desejo, Macbeth caminha sem firmeza na ideia se deve ou não matar o rei, associativamente, se deve ou não "morder" a maçã. 

Opa! Vamos devagar. Indaga o leitor, já as voltas, e que deve estar se perguntando: - e que tem toda essa narrativa que a ver com a lógica da modernidade? Respondo: - Tudo! Tudo meus amigos. Vejamos, doravante, sempre que mencionar Macbeth, entenda como se falasse sobre você, que por ora ler estas poucas linhas, quando mencionar o rei, entenda como seus propósitos e sempre que usar Lady Macbeth, entenderá as ideias contrarias que sempre nos acomete.

Macbeth está em dúvida se ele vai matar o rei, porque ele quer ser rei, mas teme as consequências, todavia Lady Macbeth lhe diz: - você tem medo de ser na ação, aquilo que você é no desejo. A discussão faz emergir a seguinte reflexão, quando nós ousamos desejar, nós nos tornamos homens e para nós atingirmos o que nós desejamos, temos que ser mais homens, ou seja, sair do plano do desejo e sair desse plano nada mais é que agir, a ação é que nos torna mais homens, eis a premissa moderna. Aqui, cabe explorar melhor esse conceito, nós humanos nos constituímos a partir do desejo, ser humano, por essa premissa, significa correr atrás dos desejos; assumi-los, entendê-los e buscar realizá-los. Aqui reside a lógica moderna da subjetividade. 

Quando o homem deseja, ele abandona o crescei e multiplicai-vos e marcha na direção do fruto do conhecimento, ele morde a maçã. E Macbeth mordeu a maçã, ele matou o rei e assumiu o lugar desejado, porém a ação gera consequências, assim como gerou para Adão/Eva, pois essas metáforas respondem pela lógica medieval, e qual seria, que só se é homem, quem é capaz de não desejar o que não deve. Por conseguinte, nesse preceito o que nos torna humano é a capacidade de dizer não ao desejo que nós temos e que é ilegítimo.

Essas duas lógicas estão muito presentes em nós até hoje, ou melhor, em Macbeth e Lady Macbeth. Afinal, ao matar o rei, Macbeth entra em estado de oscilação e a esposa assume o controle da situação, ela retira o punhal ensanguentado das mãos do esposo e o coloca em meios aos criados adormecidos pela bebedeira da noite passada, incriminando-os. Adão e Eva ao saciarem o desejo se veem expostos, vulneráveis, nus, "então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus"; [Genesis 3:7], os dois cobrem a nudez, mas com roupas frágeis, de modo semelhante, o espírito de Macbeth está inseguro, vacilante. Afinal, o que nos faz humanos, assumir o desejo ou negar o desejo?

A crise do matrimônio revela bem esse dilema. Uma parte da relação declara: - Você não pode me deixar! E as crianças? Isso é desumano! Ou seja, seguir o seu desejo, quando faz os outros sofrer te faz menos humano. Não obstante, podemos assumir o lugar de Lady Macbeth ou de Eva e argumentar o contrário, "e viu a mulher que aquela árvore era boa para comer e agradável aos olhos, e árvore desejável [humano] para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido [Macbeth] e ele comeu com ela [Gênesis 3:6], retomemos a discussão conjugal com um argumento contrário, qual seja, negar esse desejo também nos torna menos humanos, na medida em que, impomos um sofrimento a nós mesmos. Afinal, se a outra parte não for feliz, as crianças conseguirão ser?

As duas lógicas de pensamento se estabelecem onde reside o lugar do desejo. Vamos trazer outra mostra desse pensamento. Há uma noção presente na sociedade, que temos que ser uma democracia, pois esse é o melhor ou mais adequado sistema político. Será? Esse pensamento emana da vitória do sentimento, de que o ser humano é expressão do desejo, logo, ser cidadão é ser capaz de exercer seus desejos, exemplo, eu desejo votar em fulano e os outros partem do mesmo impulso. Daí, aquele indivíduo que não desejava o que não devia [pensamento medieval], passou a desejar e a sentir o gosto [fruto/conhecimento] do desejo.

Macbeth deve ter se perguntado: - é melhor viver esse dia, do que viver longos anos me perguntando como teria sido, se eu tivesse coragem de agir? O homem político moderno é o indivíduo que vai atrás de viver e realizar seus desejos, ele mata, rouba, mente, trapaceia... e a ausência de tudo isso traria uma ordem, porém ao olhos de hoje, uma ordem inútil. Dentro dessa lógica, Macbeth é melhor rei que Duncan, o rei assassinado. Oportunamente eu pergunto ao amigo leitor, você é do tipo que corre para realizar seus desejos ou é do tipo que diz não aos desejos?

Atenção! Atenção leitor, palmadas na face, não durma agora, já chegamos ao fim. Caso queram descobri que tipos predominam entre nós, abram os olhos [não os da visão, mas os dos desejos] e observem nossos candidatos nos debates, observem as relações que se estabelecem nos ambientes de trabalho, dentro dos diferentes lares, nos grupos de amigos...identifiquem quantos Macbeth, Lady Macbeth, Adão, Eva... estão em cena. Sim, um alerta, mergulhem em vocês e vejam o que vão encontrar, não precisam voltar para me contar sobre as descobertas, a mim, contenta-me saber que tenho me observado, estudado, compreendido e percebido como Shakespeare, faz tantos anos, sabia tanto sobre nós.



