terça-feira, 5 de maio de 2020

ADÃO, ONDE VOCÊ ESTÁ?


Javé Deus chamou o homem: "Onde você está?" Ele respondeu: "Ouvi teus passos no jardim e tive medo, porque estou nu, e me escondi". Javé Deus continuou: "E quem lhe mostrou que você está nu? Será que comeu da árvore da qual lhe proibi comer?¹ Guardem essa passagem no oxigênio, pois vamos nos ater a ela mais adiante. Vejamos, os textos bíblicos, via de regra, são lidos pelos olhos da fé, algo plausível e uma forma aceitável de leitura, contudo há outras perspectivas de leitura, podemos citar a filosófica, teológica, histórica, antropológica, entre outras cabíveis e plausíveis. Aqui, convido-os a seguir por uma abordagem pouco ortodoxa, pois tem como intento trazer à luz do entendimento uma leitura a contrapelo, dizendo de modo simples, digamos que seja uma leitura às avessas. Todavia não pretendo extirpar a abordagem de fé de nenhum dos leitores, mesmo porque entendo ser algo extremamente individual e não tenho por hábito dar pitaco na cor da tinta da casa de ninguém. E mesmo que minha abordagem possa soar conflitante com o entendimento de alguns leitores, não busco convertem ninguém a minha religião, e, antes que gritem, vou logo avisando que também tenho religião, ainda que seja associada ao verbo religare, não confundam com o verbo relegere*.

Sabido é que, cada indivíduo [homem ou mulher], grupo social e a sociedade em geral, constrói e é construída por uma visão de mundo que lhe é peculiar, digamos que seja o seguinte, Deus cria o homem e o homem cria deus na medida que condiciona sua existência a crença Nele. Questiono, se o homem não reconhecesse a existência de Deus, suponho que Sua soberania estaria comprometida, não acham? Ainda que a existência não esteja condicionada a essa circunstância. Esse entendimento é particular deste autor,não o atribuo a ninguém ainda que haja quem compartilhe. Caro leitor, lembra da passagem que pedi para guardar no oxigênio, hora de trazê-la de volta. Quando Deus pergunta onde Adão está, Ele questiona a localização de Adão? Acredito que não, senão não seria Deus [oni-tudo, ciência-saber = saber de tudo] a perguntar. Acredito que se refere a perdição de Adão, a perdição não no sentido religioso e sim psicológico ou mesmo da identidade. Adão desaparece no campo da existência, da identificação, ele desaparece de si mesmo. 

Ouvi certa vez de alguém, não me recordo de quem, que nós estamos onde está nosso pensamento, por analogia Adão não se fazia presente porque seus pensamentos não estavam com Deus, ele experienciava uma nova forma de existência que desconhecia totalmente. Calma, essas palavras não estão no texto bíblico, mas declaro a você que me questiona, que como o texto sagrado não é escrito com sentimentos, ideias ou crenças e sim por palavras, uso as minhas para dialogar com as palavras dos tradutores, e quantos foram: hebraico, grego, aramaico, latim, alemão, voltas e voltas de traduções, até chegarmos as nossas traduções portuguesas do presente. Fico a pensar, quais palavras foram usadas por esses idiomas matrizes para representar as palavras, Adão, jardim do Éden, serpente, fruto e tantas outras palavras simbólicas? O fato é que algumas dessas palavras foram traduzidas e chegaram até nós relevando um entendimento claro e dominante, como por exemplo, o jardim do Éden se tratar de um jardim de delícias, de um ambiente imaculado. A questão é, seria isso mesmo?

As diversas interpretações dos intérpretes traz consigo mudanças semânticas que revelam mudanças de pensamento, significado e entendimento no curso da história da humanidade. Vou fazer uma outra observação da passagem bíblica, quando Adão e Eva comem do fruto nem a condição [nus] nem a natureza humana [originários do pó] se alteram, o que se altera é o olhar, a perspectiva em relação a como se vêem. Todavia, essa mesma passagem é entendida como primeiro pecado, como algo ruim, de aspecto negativo, pergunto novamente, será mesmo isso que a passagem quer nos revelar?

