quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

EU, CANDIDATO!? SÓ NESTES TERMOS.



Naquela manhã acordará com um sentimento diferente dentro de mim. Tinha dormindo apenas seis horas durante a noite. mas a sensação era de que havia vivido décadas. Na verdade, a sensação era semelhante a ter vivido uma vida inteira. Cheguei ao meu estabelecimento comercial às 06hs:00min em ponto, era mais cedo que de costume, estava com um semblante e disposição poucas vezes vista, pois a maioria das vezes chegava com um sorriso pícaro na face. Fato esse, que deixou minha esposa, funcionários e clientes atônitos. Pedi a um dos funcionários que fechasse a loja, apesar de estar no início do expediente, enquanto pedia a minha esposa que ligasse para convidar os demais funcionários que estavam de folga para vir trabalhar naquele exato momento.

Todos se olhavam sem entender muita coisa. Porém, ninguém ousava perguntar nada, apenas executava o que fora pedido. Com o estabelecimento fechado e todos os funcionários reunidos, resolvi fazer o comunicado. Agradeci a presença de todos e, oportunamente, pedi a ajuda dos mesmos para por em movimento um sentimento que desejaria torná-lo, não só um projeto pessoal, mas um estilo de vida. Na peroração do discurso fiz, aos presentes, um último pedido, que não me enchessem de perguntas e apenas se alinhassem ao projeto. 

Após o discurso majestoso me pus a detalhar o projeto, de modo a deixar claro qual o propósito e como deveria ser executado. Após a explanação dos detalhes operacionais, vieram as primeiras determinações, que foram: ajustar o preço de todas as mercadorias, de modo que, o lucro não ultrapasse 20%, o atendimento realizado pelos funcionários, à população, deveria ser realizado como se esses estivessem atendendo a si próprios e, por fim, que não houvesse qualquer tipo de distinção entre pessoas... fixado os mandamentos pétreos do estabelecimento, deu-se início aos trabalhos.

O nome fantasia, que antes existia, fora substituído pela seguinte frase latina, Quae sunt Caesaris, Caesari. Após essa mudança, os negócios iam de vento em proa, o número de clientes aumentaram, meus funcionários trabalhavam com grande satisfação e meu patrimônio não parava de crescer. E, num certo dia, enquanto comemorava o entrar de um novo ano, acompanhado de minha família, funcionários e amigos, alguém me fez a seguinte pergunta:

- que você fez para que seus negócios andem tão bem?

 Houve um instante de silêncio, pois todos ansiavam em fazer a mesma pergunta. A resposta veio em seguida a um sorriso de canto de boca, que revelava não haver motivos para segredos. Contei a todos, que apenas passei a cobrar 20% de lucro nos preços dos produtos, sendo que 10% era o meu quinhão pelo trabalho realizado e 10% era devolvido às pessoas da cidade de formas e maneiras as mais variada possíveis. Pois, julgava ser de bom alvitre e equidade devolver na mesma medida, tudo aquilo que as pessoas tinham me dado.

Foi neste instante, que me sugeriram ingressar na política local. Aqui, começa outra parte da minha história. Refleti durante toda noite sobre a ideia e após convicto, comuniquei a família e aos amigos que aceitaria o novo projeto. Porém, com uma condição, sairia candidato a prefeito da cidade usando dos mesmos sentimentos e valores, com os quais administrava minha vida e meu comércio. Alguns menearam a cabeça como que anunciando o fracasso, outros tentaram argumentar caminhos diferentes, alegando que fazer política seria bem diferente de administrar um comércio. 

Mantive inabalável minha decisão e nada do que dissessem mudaria minha opinião a cerca do intento traçado. Na ocasião, respondi as sugestões e opiniões fazendo uma pequena observação. Falei-lhes que as leis regentes da vida humana são imutáveis, inclusive, são as mesmas que agem sobre os negócios e sobre a política, pois as duas atividades são feitas por homens, ambas fazem uso do dinheiro da mesma forma, inclusive, valendo-se de sentimentos bons e ruins para atingirem seus fins.

Filiei-me a um partido qualquer. Afinal de contas, não havia necessidade de escolhas, pois não via diferença entre eles. E me pus a tocar adiante o projeto. Intensifiquei as visitas às pessoas da cidade, visto que, se tratava de hábito antigo [apesar de que, as pessoas pouco notam a mudança repentina de comportamento em alguns candidatos, trata-se de uma lei natural, se um lobo diariamente passa próximo ao galinheiro, as galinhas tendem a se acostumar, o ato ganha ares de natural e depois...] e, uma a uma, ia percorrendo a cidade, distribuindo a mesma atenção a todos. Nessa via sacra, igual médico, ia tomando nota das dores alheias.

Àqueles que me pediam dinheiro, pois tinham-me na condição de homem de posses, dava aos mesmos a seguinte resposta: 

- Se a condição para votar em mim for que lhes ofereçam dinheiro, sugiro que procurem outros candidatos que assim desejem tratar. 

No entanto, sem perder a calma e a beleza romana típica dos retratos de casamento, chamava atenção dos munícipes para os riscos e consequências dos seus atos, pois são comportamentos semelhantes a estes, que vós me apresentais, que promovem a manutenção e agravamento das ruins condições em que vivem. Por certo, quando a semente é ruim, jamais o fruto será bom.

