Recentemente, foi julgada
pelo Supremo Tribunal Federal [STF] a Ação Penal 470, midiaticamente
conhecido como Julgamento do Mensalão, que gerou opiniões as mais distintas
possíveis e monopolizou o debate nos espaços públicos e privados por vários
meses, deixando de lado, acontecimentos importantes e de extrema relevância
para a população nacional, como o debate político nas eleições ocorridas neste
ano e a paralisação quase completa dos trabalhos legislativos no Congresso
Nacional, até mesmo a conquista do Campeonato Brasileiro, de forma antecipada,
pelo Fluminense foi apagada pela importância quase divina do Julgamento no STF,
sem olvidar que futebol é paixão nacional.
Grupos políticos -
divididos em uma infinidade de siglas partidárias -, setores econômicos e financeiros,
diferentes segmentos sociais, intelectuais, jornalísticas, uma infinidade de
formadores de opinião, todos cuidaram logo de se posicionarem e emitirem
pareceres sobre o tema [raros os que são conhecedores da ciência jurídica]. Uns
assumindo uma postura de defesa em relação à acusação que pesava sobre os réus
e alegando que os ministros julgavam sob influências externas as paredes do tribunal,
possivelmente, cedendo ao apelo popular, que por sua vez, estava a endossar o
discurso urdido pela grande mídia nacional elitizada. Aqui, abro um parêntese, mídias
estas que são concessões ad eternum a grupos econômicos e a senadores e
deputados nos diferentes estados do país.
Por outro lado, outros apontavam
as acusações contra os réus como merecidas, atribuindo aos mesmos o adjetivo pejorativo
de corruptos e destruidores da democracia e da ética nacional. No mesmo ruído,
deram aos ministros um status de heróis nacionais, ou mesmo, de restauradores
da ética na política. Na verdade, independente
do lado em que se posicionaram, contra ou a favor, a intenção era a mesma, isto
é, todos queriam tirar proveito de alguma forma das opiniões expostas. É o velho jogo político, onde interesses públicos e privados se misturam, sendo que estes últimos sempre acabam prevalendo. No
entanto, um número ínfimo, pouquíssimo, refletiram sobre a forma e os critérios
que resultaram na sentença dos réus. Por hora, não estou a me manifestar se fui
contra ou a favor, não é essa a direção que pretendo dar a este texto.
Aliás,
penso que este seja o aspecto de menor relevância no que tange a Ação Penal
470. Também não pretendo analisar os
tramites do processo, pois todo julgamento, a rigor, deve seguir alguns
procedimentos contidos no ordenamento jurídico, dentre eles, o direito de
defesa, o contraditório e a ampla defesa. Afinal de contas, caso isso seja ignorado, o
julgamento será considerado de exceção, fato que para uma sociedade dita
democrática é uma coisa impensável, uma afronta aos direitos humanos e [a uma
palavra cada vez mais popular] a República.
Vejamos, suponho ser do conhecimento do cidadão medianamente esclarecido que é inegável a pressão existente sobre o STF. Porém, histórico e culturalmente, essa forma de pressão é mascarada por relações afetivas presentes no sistema judiciário entre ministros e advogados, bem como entre aqueles e alguns políticos. Situação que tem contribuindo com o descredito do poder judiciário perante uma parcela expressiva da sociedade brasileira.
E, diante dessa situação, alguns podem se perguntar se o julgamento da Ação Penal 470 julgou as práticas atribuídas aos réus ou alguns membros de partidos, a saber, políticos ligados ao Partido dos Trabalhadores [PT]? De pronto, aproveito a ocasião para lançar uma indagação, será que o STF julgará com tamanho vigor a ADIN [Ação Direta de Inconstitucionalidade] impetrada pela OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] nacional que visa por fim ao financiamento de campanhas políticas por empresas privadas? Uma das fontes geradoras da corrupção na política brasileira.