Vejamos, vou levantar outra questão da passagem contida no livro do Gênesis, qual seja, a criação de Adão e Eva e a relação desses com Deus. Entendo que há três modelos de criação operadas por DEUS no livro da Gênesis, os inanimados, que são inorgânicos, sem vitalidade e movimentos, sem reações [premissa válida, são o que são independente de tempo e lugar], os animados, que são orgânicos e reativos [agem de modo a perpetuar a vida; nascem, crescem, reproduzem e morrem] e os intencionados [semelhantes ao criador] os quais aponto como sendo Adão e Eva, ou seja, seres iguais a nós, seres humanos. Acredito que, aqui, cabe uma comparação para ajudá-los a melhor entender o que digo, Deus seria uma espécie de artesão, que ensaia o feitio de suas criaturas e atinge o ápice à medida que pratica [não vejam como menção herética, é apenas uma analogia]. Desse modo, somos o que poderíamos afirmar, a obra magistral do criador. E como tudo que por Deus foi criado, somos misto de bons e maus impulsos, somos constituídos de extremos, de contradições e não há aparentemente como sermos diferentes.

Tudo que Deus criou fez polarizado, nada define melhor as criações divinas que os extremos, acredito inclusive que a santidade [busca infinita] seja se estabelecer em harmonia entre esses extremos, continuarei esse raciocínio adiante, antes vamos a alguns subsídios para melhor fortalecer o que afirmo no início do parágrafo. Suponhamos que tudo que não é mencionado no livro do Gênesis como sendo criado por Deus, Ele já tinha criado anteriormente, mesmo porque, se assim não fosse caberia uma discussão ainda mais vasta, que teria como direção a intrigante crença de que algo pudesse existir anterior a Deus ou que não tenha sido por Ele criado. Isso sim, seria um absurdo aos olhos da fé, mas ainda assim plausível. Vamos a um exemplo para clarificar o que disse anteriormente. ""E Deus disse: "Quero que haja luz!" E houve luz. E Deus viu que a luz era boa e separou a luz da escuridão. À luz Deus chamou "dia" e à escuridão "noite""²  Assim como Deus criou a luz em oposição à escuridão, também separou as águas abaixo e acima do firmamento [céu], fez surgir terra em meio às águas, astros para separar o dia da noite, frutos permitidos e frutos proibidos, criou Adão obediente e em seguida criou Eva, que viria a ser a impulsionadora da transgressão [doravante, peço que vejam Adão e Eva como metáforas]. E ao final de cada criação, vem o sentimento do criador, expressado na seguinte frase, e Deus viu que era bom.

Convido o leitor que aguentou as tormentas das águas até aqui para continuar navegando. Permita-se entender que Adão simboliza, na passagem do Gênesis, um estágio no processo de amadurecimento da natureza humana, um instante na escalada rumo a plenitude do ser, Eva simboliza um instante diferente, mais avançado da criação, não à toa no relato do Gênesis ela foi criada em momento mais avançado em relação à Adão. Aqui, iniciamos a fragmentação da metáfora mítica de Adão e Eva. O momento simbólico da obediência de Adão e Eva é representativo da infância da nossa natureza humana, da criança ingênua e sem malícia, de uma moral vigente e não contrariada. Já o instante do comer do fruto, da desobediência, revela um despertar, revela uma criança que se põe adulta, que se descobre com um corpo que ganha novos contornos e acessórios, com reações antes não conhecida nem experienciada, a moral antes não contrariada, nessa fase se apresenta em mutação. Uma vez atingida a idade adulta não há meios de retornar a infância, do mesmo modo que não há meios de Adão e Eva retornar ao jardim do Éden, nem voltar a comer do fruto, "Javé Deus o despachou do jardim de Éden, para cultivar o solo de onde tinha sido tirado. Expulsou o homem e, ao nascente do Jardim do Éden, colocou os querubins e a espada de fogo, para vigiar o caminho da árvore da vida [Gn 3, 23-24].

Deus põe no jardim [acréscimo da metáfora da natureza humana] frutos que podem ser comidos e frutos que não podem ser comidos, acredito ser simplista demais a crença que frutos foram ali colocados para não serem comidos, e, ainda por cima, apontado sua localização exata. Poderiam simplesmente não serem postos ali ou plantados fora do alcance dos mesmos, não julgam pertinente? Vejamos, há meios seguros de se deduzir que o comer do fruto proibido simboliza o amadurecimento, a ruptura com um arquétipo vigente [uma espécie de paradigma] que os dominavam, enquanto que o comer é representativo da resistência que gera o despertar. O arquétipo é uma forma de conhecimento inconsciente [adormecido], que se modifica à medida que adquirimos uma percepção diferente, assumindo manifestações diversas, motivadas pela conscientização individual onde o arquétipo de manifesta³.


