Um rei, preocupado
com a instrução dos filhos,
perguntou aos ministros:
- como posso tornar
meus filhos sábios?
Um, disse-lhe:
- um corpo precisa amadurecer
para gerar uma vida.
Um outro acrescentou:
- Uma planta precisa se desenvolver
para desabrochar
e gerar frutos e sementes.
Um terceiro, falou:
- uma mente precisa
saborear os anos
para entender certas coisas.
O quarto, falou-lhe,
com voz firme e pausadamente,
exibindo superioridade escolástica¹:
- uma mente para encher seu paiol
com os saberes das ciências,
para ver além da cortina de fumaça ²
e dessecar os mistérios ocultos³,
precisa ser temperada com
o calor dos verões,
as amenidades dos outonos,
o frio intenso dos invernos
e, por fim, a floração
e renascimento das primaveras.
O rei com ares de enfado,
olhou para o quinto e falou:
- e tu, que dizes?
O quinto, fitou-lhe, e ao receber
o olhar mútuo do rei, emitiu seu juízo:
- As palavras são infinitas
assim, como as ciências
a serem estudadas.
Todavia, a duração da vida
não é eterna
enquanto, os obstáculos
são infindáveis.
Entendo sua sincera reserva.
Afinal, de que nos serve
uma vaca que não procria
nem nos fornece leite?
Na mesma toada,
de que nos serve ter filhos
se não os forem sábios e piedosos?
Deste modo, não adianta os tê-los:
ricos
formosos
adornados...
se estes são ignorantes.
Antes, que estes,
nasçam e morram
ou resultem em abortos...
do que, escapando da morte,
vivam sendo estúpidos.
Aqueles*, causam dores curtas,
esses**, atormentam uma vida inteira.
O rei em frenesi, gritou:
- dou-lhe mil privilégios
se me deres o remédio cabal!
O quinto, retoma a vereda da fala
e em peroração, declara:
- não lhe vendo o remédio
nem por infinitos privilégios,
contudo, em curto prazo
entregar-lhe-ei seus filhos
versados nas ciências profícuas.
E, se por acidente, fracassar
renuncio ao meu nome***.
Os filhos do rei, o sucederam
e prosperaram salomonicamente****
ampliaram a glória dos dias passados
e trouxe concórdia ao reino,
como nunca se viu em alhures.
Os livros que os doutrinaram
estão mortos e sepultados,
por setenta vezes sete¹¹ palmos
de camadas de mentiras
que, ao longo dos séculos,
foram convertidas em verdades.
José Ailton Santos
• - inspirado no Panchatantra: o’ cinco series de cuentos orientales
¹ - Escolástica foi o método crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias no período dos séculos IX ao XVI, que surgiu da necessidade de responder às exigências da fé, sendo mais um método de aprendizado que uma teologia.
² - expressão empregada para denotar um olhar que enxerga além dos formalismo, um olhar que percebe as intenções e inclinações.
³ - oculto é um termo alegórico para distinguir o saber que escapa a incredulidade e à ignorância, visto que, se apoia igualmente sobre a ciência e a fé.
* - recurso linguístico para se refere aos seres que nascem e morrem.
** - recurso linguístico para se referir as pessoas estúpidas.
*** - espécie de ultraje pior que a desgraça e a morte.
**** - Referência à Salomão, rei dos hebreus, que é considerado sábio e criterioso, reverenciado por ter sido um governante sábio e justo. No texto serve de referência para quem busca se inspirar nos ensinamentos e nas qualidades desse rei.
¹¹ - Analogia ao texto bíblico dos livros: Gêneses, 4,23-24 e o livro de Mateus, 18: 21-22, dando a ideia de um perdão infinito, já no texto ora apresentado a expressão visa dar uma ideia de que a essência da verdade é inalcançável.