domingo, 7 de junho de 2015

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DO BAIXO SÃO FRANCISCO




Nobres alunos, senhoras mães e pães de alunos e toda comunidade em geral, é de conhecimento de todos, que desde o dia 18/05/2015 os professores da rede estadual de ensino paralisaram as aulas como forma de não deixar vilipendiar um direito legal garantido a toda categoria de professores.

Sabemos dos transtornos ocasionados pela suspensão temporária das aulas, sabemos também que educação é um direito social garantido à população em geral, porém é preciso deixar claro que é dever do Estado fornecer educação pública e gratuita, e, quando esse direito é negado devemos cobrar do Estado e não dos professores, pois esses são apenas executores desse serviço. Daí, não devemos aceitar as notas divulgadas pelo governo na mídia tentando responsabilizar os professores, como se esses fossem os responsáveis pela falta de aula nas escolas estaduais.

Vale ressaltar, que no ano passado, quando estávamos em greve para defender nosso direito, o governo encaminhou para assembleia da categoria um projeto que previa pagamento a partir de janeiro deste ano do nosso Piso Salarial [leia-se reajuste salarial] e tal projeto foi aprovado pelos 24 deputados estaduais, todavia o governo não cumpriu com o prometido, desrespeitando o projeto sancionado pela Assembleia Legislativa do Estado, impondo uma condição ridícula aos deputados que aprovaram o projeto e, de quebra, ainda se esforça para colocar a população do estado contra os professores.

O governo do Estado alega que não tem recursos financeiros para pagar o Piso dos Professores, mas não apresenta os números da arrecadação do estado, enquanto o Sindicato dos auditores do estado, que possuem informações sobre a arrecadação do estado, emite opinião diferente, de que o Estado de Sergipe tem sim condições de pagar não somente aos professores, mas aos outros trabalhadores das diferentes secretarias do estado.

Nota-se que o problema é falta de gestão das contas do estado, pois há muitas pessoas com altos salários, incompatíveis com o trabalho prestado, há pessoas desviadas de função e muitos apadrinhados alojados em cargos de comissão, também recebendo salários elevadíssimos. Enquanto, as escolas necessitam de reformas, os laboratórios de informática e de química necessitam de equipamentos e materiais, faltam alimentação para os alunos, inclusive, pasmem, mas faltam até pessoas para prepararem o alimento escolar, as salas de aula com alunos além da capacidade permitida, fato que prejudica o trabalho dos professores e o aprendizado dos alunos.

Diante desses fatos, pedimos a compreensão dos alunos, dos pais de aluno e dos diferentes setores da comunidade para que nos apoiem. Pedimos também que não enviem seus filhos às escolas, durante o período de greve, pois sabemos que existem também professores convidando alunos a irem à escola, motivados mais por interesses pessoais do que pela preocupação com os alunos, além do mais sabemos que é impossível se trabalhar com uma disciplina apenas, na verdade, este comportamento é revelador de pessoas ególatras, descomprometidas com as causas coletivas e caminha na contramão do exercício da cidadania, algo tão caro e que nossa comunidade necessita, quando deveriam era seguir a máxima corvus oculum corvi non eruit*.

Não existe teoria, seja ela ideológica, educativa, revolucionaria, cidadã, sem que essa seja acompanhada da prática transformadora. Afinal, é com o exemplo que tornamos concreto nossos sonhos, é do exemplo que necessitamos no dia a dia, pois a palavra convence, contudo é o exemplo que transforma. Nós professores não devemos usar as salas de aula para falar de cidadania, de democracia e negar a prática cotidiana. Nós cidadãos sergipanos que reclamamos diariamente da falta de direitos, não podemos condenar nem negar aos professores a garantia de lutar por um direito assegurado pela nossa carta magna, a Constituição Federal, por isso, pedimos que compreenda nossa luta e apoie nosso movimento grevista, pois estamos diariamente auribus teneo lupum** .

Vivemos em um estado legalista, onde as pessoas tem direitos e deveres e o descumprimento dessas normas gera punições e não é novidade para ninguém que, enquanto cidadãos, somos punidos amiúde. Nessa relação, o Estado também se reveste de direitos e responsabilidades, ou seja, se o Estado não cumpre com seus deveres o mesmo deve ser responsabilizado, problema é que nossa sociedade tem perdido a capacidade de fazer valer esse direito de responsabilizar o estado pelos descumprimentos dos seus deveres. Vamos provocar todas as esferas da sociedade e convocar uma Ação Civil Pública para tratar do tema.

O governo do estado, afirmo sem margem de erro, tem resistido a nossa demanda por saber que muitos de nós estamos habituados a perceber tudo como natural, retiram o terço dos professores na iminência de se aposentarem, depois de anos de dedicação à educação, e não fazemos esforço para manter esse direito histórico. É a velha mentalidade do "sempre foi assim", se moramos numa rua sem saneamento básico é porque sempre foi assim, se não dispomos de condição financeira é porque sempre foi assim, se somos miseráveis é porque somos "filhos de Adão". É preciso se indignar e não aceitar a naturalização das coisas, pois na esfera social tudo não passa de convenção e conveniência, daí vamos apresentar nossa condição e contribuição à sociedade.

Professores, vamos nos unir, igual uma corrente, que se constitui forte a cada elo. Não podemos ceder a ameaça  do corte salarial, antes um mês sem salário a uma vida inteira de salaŕio medíocre. Antes um mês sem salário a uma vida inteira sem dignidade; antes um mês sem salário a ser um educador apático, antes um mês sem salário a ver nossos alunos recebendo uma educação desnecessária e incapaz de influir na sua condição social e humana.









José Ailton Santos - Professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, leciona nas cidades de: Cedro de São João e Propriá.










* corvus oculum corvi non eruit - significa, um corvo não arranca o olho de outro, essa frase se refere ao comportamento solidário entre pessoas semelhantes, ainda que seja apenas fingimento.
** auribus teneo lupum - significa, segurando um lobo pelas orelhas.

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