quarta-feira, 19 de setembro de 2018

FIGUEIRA ESTÉRIL



Quanta água e sais minerais
quanta seiva bruta se esvai.
Se a Figueira não dá frutos
Arranca-a!
Ocupa em seu lugar um cacto
ao menos, embeleza e traz sentido

Não se despreza a Figueira
e sim, o propósito
Não se despreza o Homem
e sim, o propósito 

Estar entre as videiras
é estar plantada em solo nobre
demanda: tempo e recursos
[aqui não cabe sentimentos]
esforços precisam ser retribuídos 
nutrientes são absorvidos 
atenção especial dispensada

Arranca-a! Queima-a!

Concedo-o um pouco mais de:
atenção
carinho
cuidados
nutrientes
seiva bruta
fotossíntese 

Novos esforços serão enveredados
se continuares estéril
serás morto e não ocuparás a terra inutilmente






José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

MILITANTE NUNCA MAIS!



Ela estava embaixo de um toldo velho e esfarrapado esperando a chuva diminuir. Era um sábado de inverno, chovia bastante e fazia muito frio. Luna havia acabado de sair da reunião de formação política do Partido Boa Sorte e as ideias e argumentos à pouco discutidas construíam e desfaziam reflexões, num frenesi consciencioso. As vivências do passado; a infância pobre no interior, as dificuldades, quando da chegada à capital, a dura rotina de estudo e trabalho, as experiências do movimento sindical do antigo trabalho, a leitura dos acontecimentos do presente, todo esse embaralhado de ideias fervilhavam na cabeça de Luna a ponto de não perceber que a chuva havia cessado.

Pam pam... a buzina despertou Luna dos pensamentos. Olhou para o interior do carro [parado na rua] por uma brecha do vidro do lado oposto ao do motorista e reconheceu Lázaro, um dos diretores do sindicato dos carregadores de pedra. - Vamos Luna, eu te dou uma carona até o terminal rodoviário do Bairro Inocente, onde Luna morava com outros dois, dos seis irmãos. Enquanto dirigia, Lázaro ressuscitava a fala do Deputado Distrital, Asteclides de Alencar Gomes Cardoso, proferida a pouco instante no evento do partido, a qual ambos eram filiados. Quando o Deputado clamava aos presentes da necessidade imperiosa de todos aderirem a uma postura militante mais atuante e assumirem novos sacríficos, pois não era mais uma causa de um grupo partidário e sim o chamamento a salvar o país dos poderosos, que oprimem a classe trabalhadora e entregam as riquezas nacionais aos governos e empresas estrangeiras.

Luna emprestava seus ouvidos e movia a cabeça maquinalmente de modo assertivo, dando a entender a seu interlocutor que estava atenta a tudo que era falado, contudo seus pensamentos continuavam a fazer conexões bem distintas das ideias de ajudar os candidatos do partido a se elegerem a cargos mais elevados na política. Luna começou a ser possuída por um sentimento semelhante ao de Thomé, quando os demais apóstolos declararam terem visto ao Cristo em um corpo materializado e esse diz, que somente acreditaria se pusesse suas mãos sobre os ferimentos do Cristo; ela se permitia duvidar de tudo, indo em alguns momentos mais além, questionando quem se beneficiaria das verdades postas no evento do partido.

Lázaro parou o carro, Luna desceu e sem se despedir caminhou reflexiva em direção ao terminal onde pegaria uma das três conduções do transporte coletivo até chegar a sua casa. Aquela noite longa e fria marcaria o destino daquela jovem, feito ferro em brasa ao marcar boi com as inciais do dono. Luna percebeu que a maneira mais eficaz de mudar o mundo, as pessoas, o sistema político, era mudando a ela mesmo. Se ausentou dos eventos coletivos do partido, ausência pouco notada pelos demais membros, que a cada novo contato para saber do afastamento da filiada se contentavam com os subterfúgios de Luna. E enquanto isso, ela se voltou para dentro de si, novas leituras de diferentes autores, diferentes linhas ideológicas e do mundo, ajudaram a abrir as janelas da mente e a fizeram caminhar em outras direções.

Trim trim trim.. O telefone toca e Luna atende. - Corretora sonho lindo, Luna, bom dia! Meu nome é Lázaro e estou ligando para renovar o seguro do meu veículo, como é mesmo seu nome? - Luna. Lázaro diz a atendente que conheceu uma Luna no passado e que ela tinha a voz muito parecida com a da atendente. Mas Luna nega ser essa pessoa. - Como o senhor pretende pagar, à vista ou parcelado? - Vou encaminhar por um assessor do meu gabinete um cheque no valor do seguro. Passado alguns minutos chega à corretora um jovem com um cheque emitido pelo Senador Asteclides de Alencar Gomes Cardoso e afirmando que este cheque foi encaminhado pelo Deputado Distrital Lázaro Anunciação Felizardo. Naquele instante Luna abriu uma nova janela em seus pensamentos.