Há de forma repetitiva e claramente manifesta que tudo criado por Deus se faz mediante a fala, exemplo, "e Deus disse", "faça-se"... a única coisa que não fez Deus pela fala foi o homem, no texto há um entendimento manifesto que o homem foi modelado, ou seja, há uma ação diferente em relação as demais criaturas, aqui reside a diferenciação dos três modelos de criação exposto no quinto parágrafo. Ressalto, que a fala tem uma única função, justificar e convencer, inclusive comunica ao mundo a razão de ser das coisas, podemos ainda afirmar que toda fala é um sussurro do orador para si mesmo. Notamos que o impulso ético está presente em toda extensão do tratado mítico da criação humana, inclusive, foi posto como elemento constituinte em Adão e é esse impulso que atua de modo magistral sobre os gostos e costumes, ousadamente afirmo, até os dias atuais.

A obediência em Adão produz a moral, a malícia presente na serpente, provoca a fratura, a intenção encarnada em Eva. Logo, Adão e Eva são representativos das diversas morais existentes, bem como da ruptura, do que Nilton Bonder** vai chamar de maldade ou mais especificamente, de segundas intenções. Ainda segundo o autor, Adão e Eva [que simbolicamente associo a nós humanos] representa uma espécie de encruzilhada entre quem realmente somos e quem gostaríamos de ser/parecer. Assim, como Adão, somos impostores que nos escondemos em uma identidade que nos conduz [feito rio que corre inexoravelmente para o mar] a crises e exílios em nós mesmos, esse momento é representativo da pergunta feita por Deus, "onde você está Adão?"

Ao revelar a Deus que se escondeu por se perceber nu, estabelece uma questão dialética, como saber se quando estamos acordados não estamos sonhando? A resposta para a pergunta é a lucidez presente na própria indagação, ao se perceber Adão se torna lúcido, se torna desperto. O entendimento distorcido para essa passagem nos relegou uma relação negativa e doentia com nosso corpo, com nossa nudez. Contudo, sou do entendimento que Deus não recomendaria sufocar nosso impulso libidinoso, que não está ligado apenas com a nudez, pois do contrário, se esse impulso fosse negado ou reprimido estaria pondo em risco à vida, à existência, a presença de Adão. Se assim fosse, Adão e Eva estariam sós no jardim e continuaria ou não até nossos dias, caso não amadurecessem, caso não atingissem a maturidade, caso não comessem do fruto não chegariam a fase adulta, não chegariam as segundas intenções, as malícias, não despertariam a líbido, não dariam seguimento ao mandamento máximo dado a matéria, "crescei e multiplicai-vos". 

Espero que ainda estejam de olhos [da mente] abertos, pois vou afirmar algo duro aos olhos da fé, no Gênesis não há espaço para um mundo sem maldade, malícia, segundas intenções, sem desobediência, pois Deus não concebe metades, seres incompletos, somente o todo e o todo é a junção dos extremos, da polarização, da luz e da escuridão, da terra e das águas...notem que ao final da sua obra "Deus concluiu o trabalho que havia feito, e no sétimo dia descansou de todo o trabalho que tinha feito. Deus abençoou e santificou o sétimo dia, pois nesse dia Deus descansou de todo trabalho que tinha feito como criador", se o trabalho foi concluído não havia nada mais a ser feito e sendo Deus Onipotente, tem o controle absoluto de tudo, logo, imaginar que construiu uma obra falha ou defeituosa poria sua condição suprema novamente em questão. O que não é o caso. Mesmo porque se Deus desejasse que Adão e Eva não progredissem os teriam interrompidos, não permitiria que prosperassem, seguissem adiante, se o faz é plausível acreditar que há motivação para tal feito. Não acham? Todavia, não o permite sem uma contrapartida, qual seja, uma punição, um castigo.

Pergunto ao leitor, já parou para pensar por um instante, porque somente a desobediência é reprovada em todas as sociedades e em todos os tempos, diferentemente do homicídio, da tortura, do abuso sexual? Caso tenha ficado curioso, aconselho fazer uma pesquisa sobre o que afirmei e vai perceber que em diversas sociedades e em diferentes momentos históricos, vigorou por muito tempo a tradição, que os jovens só se tornavam homens, quando tiravam a vida de outra pessoa; vão descobrir também que vários governos praticaram a tortura para extrair informações de pessoas suspeitas [sobre esse tema não precisam buscam em sociedades distantes], a própria igreja católica praticou por vários anos a tortura nas inquisições e por séculos o estupro foi praticado por homens em crianças, serviçais e esposas; vão descobrir também que a pederastia e o casamento entre homens velhos com crianças foi praticado de modo regular, todas essas formas de violências e abusos foram praticadas com anuência ou passividade das sociedades em questão, porém desafio o amigo leitor a apontar uma sociedade, uma apenas, isso mesmo basta uma, que tenha tolerado ou aturado de modo apático a desobediência. 