[José Ailton Santos] 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

JUDAS, TÃO GRANDE, QUANTO JESUS.



Foi com um beijo. Esse era o combinado. Não era com um indicador a apontar, não era com descrições, não podia ser por alguém alheio ao Cristo. O fato de ser alguém do convício social [íntimo], torna a tarefa ainda mais árdua, não há que se ignorar que entregar alguém com um beijo é invadir as entranhas d'álma. Ambos sabiam o que aconteceria, se o Cristo sabia antecipadamente não convém nem discutir, todavia certo é, que Judas também o sabia - quiçá não soubesse desde o primeiro momento. E se imaginar essa possibilidade é tarefa árdua, podemos afirmar que sabia desde o momento em que se viu inexoravelmente inclinado a tratar das condições da entrega, antes mesmo da noite do Getsêmani.

Na última refeição que fizeram juntos, Cristo anunciou que um entre os doze O entregaria. Era um jogo de cartas marcadas, melhor dizendo, com regras e ganhador pré-definido; negar isso, é negar a condição divina do próprio Cristo, é negar sua relação filial com o próprio Deus. Desde o momento em que Deus pediu a Abraão para sacrificar seu próprio filho que a paixão de Cristo se anunciava, o impedimento do sacrifício de Isaque se dar porque Abraão hesitou, a dor era intensa demais para suportar, o intento celeste era, talvez, apenas fazer sentir à humanidade [personificada em Abraão] a dor de sacrificar um filho. 

Voltemos a última ceia, o espanto somente não era surpresa para os dois ali presente, Jesus e Judas, os dois protagonista da maior e mais encantadora, enigmática e extraordinária história da humanidade. O papel reservado a Judas na trama, a traição, que será consumada, é por ele sentida no seu íntimo, feito imã, que a atração da polarização oposta por mais que se resista, não irá cessar até que se una ao pólo magnetizado. Por mais esforço em resistir que Judas realizasse, não conseguiria fugir do seu destino. Ele e Jesus, estão predestinados.

Aqui, caro leitor amigo, não se trata de crime doloso [com intencionalidade prévia, planejado] e sim dos destinos tenebrosos que por mais que se resista, regem a vida de certos homens mesmo contra suas vontades mais íntimas, contra sua razão e, por que não dizer, contra a própria salvação. O silêncio e tristeza era sentido, o tempo parecia ter parado, o sembante de Jesus e Judas ficou imóvel. Ambos se amavam. Judas absorto perguntou ao Cristo: - Tu sabes tudo, então porque não me impedes que vá? Diga que desejas que eu fique, pois Teu silêncio revela sua anuência aos nossos destinos. 
- Vou Te trair!

Judas sai da presença dos outros apóstolos, alheios ao diálogo com Cristo, e em monólogo dizia: - salva-me de mim mesmo! Afasta de mim essa dor e angústia! Arranca do meu peito essa dor e peso! Na presença do sumo sacerdote não tratou em valorizar o pleito, pois a negociação era feita apenas por uma das partes, o valor ofertado por saduceus e fariseus, antes adversários e unidos por um intento comum, representavam sentenças emitidas contra eles mesmos, o valor por eles ofertados, se converteria no custo a ser pago por eles no dia do "juízo final".

Ao beijar a face de Cristo, Judas selou o vil qualificativo que o acompanharia por séculos, até o momento presente, onde terá a sua disposição um neófito advogado de defesa. Se alguém abre a boca e diz: - Judas, o traidor! Eu o defendo das acusações. Judas, dentre os doze apóstolos, fora o único que não O abandonou, fora o único que observou com olhar pesado e angustiado o sofrimento do Cristo. Judas dizia para si mesmo: - Não basta que O entregue para o opróbrio, ainda me impõe assistir ao martírio? Que destino me reservastes!

Judas segue o caminho do suplício com Cristo, feito irmãos gêmeos que dividem o mesmo ventre, as vozes da multidão ecoam nos ouvidos de Iscariotes e naquele instante algo estranho lhe acomete, ele já não sente mais remorso, não sentia mais dor, não sentia mais desejo de vê-Lo. Judas olha em volta e apenas vê - não mais ouve - a multidão a gesticular expressões de ódio, de raiva e de prazer em apontar o Cristo ao seu destino na cruz. Se pergunta: - Como podem odiar Alguém a quem faz alguns dias receberam com ramos de oliveiras e gritos de Hosana?

Judas faz todo o caminho do cortejo ao lado de Jesus, em muitos momentos ambos se olham; não sentem nenhum tipo de sentimento negativo, pois se amam. São duas metades que formam um inteiro, um não existe nem existiria sem o outro. São personagens centrais de uma trama, apenas se entregaram aos seus papéis para que a plateia da humanidade se deleite e reflita sobre o drama da existência. Judas caminha paulatinamente olhando o corpo esfarrapado e ensanguentado, cheio de ferimentos e hematomas, as pedras pontiagudas que machucam os pés de Jesus, a cruz pesada que exaure suas forças.