Anos se passaram e num sábado de uma noite chuvosa e fria de inverno, Luna recebe em seu amplo e confortável escritório no bairro do alvorecer, na zona sul da capital, dois clientes que buscavam contratar os serviços da conceituada e exímia advogada para defendê-los da acusação de variados crimes, que reunia farta documentação, dentre eles: sonegação, peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro... Entram na sala ampla e arejada onde estava a advogada e percorrem com os olhos as paredes da sala, que reunia uma enormidade de livros e são recebidos com suave e sereno, bom dia. - Você é Luna, a militante do sindicato dos professores? 
- Desculpem-me senhores mais meu nome é Luna da Anunciação Luz e caso não se incomodem, vamos discutir sobre as motivações que os trazem aqui, pois dado o avançar da hora, importante se faz que adiantemos o tema, pois teremos muito trabalho pela frente para atenuar as acusações. 
- Desculpe-me, Drª Luna, mas é que a senhora me lembra muito uma jovem militante de opinião forte e oratória inquebrantável que conheci no passado.



José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

SANTIDADE




Busquem a Santidade!
E se para atingi-la 
precisares pecar,
não hesitem,
os santos também pecaram.

Perguntam-me: como podes asseverar?
Respondo: - porque sou um deles
"sejam santos, porque eu sou santo"*

Agora, detalhe, não atendo preces
nem inspiro pessoas,
que acendem velas para mim.





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


* 1 PEDRO 1:15-16



TRANFIGURAÇÃO

Eu já fui de esquerda
também já fui de direita
hoje estou sentado
entre os dois sentidos

Eu já estive embaixo
também já estive em cima
hoje estou a meia altura
cansa-me subir ou descer

Eu já servi à mesa
também já fui servido
hoje invento, preparo e como
meu próprio cardápio

Eu já acreditei em Deus
também já duvidei Dele
hoje acredito e duvido
sempre que ambos me beneficiam

Eu já fui romântico e fiel
também já sofri de Dom-juanismo*
e infidelidade
hoje amor e sexo são secundários

Eu já me pareci com você
também já tivemos divergências
hoje me olho no espelho e pergunto:
- quem é você?





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].


* Dom-juanismo - O uso desse termo no texto simboliza um dialogo passado, que mantive com uma amiga por quem reservo grande carinho e admiração. O termo se refere a síndrome de dom-juanismo ou doença de caetano é um transtorno caracterizado por necessidade compulsiva por sedução, envolvimento sexual fácil, mas fracasso no envolvimento emocional, sendo assim, determinada por relacionamentos íntimos pouco duradouros ou até mesmo inexistentes. A síndrome faz menção a lenda espanhola de Don Juan, jovem sedutor que assassina o pai de uma das amantes, tempos mais tarde, encontra uma estátua do pai da moça e, de modo zombeteiro, a convida para um jantar; o convite foi aceito pela estátua do pai da moça, neste instante o fantasma do pai chegara como espécie de precursor da morte de Don Juan. Segundo a lenda, a estátua pedira para aperta-lhe a mão e quando este lhe estendeu o braço, foi por ela arrastado até o inferno.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

EU, SOPHIA E ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS



Uma tarde no shopping e lá vamos nós, eu e Sophia, para nosso cantinho favorito, a livraria. Ah, perdão, Sophia é minha primogênita e dia 10/09 faz nove anos. Chegada a hora de irmos embora, via de regra, ela me pede para levar um livro, olhei o exemplar e perguntei, porque Alice no país das maravilhas? - Ah, porque eu assistir ao filme e quero ler o livro, ou melhor, quero que o senhor leia comigo todos os dias algumas páginas antes de dormir. Como ainda não tinha lido a obra, num primeiro instante, imaginei que o livro era infantil, mas não é. À medida que, a leitura avançava, tive a sensação que o livro é uma crítica severa a razão vitoriana e a ciência moderna, ambas intimamente presentes em nossas vidas cotidianas.

A crítica presente em Alice, entendimento pessoal, se estabelece as regras racionais, seja na etiqueta, na poesia, na política, na moral ou mesmo no palácio de Buckingham¹. O livro nos conduz a assumirmos o protagonismo de Alice e nos depara com a seguinte reflexão; quando olhamos de um do ponto de vista interno, ou seja, dentro do mundo das regras, tudo faz sentido. Contudo na relação dialógica do indivíduo com o mundo, tudo não passa de loucura completa. Entenda nesta narrativa nosso mundo como sendo a Inglaterra, o mundo onde conhecemos as regras, onde tudo é "normal", e o país das maravilhas é o mundo do outro, do desconhecido e do "anormal".

Qual é o enigma de Charles Lutwidge Dogson, mais conhecido pela alcunha de Lewis Carroll? É o de que, há um problema de pensar o mundo a partir das regras do lugar onde se estar, pois as regras deste lugar não são universais e que, nesse caso, não podem ser aplicadas em qualquer lugar do mundo sem diferenças. Essa é a grande loucura que Alice, e quem se coloca no lugar dela, percebe ao tentar usar as regras racionais e familiares [da Inglaterra] em outro mundo.

