Ela estava embaixo de um toldo velho e esfarrapado esperando a chuva diminuir. Era um sábado de inverno, chovia bastante e fazia muito frio. Luna havia acabado de sair da reunião de formação política do Partido Boa Sorte e as ideias e argumentos à pouco discutidas construíam e desfaziam reflexões, num frenesi consciencioso. As vivências do passado; a infância pobre no interior, as dificuldades, quando da chegada à capital, a dura rotina de estudo e trabalho, as experiências do movimento sindical do antigo trabalho, a leitura dos acontecimentos do presente, todo esse embaralhado de ideias fervilhavam na cabeça de Luna a ponto de não perceber que a chuva havia cessado.
Pam pam... a buzina despertou Luna dos pensamentos. Olhou para o interior do carro [parado na rua] por uma brecha do vidro do lado oposto ao do motorista e reconheceu Lázaro, um dos diretores do sindicato dos carregadores de pedra. - Vamos Luna, eu te dou uma carona até o terminal rodoviário do Bairro Inocente, onde Luna morava com outros dois, dos seis irmãos. Enquanto dirigia, Lázaro ressuscitava a fala do Deputado Distrital, Asteclides de Alencar Gomes Cardoso, proferida a pouco instante no evento do partido, a qual ambos eram filiados. Quando o Deputado clamava aos presentes da necessidade imperiosa de todos aderirem a uma postura militante mais atuante e assumirem novos sacríficos, pois não era mais uma causa de um grupo partidário e sim o chamamento a salvar o país dos poderosos, que oprimem a classe trabalhadora e entregam as riquezas nacionais aos governos e empresas estrangeiras.
Luna emprestava seus ouvidos e movia a cabeça maquinalmente de modo assertivo, dando a entender a seu interlocutor que estava atenta a tudo que era falado, contudo seus pensamentos continuavam a fazer conexões bem distintas das ideias de ajudar os candidatos do partido a se elegerem a cargos mais elevados na política. Luna começou a ser possuída por um sentimento semelhante ao de Thomé, quando os demais apóstolos declararam terem visto ao Cristo em um corpo materializado e esse diz, que somente acreditaria se pusesse suas mãos sobre os ferimentos do Cristo; ela se permitia duvidar de tudo, indo em alguns momentos mais além, questionando quem se beneficiaria das verdades postas no evento do partido.
Lázaro parou o carro, Luna desceu e sem se despedir caminhou reflexiva em direção ao terminal onde pegaria uma das três conduções do transporte coletivo até chegar a sua casa. Aquela noite longa e fria marcaria o destino daquela jovem, feito ferro em brasa ao marcar boi com as inciais do dono. Luna percebeu que a maneira mais eficaz de mudar o mundo, as pessoas, o sistema político, era mudando a ela mesmo. Se ausentou dos eventos coletivos do partido, ausência pouco notada pelos demais membros, que a cada novo contato para saber do afastamento da filiada se contentavam com os subterfúgios de Luna. E enquanto isso, ela se voltou para dentro de si, novas leituras de diferentes autores, diferentes linhas ideológicas e do mundo, ajudaram a abrir as janelas da mente e a fizeram caminhar em outras direções.
Trim trim trim.. O telefone toca e Luna atende. - Corretora sonho lindo, Luna, bom dia! Meu nome é Lázaro e estou ligando para renovar o seguro do meu veículo, como é mesmo seu nome? - Luna. Lázaro diz a atendente que conheceu uma Luna no passado e que ela tinha a voz muito parecida com a da atendente. Mas Luna nega ser essa pessoa. - Como o senhor pretende pagar, à vista ou parcelado? - Vou encaminhar por um assessor do meu gabinete um cheque no valor do seguro. Passado alguns minutos chega à corretora um jovem com um cheque emitido pelo Senador Asteclides de Alencar Gomes Cardoso e afirmando que este cheque foi encaminhado pelo Deputado Distrital Lázaro Anunciação Felizardo. Naquele instante Luna abriu uma nova janela em seus pensamentos.
Anos se passaram e num sábado de uma noite chuvosa e fria de inverno, Luna recebe em seu amplo e confortável escritório no bairro do alvorecer, na zona sul da capital, dois clientes que buscavam contratar os serviços da conceituada e exímia advogada para defendê-los da acusação de variados crimes, que reunia farta documentação, dentre eles: sonegação, peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro... Entram na sala ampla e arejada onde estava a advogada e percorrem com os olhos as paredes da sala, que reunia uma enormidade de livros e são recebidos com suave e sereno, bom dia. - Você é Luna, a militante do sindicato dos professores?
- Desculpem-me senhores mais meu nome é Luna da Anunciação Luz e caso não se incomodem, vamos discutir sobre as motivações que os trazem aqui, pois dado o avançar da hora, importante se faz que adiantemos o tema, pois teremos muito trabalho pela frente para atenuar as acusações.
- Desculpe-me, Drª Luna, mas é que a senhora me lembra muito uma jovem militante de opinião forte e oratória inquebrantável que conheci no passado.
José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].
José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].

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