Naquela manhã acordará com um sentimento
diferente dentro de mim. Tinha dormindo apenas seis horas durante a noite. mas
a sensação era de que havia vivido décadas. Na verdade, a sensação era semelhante
a ter vivido uma vida inteira. Cheguei ao meu estabelecimento comercial às
06hs:00min em ponto, era mais cedo que de costume, estava com um semblante e
disposição poucas vezes vista, pois a maioria das vezes chegava com um sorriso
pícaro na face. Fato esse, que deixou minha esposa, funcionários e clientes
atônitos. Pedi a um dos funcionários que fechasse a loja, apesar de estar no
início do expediente, enquanto pedia a minha esposa que ligasse para convidar
os demais funcionários que estavam de folga para vir trabalhar naquele exato
momento.
Todos se olhavam sem entender muita
coisa. Porém, ninguém ousava perguntar nada, apenas executava o que fora
pedido. Com o estabelecimento fechado e todos os funcionários reunidos, resolvi
fazer o comunicado. Agradeci a presença de todos e, oportunamente, pedi a ajuda
dos mesmos para por em movimento um sentimento que desejaria torná-lo, não só
um projeto pessoal, mas um estilo de vida. Na peroração do discurso fiz, aos
presentes, um último pedido, que não me enchessem de perguntas e apenas se
alinhassem ao projeto.
Após o discurso majestoso me pus a detalhar
o projeto, de modo a deixar claro qual o propósito e como deveria ser executado.
Após a explanação dos detalhes operacionais, vieram as primeiras determinações,
que foram: ajustar o preço de todas as mercadorias, de modo que, o lucro não
ultrapasse 20%, o atendimento realizado pelos funcionários, à população, deveria
ser realizado como se esses estivessem atendendo a si próprios e, por fim, que
não houvesse qualquer tipo de distinção entre pessoas... fixado os mandamentos pétreos
do estabelecimento, deu-se início aos trabalhos.
O nome fantasia, que antes existia, fora
substituído pela seguinte frase latina, Quae
sunt Caesaris, Caesari. Após essa mudança, os negócios iam de vento em proa,
o número de clientes aumentaram, meus funcionários trabalhavam com grande satisfação
e meu patrimônio não parava de crescer. E, num certo dia, enquanto comemorava o
entrar de um novo ano, acompanhado de minha família, funcionários e amigos,
alguém me fez a seguinte pergunta:
- que você fez para que seus negócios andem
tão bem?
Houve um instante de silêncio, pois todos ansiavam em fazer a mesma
pergunta. A resposta veio em seguida a um sorriso de canto de boca, que
revelava não haver motivos para segredos. Contei a todos, que apenas passei a
cobrar 20% de lucro nos preços dos produtos, sendo que 10% era o meu quinhão
pelo trabalho realizado e 10% era devolvido às pessoas da cidade de formas e maneiras as mais variada possíveis. Pois, julgava ser de bom alvitre e equidade devolver na mesma medida,
tudo aquilo que as pessoas tinham me dado.
Foi neste instante, que me sugeriram
ingressar na política local. Aqui, começa outra parte da minha história. Refleti durante toda noite sobre a ideia e após convicto, comuniquei a família e aos
amigos que aceitaria o novo projeto. Porém, com uma condição, sairia candidato
a prefeito da cidade usando dos mesmos sentimentos e valores, com os quais
administrava minha vida e meu comércio. Alguns menearam a cabeça como que
anunciando o fracasso, outros tentaram argumentar caminhos diferentes, alegando
que fazer política seria bem diferente de administrar um comércio.
Mantive inabalável
minha decisão e nada do que dissessem mudaria minha opinião a cerca do intento traçado.
Na ocasião, respondi as sugestões e opiniões fazendo uma pequena observação. Falei-lhes
que as leis regentes da vida humana são imutáveis, inclusive, são as mesmas que agem
sobre os negócios e sobre a política, pois as duas atividades são feitas por
homens, ambas fazem uso do dinheiro da mesma forma, inclusive, valendo-se de sentimentos
bons e ruins para atingirem seus fins.
Filiei-me a um partido qualquer. Afinal de contas, não havia necessidade de escolhas, pois
não via diferença entre eles. E me pus a tocar adiante o projeto. Intensifiquei
as visitas às pessoas da cidade, visto que, se tratava de hábito antigo [apesar
de que, as pessoas pouco notam a mudança repentina de comportamento em alguns
candidatos, trata-se de uma lei natural, se um lobo diariamente passa próximo
ao galinheiro, as galinhas tendem a se acostumar, o ato ganha ares de natural e
depois...] e, uma a uma, ia percorrendo a cidade, distribuindo a mesma atenção a
todos. Nessa via sacra, igual médico, ia tomando nota das dores alheias.