Quando falo da desobediência me refiro em todos os âmbitos e esferas sociais, seja ela dentro das famílias, empresas, partidos políticos, credos religiosos, seitas ou na sociedade como um todo. Estou certo, não vão encontrar. E caso encontrem vão perceber como foram severamente extirpadas. Exemplo clássico da desobediência é O Diabo, Satã, Lúcifer [cada sociedade pinta essa figura com as cores da convencionalidade religiosa***] ao menos nas sociedades ocidentais de matrizes cristãs.  Qual o erro de Lúcifer, desafiar desobedientemente o poder hegemônico Daquele que tudo ver, sabe e pode. Ao se rebelar, o rebelado passa a ser chamado, visto e sentido de outras formas e olhares, onde o bom é quem faz as regras [DEUS] e quem as descumprem é o mal [Satã].

Satã, o desobediente, influencia outros que são acometidos do mesmo fim, são expulsos, são excluídos, são despossuídos [mera semelhança com pretos, pobres e "viados"]. Na mitologia mítica, Satã convoca uma assembleia para discutir formas de reconquistar aquilo que foi perdido, devido sua desobediência. Entre os demônios [daimónion - gênio, podendo ser bom ou mau] há sugestões de vários estratagemas, até que a proposta de Belzebu [depois de Lúcifer o anjo mais nobre] logra vitoriosa, o que ela propõe, um ataque insidioso buscando corromper as novas criaturas divinas: os homens****. Por conseguinte, a assembleia aprova democraticamente a proposta de Belzebu e, na ausência de voluntários, Lúcifer assume a tarefa pessoalmente. A atuação de Lúcifer é associada nas interpretações moderna à figura da serpente "Ela disse à mulher: é verdade que Deus mandou que vocês não comessem de nenhuma árvore do jardim? A mulher respondeu... não devem comer nem tocar nela, senão vocês vão morrer" [Gn 3:1-4].

A passagem da assembleia dos demônios é representativa, pois contrasta com a decisão unilateral de Deus em nomear seu filho [essa discussão se estabelece no Novo Testamento] comandante supremo do Universo, enquanto Satã nada decide sozinho, ao contrário, procura reunir os demônios e democraticamente [a expressão democraticamente se apresenta apenas para expressar a reunião de muitos] traçam uma estratégia para deporem o poder dominante. Sei que essa reflexão última não é fácil de ser digerida, mas tentem ignorar o valor que essas figuras tem no universo das mentalidades religiosas e apenas como um exercício de reflexão, avaliem o poder que essa obediência valorizada [representativa do BEM] fixa nas pessoas, grupos sociais e na sociedade ao longo de interpretações e mais interpretações, sobrepondo os textos de origem em diversas camadas, e o peso simbólico que a desobediência [representativa do MAL] fixa nos corpos e mentes docilizadas ao longo de anos, séculos e milênios. 

A escolha do texto religioso para tratar do tema da totalidade do poder e das suas ramificações no imaginário foi uma escolha arriscada, sei disso perfeitamente, mas serviu para exercitar uma linha de raciocínio recorrente em mim, entendo que algumas dessas questões devem ser discutidas, pois elas podem resolver situações não resolvidas, resolvidas em parte ou, o que é pior, escondida do conhecimento geral. Com impacto direto nas sociedades do presente, por exemplo, nas questões de gênero, sexualidade, papéis domésticos de homens e mulheres, relações de trabalho e práticas de justiça social. Ao trazer à baila, ao entendimento, um conceito de Adão associado ao masculino e Eva como feminino, do mesmo modo outras questões que ainda são tabus em nossa sociedade, podemos estar induzindo um entendimento que mais revela o pensamento e concepção do intérprete, tradutor, que propriamente a intenção do autor primeiro dos escritos originários, contudo esse olhar "interpretativo" fechado, que castra outras perspectivas tem triunfado e se mantém até os nossos dias atuais. E o que me preocupa, é a possibilidade desse olhar dominante e gaudioso poder estar nos conduzindo a um entendimento errôneo, limitado ou distorcido do seres humanos e do mundo. Se de fato isso ocorre, bem como enquanto persistir, o prejuízo para nós "não crentes" é não podermos mais entender o seu real significado e sim o contrário.