Guardem no oxigênio estas e outras indagações, pois, doravante, vou me ater a refletir sobre o caráter, o papel e a importância dessa corte excelsa
na sociedade brasileira ou em qualquer sociedade que se intitule democrática. Afinal
de contas, não obstante sua importância, enquanto instituição zeladora dos
princípios constitucionais pétreos e dos alicerces do sistema democrático, ao
menos no aspecto jurídico, não se pode atribuir à mesma um aspecto
supra-humano. Caso isso ocorra, imaginem os riscos de tê-la em tão elevada conta?
Seria catastrófico.
Vou isolar para análise
dois personagens centrais no chamado julgamento do mensalão. Um, o ministro
relator Joaquim Barbosa, e o outro, o ministro revisor Ricardo Lewandovski. O primeiro,
talvez, seja o grande personagem dessa trama, visto que, protagonizou cenas de embates
fortíssimos, às vezes, adotando posturas de total deselegância para com os
pares, acusando-os inclusive de não jugarem da forma devida. O que representa uma afronta, além de soar como intimidação. Barbosa condenou a quase
totalidade dos réus e adotou como tese [que, por fim, fora questionada pelo próprio
autor da teoria] o “domínio do fato”, onde segundo esta teoria, grosso modo, não
precisaria haver provas para que um réu pudesse ser condenado.
Particularmente, não vou
tecer maiores comentários sobre o que venha a ser a tal teoria para não
incorrer no risco de criar uma terceira ou quarta interpretação, deixo a tarefa para os mais hábeis. Todavia, o ministro
corajosamente condenou os réus, mesmo havendo margem na jurisprudência nacional
para considerar os mesmos inocentes. A tarefa de inocentar parte dos réus ficou a cargo do ministro Lewandovski, que usou como tese a ausência de provas claras e objetivas contra os acusados. Ainda segundo esse, acreditasse haver fortes indícios que os réus são culpados [ele particularmente
assumiu em público que suspeitava da participação dos réus na trama ilícita], mas que não existe na legislação vigente leis que garantam a condenação dos acusados.
A quais conclusões se podem chegar? Será que houve uma condenação amparada em um sentimento personalíssimo, soando como uma possível retribuição aos clamores sociais? Será que se repetiu
o julgamento de Fernando Collor de Melo, onde este, mesmo tendo sido inocentado
no STF ainda assim foi deposto, por força do movimento dos “caras pintadas”?
Será que a justiça prevaleceu ou equívocos foram cometidos?
Uma coisa tenha como
certa, o caráter do Supremo Tribunal Federal deve ser pautado em ações impessoais, que julguem os fatos e não pessoas nem cedam a apelos externos, independe de onde partam. Pois, essa instituição é de vital importância para o amadurecimento, fortalecimento e solidez da sociedade brasileira e sua fragilidade só interessa a setores particulares, que na disputa de forças sociais, caso não haja um terceiro para arbitrar o conflito, serão os grandes vencedores. Por conseguinte, o papel do STF é deliberar sobre questões constitucionais e não sobre situações políticas, essas cabem ao Congresso Nacional, se este zelo não existir corre-se o risco de haver uma judicialização da política, como muitos já apontam, o que seria comprometedor a independência e harmônia do poderes.
Por fim, como li certa vez, nas palavras de um criminalista e ex-ministro do STF, Evandro Lins e Silva, o direito quase sempre – ou sempre - representa os reflexos de um povo.
Daí, se este mesmo povo se apresenta maduro o direito segue pelo mesmo caminho,
contudo se o povo se desobriga de participar e se mostra hesitante ou apático,
o direito refletirá esse mesmo estado. As decisões emitidas pelos tribunais buscam sempre equilibrar o que está previsto nas leis e o sentimento médio da população. Afinal, não devemos esquecer que os
operadores do direito são humanos, demasiadamente humanos.
* O título foi inspirado na obra do filósofo alemão Friederic Nietzsche.