Discretamente, olhava-a de longe.
Estava distante, no entanto, atento.
Ao tempo em que meu olhar
[feito flecha certeira]
atingia o alvo, isolando-a por inteiro
de tudo em volta,
brotava em mim um sorriso doce,
próprio dos humanos que são tocados
por uma das setas de Eros*.
Até aquele momento
não havia reparado
quão grande era sua beleza.
Foi um acontecimento de instantes:
repentino, arrebatador...
estava sentada em um assento
junto a outras pessoas
e, por trás, como pano de fundo
havia uma pintura enorme
que retratava um cenário bucólico.
A coluna ereta
elevava, às alturas, seus cabelos
[negros como a noite]
que desciam serpenteando,
suavemente, envolto ao pescoço
até encobrir um dos seus seios
[feito cobertor que aquece um casal enamorado].
Suas pernas cruzadas
ressaltavam,
para além de volumes e formas,
uma beleza jovial e sedutora,
própria das deusas.
Enquanto suas mãos
repousavam
[doce e afetuosamente]
entre os joelhos e coxas.
Não mais preciso revelar
quão envolto naquela atmosfera estava.
Seus olhos
[negros feito noite sem luar]
pouco revelavam sobre tamanho encanto
e unia-se em contraste ao sorriso,
belo e fugaz,
que elevava suas maçãs da face.
Quanto aos lábios?
Ai de mim!
Respiro profundo e longamente
só em lembrar.
Eram suaves, macios
e se tocavam calmamente,
como se desejassem
me revelar qual a cor do paraíso.
Sua voz?
Dada a distância
[espacial e temporal]
não a ouvi,
apenas uma vaga ilusão do entoar
da sua voz ao meu ouvido.
Todavia, a julgar pelos traços faciais serenos
e pela alegria do falar,
estou certo,
era semelhante um cântico de Euterpe**
ou um cântico de Orfeu***.
Subitamente,
alguém gritou em direção a ela:
- Afrodite! Afrodite! Vamos!
Ela ergueu-se e se foi
[partiu]
deixando a pintura no mural,
a tarde e eu,
melancólicos e sem brilho.
Aquela jovem deusa:
não a tenho,
nunca a tive
e, possivelmente,
jamais a terei.
Dela,
restou-me apenas uma coisa
[uma pétala]
que guardo e guardarei por todo o sempre,
dentro de mim,
ecoando em minha mente e meu peito.
Seu nome [Afrodite].
* Deus grego do amor.
**É a musa da poesia lírica e tem por símbolo a flauta. Ela é uma jovem, costumeiramente, representada coroada de flores e tocando o instrumento por ela inventado.
***Na mitologia grega, era um poeta e músico, filho de Apolo e da musa Calíope. Era o músico mais talentoso que já viveu; quando tocava sua lira, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo.
[José Ailton Santos]

UAU' Quão poetico e erótico ta isso aqui, mas ao mesmo tempo de muito bom gosto... Só acho q no lugar de usar o verbo no infinitivo: "ouvir" , caberia melhor o verbo conjugado no passado, uma vez q se tenha querido dizer que: "(eu) não a ouvi" ..... PARABÉNS o OlharPanoptico tem sido muito bem alimentado e eu amei as notinhas*** sobre a mitologia grega!
ResponderExcluirSaudações, minha ilustre amiga Enaura.
ExcluirMinha fala, de agora, resume-se apenas em agradecimento aos seus parabéns em relação ao texto e a valiosa observação, quanto a conjugação verbal.