Quando estava no palanque a discursar, a direção da minha fala era a mesma da que se valia para falar com os populares nos momentos reservados, ou seja, era um homem que se comportava no claro, da mesma maneira que no escuro. Ninguém me encontrava com opiniões de tonalidades distintas, seja no púlpito dos palanques, das igrejas, escolas ou ruas da cidade, sempre defendia minhas opiniões com a mesma intensidade e vigor. Fazia esse trabalho, enquanto meus adversários ridicularizavam meu comportamento e tentavam desconstruir a imagem de homem íntegro. Eu tampava meus ouvidos para os adversários e para meus aliados e apoiadores [familiares, amigos e populares sem expressão político-financeira], que insistiam para que revidasse. Recusava-me a sair um milésimo de centímetro da linha traçada por mim.

Chegou o momento esperado, apuração das urnas. Ao cair da tarde, no momento em que o Sol se escondia para dar lugar à noite [parecendo mesmo que estava a se esconder para não ser cúmplice de nada] fora anunciado o resultado. Perdi as eleições por uma diferença de 10%, isso mesmo 10%, dos votos válidos. Quando soube da notícia estava em um povoado próximo dando continuidade ao projeto que havia assumido, a saber, fazer política com doses de humanidade, transparência, ética e, a mais valorosa de todas, verdade.

Meu amigo, naquele instante, olhou para mim e disse:
- Depois de tudo que fizemos e da maneira como fizemos sair derrotado, vamos embora!
De pronto, lhe dei resposta, dizendo:
- Se quiseres ir vá! Mas, eu ficarei até concluir o que vim fazer aqui, pois às vezes é preciso perder para ganhar.

E aproveitei o momento para contar uma história a meu amigo. Certa vez dormiam em um leito duas mulheres com seus bebês, uma delas rolou sobre o filho e o matou, porém pegou a criança morta e pôs ao lado da outra mãe, enquanto tirava a criança viva para deitar ao seu lado. Na manhã seguinte, ao acordarem, a mãe que tinha sido enganada, reivindicou o filho vivo e acusava a outra mulher de tê-la roubado. Como ambas afirmavam ser mãe da criança viva, o caso foi parar nas mãos do Rei, que perguntou as duas quem era a mãe da criança viva. Ambas prontamente afirmavam serem mães verdadeiras. Então, sabiamente, o Rei autorizou que partissem a criança ao meio e fosse dada a cada mãe uma parte da criança. Diante da situação, uma das mães implorou ao Rei que não matasse a criança e que essa fosse entregue para ser criada pela outra mãe, porém a mãe que receberia a criança pediu ao Rei que fosse justo e cortasse a criança ao meio, pois as duas receberiam partes iguais. O Rei, então, avaliou a iniciativa das mulheres e percebeu que a mãe verdadeira era aquela que por amor ao filho, preferia vê-lo vivo nas mãos de outra mulher a recebê-lo morto. Já, a outra mãe impostora, por não ter apego ao filho alheio, tentou passar por justa e honesta, contudo seus planos não vingaram. O que podemos tirar do exemplo dessas mulheres, que somente quem estar disposto a perder pode verdadeiramente ganhar.

- Eu sou o que clama no deserto, minha missão é abrir caminhos para alguém mais puro, pois sou filho de uma geração corrupta e ainda que tente me desvencilhar da sujeira, ainda restará lama em alguma parte de mim.


2 comentários:

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  2. Camarada espero que este vulcão nunca deixe de entrar em erupção, só assim teremos o prazer de apreciar coisas boas em um momento de tanta desconstrução. Acredite. Platão, Thomas More, Capanema e tantos outros que vislumbravam um mundo melhor e não conseguiram alcançar determinado feito, estão a sorrir por manter vivas suas chamas, depositando esperanças neste renitente sonhador, ou melhor, crente. Camarada, o processo politico é um pouco mais complicado, os funcionários foram escolhas suas, trata-se de uma parcela menor e só é admitido aquele que coaduna com sua forma de trabalho, ou melhor, se encaixa no seu perfil. No campo da politica você não é o empregador, já não mais avalia os curriculum, muito pelo contrário você é que será avaliado. Como conquistar os eleitores se de imediato abre mão dos 10%? Como ganhar eleição em uma sociedade inculta, que a muito vivencia a politica do pão e circo? Camarada, melhor insistir na escrita, ampliar o debate no campo das ideias do que enveredar-se no campo politico. Neste, o embate toma forma física e as discursões chegam a patamares incontroláveis. Não seria melhor se contentar com a eloquência da escrita do que com a recusa da politica? Camarada, está a concordar com Erasmo quando afirma que a humanidade não seria a mesma sem a intromissão da Deusa Loucura. Caso contrário; o que justifica um homem se deixar levar por uma mulher a ponto de abrir mão do silêncio, da liberdade, da solidão, da independência em detrimento de sua companhia, se não fosse um dedo desta Deusa. Estará você embriagado, crente nos valores de que o homem não foi feito para ser feliz aqui na terra e por isso abre mão da sua loja em detrimento de mais um novo desafio. Espero que não se deixe influenciar pela Loucura, não esqueça que o maior naufrágio do ser humano é a velhice, e que, Dostoievski esta correto ao afirmar que: “O silêncio é sempre belo. E o homem que cala é sempre mais bonito que o homem que fala”.

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