Um último olhar de Iscariotes lançado sobre o corpo pendurado, preso por enormes pregos que prendem mãos e pés, a coroa de espinhos, que perfuram a carne da face. Tudo está consumado. Trinta moedas de prata, esse foi o preço pago por caifás e Anãs. Acha barato a paga, caro leitor? Cuidado, reconsidere, pois talvez esteja a pechinchar pagamento ainda menor no cotidiano, afinal somos especialista em levar vantagem. Mas, voltemos a nosso réu e a meu intento em inocentá-lo, Judas havia escolhido há muito o local onde abandonaria seu corpo, ademais sua atuação havia sido concluída, a tarefa fora executada com maestria.

Subiu ao cume de uma montanha onde havia uma árvore ressequida e solitária, ali prendeu uma corda a um dos galhos e enquanto trabalhava o nó, dizia: - Ouves, Jesus? Vê como são injustos e incrédulos para com Judas? Acusam-me de traidor, quando fostes eu apenas mais um cordeiro em sacrifício. Acolhe-me bem irmão. Vou para Ti para que voltemos à Terra abraçados como irmãos que sempre fomos. E saltou.

Doravante, mergulhem dentro de si e encontrarão, Judas e Cristo dentro de cada um de nós, pois metáforas que são, se convergem em cada um de nós nessa árdua caminhada em direção à santidade pretendida por todos nós. Quem de nós nunca perdoamos? Quem de nós nunca traímos? Quem de nós nunca partilhamos algo? Quem de nós nunca nos inclinamos a desejar o alheio? Quem de nós nunca pegamos a pedra e hesitamos entre, atirar no outro ou devolvê-la ao chão, pecadores que somos.

Judas, eu o inocento!




[José Ailton Santos]

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

REFRAMING

É melhor perder as sandálias
e andar descalços
que essas me perderem 
[e pertencer as outros pés]

É melhor o carro quebrar
e andar devagar, à pé, bicicleta...
que eu quebrar e o carro ficar guardado
[inútil]

É preferível que o prato caia e quebre
[desperdiçando o alimento]
a sofrer algo que me tire o apetite
ou impeça-me de voltar a comer.

É preferível que perca o dinheiro
a perder-me de mim 
[sem Eu não sou nada]

Antes perder os anéis 
[sinal de azar] 
do que esses perder os dedos
]recontextualização[

O importante não pega carona na rapidez
nem na lentidão dos passos
e sim, na direção que se toma.

Viver feliz
não é sinônimo de:
longevidade/brevidade
e sim, "como" se vive 
[consistência] 





José Ailton Santos

quarta-feira, 6 de junho de 2018

PARAFRASEANDO DRUMMOND



Quando eu nasci
um anjo aleijado
[desses que foram desprezados na Terra]
me falou:
- eis a vida, toma-a
e usa como bem quiser
e usa como bem entender.

Esqueceu, na ocasião,
apenas de me dizer
algo valiosíssimo
[talvez, o esquecimento seja o revide por só ter uma asa]
que a vida não é para amadores
que a vida não aceita erros
que a vida não aceita fracassos
e que não existe beleza em errar
afinal, quando se erra:
não existe aprendizado
não existe consolo
não existe mão amiga.

Apenas, exclusivamente,
um preço a se pagar
pois a vida, é um grande mercado
e, quando não se tem com que pagar,
paga-se com a própria vida.


(José Ailton Santos)

[SOBRE]VIVER

peixe tetra cego das cavernas


Imaginar pode ser difícil,
mas já tive uma vida "normal"
alguns amigos, vizinhos, familiares
...pessoas com quem me importava.

Perdi tudo!

Querem saber como?

Há em algumas cavernas no México
e, no Poço Encantado/BA, no Brasil
uns peixes que colonizaram cavernas 
de água doce.
Talvez, eles se perderam ou foram deixados
certo é, acabaram na mais completa escuridão.
Todavia, não morreram
[ao contrário]
eles lutaram
foram resilientes
se tornaram elásticos
adaptaram-se.

Perderam a pigmentação, a visão...
e, por fim, perderam até mesmo os olhos.

Para sobreviver, eles ficaram:
horríveis,
deformados,
irreconhecíveis.

Raramente, quase nunca, com pouquíssima frequência 
penso sobre o que eu fui um dia.
Mas fico pensando...
se um raio de luz
entrasse na caverna,
eu seria capaz de vê-lo?
eu seria capaz de senti-lo?
eu seria capaz de ser atraído pelo calor?

Imaginem
[mesmo sendo difícil imaginar]
ainda que eu fizesse tudo isso:
ver
sentir
ser atraído,
isso me faria menos: horrível, deformado, irreconhecível?
Tornar-me-ia no que era antes?

Responda-me você?! 
[...]
Eis o meu dilema, eis o preço da [sobre]vivência.



(José Ailton Santos)