Ouso afirmar, que esse é o sintoma mais característico da modernidade, acreditar que no instante em que descobrimos uma verdade, ela pode se espalhar e ter aplicabilidade pelo mundo. Essa foi a premissa que estimulou o processo de colonização na África, Ásia e América; o que se estabeleceu com os povos desses continentes é prova da supremacia desta premissa que serviu de base ao colonialismo. Se pegarmos alguns exemplos do predomínio deste pensamento, poderíamos apontar o uso de roupas quentes em regiões frias como a Inglaterra e a crença que se pode aplicar o mesmo modelo em regiões não tão frias, na mesma toada, podemos apontar o chá das 17:00 na fria Londres e a aplicação em Nova Deli, na Índia. Ou ainda, a implantação salvacionista no Brasil de teorias, pensamentos, ideias e valores importados de nações estrangeiras, ignorando as distinções e particularidades.   

Com base no exemplo acima, a razão de ser dos hábitos, vestimentas e valores seriam universais e abstratos, bem como independe das condições histórico-espacial-cultural em que as realidades estão imersas. Isso é loucura! Gritou Alice dentro de nós. Essa loucura somente não é percebida por aqueles que, assim como a irmã de Alice, estão lendo livros onde não tem a presença de diálogos nem figura, por conseguinte, é um livro de teoria, algo bem diferente de livros com personagens, histórias, fatos e acontecimentos, tipo um romance, pois o romance ele oculta, disfarça, mimetiza a vida.

A Alice do país das maravilhas se interessa pela vida e não pela teoria, e, é justamente por isso, que ela vê o coelho branco passar, do contrário, se ela estivesse imersa no mundo da teoria, jamais teria visto o coelho passar. E, digo mais, ela não teria se lançado em outro mundo, não teria experienciado outras lógicas, outra razão, que isolada nos próprios mundos fazem sentido, todavia quando se relacionam com outros mundos, não passam de meras loucuras.

No final do livro, quando os guardas vêm prendê-la, ela diz: - vocês não passam de um bando de cartas! Pergunto a você: - qual o valor de uma carta qualquer num dado baralho? Acertou! A resposta é justamente esta: - depende do tipo de jogo e de como são as regras, ou melhor, de quem as criou ou de quem pode alterá-las. Agora, vem a provocação, em um jogo onde alguém cria as regras, pode-se dizer que esse jogo é neutro? Não se ofenda com o que vou falar, mas a imparcialidade é uma mentira. O jogo é ganho na racionalidade do próprio jogo.

Ainda sobre regras, jogo, imparcialidade, faço-lhe uma nova indagação: - à medida que, alguém [indivíduo ou grupo] conhece bem as cartas, estabeleceu as regras e se põe a jogar, o outro jogador pode sair vitorioso? Não precisam me responder, suponho que tenhamos respostas análogas, afinal o outro jogador somente pode ganhar se agir igual Alice, a saber, tirar o nariz do livro sem imagem e diálogo [teoria] e colocar o nariz na vida, na concretude da existência. A primeira vista, parece um trocadilho ingênuo, comparado com o julgamento açodado que o livro é infantil, porém ele mostra o avesso de uma realidade, que ainda hoje nos causa assombramento. Que a racionalidade não é o melhor dos mundos, pois fora instituída a partir de uma lógica. 

vejamos outro exemplo, vamos pegar o colapso financeiro da Grécia. Pergunto a você amigo leitor, que fez o FMI² se não impor regras [racionais] para aquele país e o mundo seguir? Fato semelhante se observa, quando o MEC³ impõe uma Base Nacional Comum Curricular para o país. Aqui, ainda ouvimos ecos de Alice, acreditando que as regras da Inglaterra [seu lar, o lugar de onde se fala e pensa] poderia se aplicar no país das maravilhas, e, nesse instante podemos rir com ela e dizer: 

- Isso é loucura!

Voltei-me para Sophia e expus de modo simplista a discussão acima e ela me respondeu: - Pai, isso é apenas uma estória, nada disso é de verdade, não é real, o senhor está falando como se nós estivéssemos dentro do livro e Alice estivesse aqui em nossa casa. Parei por um breve instante, sorrir e pensei; estamos no mesmo jogo, usando as mesmas cartas, porém nossas regras [razão] não são as mesmas. 

Voltei-me novamente para Sophia e lhe disse: 
- Boa noite e lembre de rezar! Apaguei a luz do quarto e fui me horizontalizar no sofá da sala, fiquei ali, quietinho, a pensar um pouco mais sobre, Eu, Sophia e Alice no país das maravilhas.

  


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banese com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador de SPNDLR [síndrome patológica de necessidade diária de leitura e reflexão].

       

¹ Palácio de Buckingham - é a residência oficial e o principal local de trabalho do monarca do Reino Unido.

² Fundo Monetário Internacional - Em tese é uma organização internacional criada com a intenção de promover a cooperação monetária internacional, garantir a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover o alto nível de emprego e o crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo. 

³ Ministério da Educação e Cultura - Órgão do governo federal brasileiro, que trata da política de educação nacional em geral, compreendendo: ensino fundamental, médio e superior.