Àqueles que me pediam dinheiro, pois
tinham-me na condição de homem de posses, dava aos mesmos a seguinte resposta:
- Se a condição para votar em mim for que lhes ofereçam dinheiro, sugiro que
procurem outros candidatos que assim desejem tratar.
No entanto, sem perder a
calma e a beleza romana típica dos retratos de casamento, chamava atenção dos munícipes
para os riscos e consequências dos seus atos, pois são comportamentos
semelhantes a estes, que vós me apresentais, que promovem a manutenção e
agravamento das ruins condições em que vivem. Por certo, quando a semente é ruim,
jamais o fruto será bom.
Quando estava no palanque a discursar, a
direção da minha fala era a mesma da que se valia para falar com os populares
nos momentos reservados, ou seja, era um homem que se comportava no claro, da
mesma maneira que no escuro. Ninguém me encontrava com opiniões de tonalidades
distintas, seja no púlpito dos palanques, das igrejas, escolas ou ruas da
cidade, sempre defendia minhas opiniões com a mesma intensidade e vigor. Fazia esse trabalho, enquanto meus adversários ridicularizavam
meu comportamento e tentavam desconstruir a imagem de homem íntegro. Eu tampava meus ouvidos para os adversários e para meus aliados e apoiadores [familiares, amigos
e populares sem expressão político-financeira], que insistiam para que revidasse. Recusava-me a sair um milésimo de centímetro da linha traçada por mim.
Chegou o momento esperado, apuração das
urnas. Ao cair da tarde, no momento em que o Sol se escondia para dar lugar à noite [parecendo mesmo que estava a se esconder para não ser cúmplice de nada] fora
anunciado o resultado. Perdi as eleições por uma diferença de 10%, isso mesmo 10%, dos votos válidos.
Quando soube da notícia estava em um povoado próximo dando continuidade ao projeto
que havia assumido, a saber, fazer política com doses de humanidade, transparência,
ética e, a mais valorosa de todas, verdade.
Meu amigo, naquele instante, olhou para
mim e disse:
- Depois de tudo que fizemos e da
maneira como fizemos sair derrotado, vamos embora!
De pronto, lhe dei resposta, dizendo:
- Se quiseres ir vá! Mas, eu ficarei até
concluir o que vim fazer aqui, pois às vezes é preciso perder para ganhar.
E
aproveitei o momento para contar uma história a meu amigo. Certa vez dormiam em
um leito duas mulheres com seus bebês, uma delas rolou sobre o filho e o matou,
porém pegou a criança morta e pôs ao lado da outra mãe, enquanto tirava a criança
viva para deitar ao seu lado. Na manhã seguinte, ao acordarem, a mãe que tinha sido
enganada, reivindicou o filho vivo e acusava a outra mulher de tê-la roubado.
Como ambas afirmavam ser mãe da criança viva, o caso foi parar nas mãos do Rei,
que perguntou as duas quem era a mãe da criança viva. Ambas prontamente afirmavam serem
mães verdadeiras. Então, sabiamente, o Rei autorizou que partissem a criança ao
meio e fosse dada a cada mãe uma parte da criança. Diante da situação, uma das mães
implorou ao Rei que não matasse a criança e que essa fosse entregue para ser
criada pela outra mãe, porém a mãe que receberia a criança pediu ao Rei que
fosse justo e cortasse a criança ao meio, pois as duas receberiam partes iguais.
O Rei, então, avaliou a iniciativa das mulheres e percebeu que a mãe verdadeira
era aquela que por amor ao filho, preferia vê-lo vivo nas mãos de outra mulher a
recebê-lo morto. Já, a outra mãe impostora, por não ter apego ao filho alheio,
tentou passar por justa e honesta, contudo seus planos não vingaram. O que podemos tirar do exemplo dessas mulheres, que somente quem estar disposto a perder pode verdadeiramente ganhar.
- Eu sou o que clama no deserto, minha missão é abrir caminhos para alguém mais puro, pois sou filho de uma geração corrupta e ainda que tente me desvencilhar da sujeira, ainda restará lama em alguma parte de mim.
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