Foi com um beijo. Esse era o combinado. Não era com um indicador a apontar, não era com descrições, não podia ser por alguém alheio ao Cristo. O fato de ser alguém do convício social [íntimo], torna a tarefa ainda mais árdua, não há que se ignorar que entregar alguém com um beijo é invadir as entranhas d'álma. Ambos sabiam o que aconteceria, se o Cristo sabia antecipadamente não convém nem discutir, todavia certo é, que Judas também o sabia - quiçá não soubesse desde o primeiro momento. E se imaginar essa possibilidade é tarefa árdua, podemos afirmar que sabia desde o momento em que se viu inexoravelmente inclinado a tratar das condições da entrega, antes mesmo da noite do Getsêmani.
Na última refeição que fizeram juntos, Cristo anunciou que um entre os doze O entregaria. Era um jogo de cartas marcadas, melhor dizendo, com regras e ganhador pré-definido; negar isso, é negar a condição divina do próprio Cristo, é negar sua relação filial com o próprio Deus. Desde o momento em que Deus pediu a Abraão para sacrificar seu próprio filho que a paixão de Cristo se anunciava, o impedimento do sacrifício de Isaque se dar porque Abraão hesitou, a dor era intensa demais para suportar, o intento celeste era, talvez, apenas fazer sentir à humanidade [personificada em Abraão] a dor de sacrificar um filho.
Voltemos a última ceia, o espanto somente não era surpresa para os dois ali presente, Jesus e Judas, os dois protagonista da maior e mais encantadora, enigmática e extraordinária história da humanidade. O papel reservado a Judas na trama, a traição, que será consumada, é por ele sentida no seu íntimo, feito imã, que a atração da polarização oposta por mais que se resista, não irá cessar até que se una ao pólo magnetizado. Por mais esforço em resistir que Judas realizasse, não conseguiria fugir do seu destino. Ele e Jesus, estão predestinados.
Aqui, caro leitor amigo, não se trata de crime doloso [com intencionalidade prévia, planejado] e sim dos destinos tenebrosos que por mais que se resista, regem a vida de certos homens mesmo contra suas vontades mais íntimas, contra sua razão e, por que não dizer, contra a própria salvação. O silêncio e tristeza era sentido, o tempo parecia ter parado, o sembante de Jesus e Judas ficou imóvel. Ambos se amavam. Judas absorto perguntou ao Cristo: - Tu sabes tudo, então porque não me impedes que vá? Diga que desejas que eu fique, pois Teu silêncio revela sua anuência aos nossos destinos.
- Vou Te trair!
Judas sai da presença dos outros apóstolos, alheios ao diálogo com Cristo, e em monólogo dizia: - salva-me de mim mesmo! Afasta de mim essa dor e angústia! Arranca do meu peito essa dor e peso! Na presença do sumo sacerdote não tratou em valorizar o pleito, pois a negociação era feita apenas por uma das partes, o valor ofertado por saduceus e fariseus, antes adversários e unidos por um intento comum, representavam sentenças emitidas contra eles mesmos, o valor por eles ofertados, se converteria no custo a ser pago por eles no dia do "juízo final".
Ao beijar a face de Cristo, Judas selou o vil qualificativo que o acompanharia por séculos, até o momento presente, onde terá a sua disposição um neófito advogado de defesa. Se alguém abre a boca e diz: - Judas, o traidor! Eu o defendo das acusações. Judas, dentre os doze apóstolos, fora o único que não O abandonou, fora o único que observou com olhar pesado e angustiado o sofrimento do Cristo. Judas dizia para si mesmo: - Não basta que O entregue para o opróbrio, ainda me impõe assistir ao martírio? Que destino me reservastes!
Judas segue o caminho do suplício com Cristo, feito irmãos gêmeos que dividem o mesmo ventre, as vozes da multidão ecoam nos ouvidos de Iscariotes e naquele instante algo estranho lhe acomete, ele já não sente mais remorso, não sentia mais dor, não sentia mais desejo de vê-Lo. Judas olha em volta e apenas vê - não mais ouve - a multidão a gesticular expressões de ódio, de raiva e de prazer em apontar o Cristo ao seu destino na cruz. Se pergunta: - Como podem odiar Alguém a quem faz alguns dias receberam com ramos de oliveiras e gritos de Hosana?
