quarta-feira, 26 de outubro de 2022

LULISMO: DAS ILUSÕES SOCIALISTAS À RETÓRICA DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA




Se pararmos para estudar a atuação da classe trabalhadora e dos partidos de esquerda no Brasil ao longo dos últimos 20 anos do século XXI [não pretendo recuar ao nascimento dos partidos e suas rupturas] vamos perceber um erro comum ao longo das duas décadas, a saber, a construção de mitos ou o que poderíamos chamar de lideranças carismáticas, ou como preferiam os soviéticos, culto à personalidade. O que se depreende desse erro? A resposta a essa pergunta é a consequência direta no teatro político da inapetência as progressivas conquistas sociais e à democracia. Logo, se há presença de culto à personalidade seguramente não há democracia, pois umas das características basilares das democracias é extirpar os mitos, e quando não o faz, ao menos cria as condições para que esses sejam exprobrados.


Para não fazermos uma narrativa cronológica extenuante, vamos fotografar o momento presente, mais exatamente, as eleições presidenciais de 2022, onde a classe trabalhadora por se perceber sem espaço político, sem conquistas na esfera dos direitos trabalhistas e percebendo que suas aspirações são cada vez menos compatível com os interesses do grupo hegemônico no poder, aposta todas as suas fichas em um jogo viciado de soma zero. Se no passado não tão distante, o líder maior da classe trabalhadora demonstrou muitas vezes coragem e disposição para o sacrifício em nome dos ideais da classe, desprendimento pelos melífluos do poder e do conforto material; essas características não só demonstrava um traço impressionante da sua personalidade como o tornava um revolucionário singular. Era o São Jorge de espada na mão a combater o dragão do capital que explora, oprime e torna a sociedade desigual. Todavia, esse líder inegavelmente pertence apenas a moldura política e história do século passado do país, pois o século XXI igual uma nova estação fez o nosso personagem abandonar as vestimentas ideológicas da estação passada e usar roupas apropriadas para a estação atual.  


Os erros [e não são poucos] graves cometidos pelo principal partido de esquerda e pelo seu principal líder, nas quase duas décadas de governo, não serviram para uma reflexão a respeito dos equívocos na condução da política nacional. Nos últimos seis anos em que esteve fora do governo do país não se viu nenhuma autocrítica, nenhum reconhecimento a nível nacional dos erros praticados na condução da nação, bem como qualquer menção ao afastamento dos ideais da classe apoiadora do partido aos longo dos anos. Além dos erros enquanto governo, ainda se pode ver um desacerto em não ter apoiado em 2018 um outro candidato também de partido de esquerda, insistindo num esforço hercúleo em manter viva a figura do líder maior, impedido de disputar as eleições. Situação que fez surgir no cenário nacional uma outra figura mitológica, carismática - ou se preferir - um novo culto à personalidade.


A esquerda brasileira aceitou a camisa-de-força do imobilismo e se rendeu ao fenômeno sócio-político do Lulismo, ao invés de se convencer que é impossível seguir sem fazer a autocritica, sem reconhecer para a sociedade brasileira os erros de condução da política nacional, os graves escândalos de corrupção, a falácia retórica da distribuição de renda, a falta de habilidade para construir sucessores, a dificuldade de criar laços e parcerias com os diferentes segmentos da economia do pais, em especial com as camadas populares, priorizando o atendimento de grupos particulares. A verdade é uma só, esqueceram de guardar dois lugares - um para a classe trabalhadora e outro para os setores produtivos e estratégicos da nação - na mesa farta onde priorizaram os acordos e conchavos financeiros estabelecidos com as siglas partidárias e com grupos particulares restritos, mascarado pelos discursos da governabilidade do pais. O fruto suculento por fora escondia o apodrecimento por dentro.


Chegamos em 2022. Estamos na iminência da escolha do novo presidente do pais e o que assistimos nesse período de escolhas no segundo turno das eleições são: alguns incrédulos ao papel que a esquerda se presta, ou seja, é típico paciente que fuma, bebe e pratica todos os excessos, enquanto ignora o avanço da doença que apodrece um membro do corpo; e outros xilocainados gritam palavras de ordem como se robôs fossem. O pior dos males é perceber que o culto a personalidade, fez com que Lula passasse a se ver como uma estátua, e, como bem sabemos as estátuas são irretocáveis. Mas, convenhamos, a Lula não falta a curiosidade espontânea dos intelectuais e a modéstia para aprender com especialistas os temas que ele não domina, claro que tudo isso convergindo para o edifício da sua imagem pessoal; afinal ninguém tem mais vocação para a arte política que ele. Se por um lado a arte política se fundamenta na teoria, é na ação que sua natureza se revela. E foi nessa mesma ação que o Lulismo se enraizou no pais, um mérito particular, pois essa habilidade não se adquire nos livros, pois requerer vivência e intuição. 


O erro do partido foi não ter criado condições para interromper esse culto a personalidade, criando mais praticas democráticas dentro do partido, quanto ao erro de uma fatia expressiva da população do país foi ter aceitado ser colocada em segundo plano, quando deveria ter priorizado acima do culto a pessoa mais participação na vida interna do Brasil. O fundamental aos partidos de esquerda - imediatamente após as crises dentro do partido do governo e dos equívocos na condução da nação - era ter desenvolvido uma nova linha política e não tentar defender o indefensável ou gastar esforços para combater o crescimento dos partidos de vieses mais conservadores.


Caso Lula seja eleito para presidente da republica vai ratificar a máxima: nem sempre o vencedor é quem ganha. Porque convém afirmar que a vitória nas urnas não representa a vitória da esquerda ou da classe trabalhadora, porque quem sairá vencedor é o Lulismo, o culto à personalidade, a cristalização de um mito, o que simboliza o enforcamento da democracia. O governo Lula será de composição ainda mais heterogênea que os governos anteriores, certamente, terá que se descaracterizar ideologicamente de forma ainda mais intensa e fortalecer o apego à aliança com os setores dominantes do país [do ponto de vista do poder] e, por fim, subordinar os interesses táticos dos partidos de esquerda e da população nacional a essa aliança.


Os quatros anos de governo serão de puro engessamento das reformas estruturais e essenciais ao desenvolvimento e posicionamento global do Brasil, será um governo de conveniência e leniência, com permanência ou agravamento de situações já vividas, além de ser o fato gerador do apodrecimento dos quadros dos partidos aliados, pois o Lulismo é semelhante à sombra de uma mangueira, não sei se todos sabem, mas embaixo dessa árvore não nasce nada, pois ela bloqueia a luz solar impedindo as plantas menores de realizarem a fotossíntese, essencial a vida. 


Uma saída viável, não falo apenas para os partidos de esquerda, mas para aqueles que desejam destruir a estátua, para aqueles que desejam descontruir o fenômeno do Lulismo, será conseguir diversificar por dentro os partidos, reunindo o maior número de grupos e correntes distintas que tenham relação direta com as camadas populares e setores produtivos e que sejam capazes de estabelecer diálogos com os diferentes, catalisando as múltiplas pautas de um Brasil plural e de pautas tão extensas. Por conseguinte, o partido que conseguir lograr êxito em conciliar interesses distintos e gerar resultados comuns, certamente, terá grandes chances de desenhar uma nova tela com cenário e personagens novos. 





José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe [UFS], Pós-graduado pela faculdade Pio X em História do Brasil, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Tiradentes [UNIT], ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais [ANBIMA], blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].



Nenhum comentário:

Postar um comentário