Judas faz todo o caminho do cortejo ao lado de Jesus, em muitos momentos ambos se olham; não sentem nenhum tipo de sentimento negativo, pois se amam. São duas metades que formam um inteiro, um não existe nem existiria sem o outro. São personagens centrais de uma trama, apenas se entregaram aos seus papéis para que a plateia da humanidade se deleite e reflita sobre o drama da existência. Judas caminha paulatinamente olhando o corpo esfarrapado e ensanguentado, cheio de ferimentos e hematomas, as pedras pontiagudas que machucam os pés de Jesus, a cruz pesada que exaure suas forças.
Um último olhar de Iscariotes lançado sobre o corpo pendurado, preso por enormes pregos que prendem mãos e pés, a coroa de espinhos, que perfuram a carne da face. Tudo está consumado. Trinta moedas de prata, esse foi o preço pago por caifás e Anãs. Acha barato a paga, caro leitor? Cuidado, reconsidere, pois talvez esteja a pechinchar pagamento ainda menor no cotidiano, afinal somos especialista em levar vantagem. Mas, voltemos a nosso réu e a meu intento em inocentá-lo, Judas havia escolhido há muito o local onde abandonaria seu corpo, ademais sua atuação havia sido concluída, a tarefa fora executada com maestria.
Subiu ao cume de uma montanha onde havia uma árvore ressequida e solitária, ali prendeu uma corda a um dos galhos e enquanto trabalhava o nó, dizia: - Ouves, Jesus? Vê como são injustos e incrédulos para com Judas? Acusam-me de traidor, quando fostes eu apenas mais um cordeiro em sacrifício. Acolhe-me bem irmão. Vou para Ti para que voltemos à Terra abraçados como irmãos que sempre fomos. E saltou.
Doravante, mergulhem dentro de si e encontrarão, Judas e Cristo dentro de cada um de nós, pois metáforas que são, se convergem em cada um de nós nessa árdua caminhada em direção à santidade pretendida por todos nós. Quem de nós nunca perdoamos? Quem de nós nunca traímos? Quem de nós nunca partilhamos algo? Quem de nós nunca nos inclinamos a desejar o alheio? Quem de nós nunca pegamos a pedra e hesitamos entre, atirar no outro ou devolvê-la ao chão, pecadores que somos.
Judas, eu o inocento!
[José Ailton Santos]

Se deixássemos de lado a compreensão mística e tentássemos deixar a história nos apresentar os fatos, qual seria a compreensão que teriamos sobre este injusticado? A atmosfera social que caracterizava este período não era de calmaria, existia um desejo pulsante que nutria o consciente coletivo sobre a necessidade de encontrar uma forma um caminho que os conduzisse a libertação da opressão Romana, aqui posso citar outro descriminado que de revolucionário, na pena dos eruditos cristãos passa a ser criminoso, de fato, agir de encontro a lei e a ordem é estar e se colocar a margem. Seguindo este raciocínio o que fez o Cristo? Não consigo enxergar estes avatares apenas pelo prisma da mística, e não sou o único, muitos escolásticos buscaram em suas argumentações fazer uso da ração para justificar a fé; hoje observasse um uso recorrente da ciência a serviço da manutenção de muitos dos mistérios que caracterizam as mais diversas religiões. Não sou autoridade em assuntos da Teologia, muito menos no tocante a História, porém, me atrevo a apresentar um Judas comprometido com os anseios da grande maioria dos gentios que não suportando a política dos invasores conseguiu enxergar no líder Jesus uma alternativa capaz de libertar o povo do jugo Romano. O povo o seguia a qualquer lugar e foi este reconhecimento público que despertou em Judas a necessidade de entregar Cristo, crente que o povo reagiria a sua prisão provocando desta forma a tão desejada revolução que culminaria com a expulsão dos indesejados romanos, se assim não o fosse, como posso crer que um tesoureiro, esta era a função de Judas junto a Cristo; tendo ao seu alcance todo o recurso ofertado, não seria mais fácil se apropriar do que já está sobre sua posse? Fico me perguntando quando as religiões irão demonstrar o verdadeiro perdão a Judas, o débito é enorme, só lembram do mesmo como traidor, porque será que as escrituras e a mística só enaltece a Cristo? Se Judas cumpriu com os designios divino por que ser estigmatizado traidor?
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