Franz Kafka em sua obra, o processo, nos expõe de modo romantizado as cercas de arame farpados que castram a liberdade dos corpos, um retrato perfeito da coerção, da falta de privacidade, do aprisionamento das relações de poder, enquanto que outro autor, Yuval Noah Harari, em duas de suas obras; Sapiens: uma breve história da humanidade e Homo Deus: uma breve história do amanhã, revela uma forma mais atualizada de coerção, a coerção estabelecida através de cercas imaginárias, aprisionando não mais os corpos e sim as mentes, os comportamentos. As formas de opressão não se extinguiram, elas se tornaram mais complexas e sofisticadas. Se o leitor me acompanhou até esse momento, peço que respire fundo para um mergulho final, na China os agentes de segurança [policiais] usam "ingênuos" óculos de sol que fazem reconhecimento facial nas pessoas, imaginem que em milésimos de segundos são revelados inúmeras informações sobre os cidadãos; eleições foram e certamente continuarão sendo ganhas [temos exemplos nos EUA e BRASIL] com propagandas direcionadas para públicos específicos, revelando as preferências das pessoas , filtradas por ferramentas de inteligência artificial que fazem uso de conhecimentos da neurociência comportamental e biotecnologia para fornecer a propaganda refinada, com efeitos ainda mais nocivos. Portanto, se as cercas de Adão cerceavam as vontades, as de Kafka os corpos e as de Harari cercam os perfis comportamentais, dizendo de outro modo, cercam nossas mentes. Não é o fim do mundo ainda, mas estamos vivendo um cenário muito próximo do narrado por Aldous Huxley, em seu livro, Admirável mundo novo*****.




José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe [UFS], Pós-graduado pela faculdade Pio X em História do Brasil, graduando do curso de Administração de Empresas pela Universidade Tiradentes [UNIT], ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais [ANBIMA], blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].



  

* Deixo a dúvida à título de curiosidade.
¹ Livro do Gênesis 3, 9-11.
² Livro do Gênesis 1, 3-5.
³ Carl Gustav Jung, psicanlista, em sua obra, os arquétipos e o inconsciente coletivo. 
** Nilton Bonder, rabino e escritor brasileiro, autor de vários livros, dentre eles, Segundas Intenções: vestindo o corpo moral.
*** José Roberto F. Nogueira, historiador, em sua obra, O diabo no Imaginário cristão.
**** Menção a obra Paraíso Perdido de John Milton.
***** Os autores e obras citadas no último parágrafo, peço desculpas ao amigo leitor, mas não vou conceder doses homeopáticas do conhecimento contido nas mesmas, busquem conhecê-las.

5 comentários:

  1. Excelente reflexão, fico imaginando o esforço e a autonomia por se permitir apresentar este estupendo tratado de ciências da religião com misto de antropologia anarquista, somente aquele que se conhece se mantém firme em suas convicções. Enquanto me deliciava com o agradável sabor das palavras fui me permitindo navegar em um imaginário que me reportou a cultura gnóstica e o entendimento de que este nosso mundo não é fruto do Deus dos puros espíritos, mas sim do Demiurgo,por isso somos eternos prisioneiros da matéria e desta forma impossível se libertar da presença diuturna do universo dos opostos. Estaríamos perdendo a oportunidade de aproximar os laços com o verdadeiro criador aquele que é indispensável para a continuidade da especie humana? Cabe perguntar o que seríamos sem a figura presente e indispensável dos grandes Avatares da traição? A desobediência assim como a capacidade de duvidar são valores inalienaveis concedido pelo criador. Estariam os gnósticos primitivos corretos ao afirmar que enquanto vivermos na matéria estaremos eternamente presos a este universo conflituoso? Somente seremos livres da dor, do sofrimento e da angustia quando formos abraçados pela morte perdendo a matéria e nos tronando espíritos livres, para os mesmos a única criatura que habitou este universo que não sofreu dos males que acometem a matéria foi Jesus Cristo por que não foi concedido em matéria mas sim em espírito, conscientes do sofrimento como algo inevitável cultura o conhecimento como caminho para alcançar a verdade passou a ser a principal e talvez a única máxima. Meu caro,d parabéns pela exímia capacidade argumentativa e pela oportunidade do banquete.

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  2. Minha leitura,minha interpretação...

    É sabido desde tempos intangíveis que somos a união de opostos em todas as esferas.Assim como os seres irracionais, possuímos vários habitat em um mesmo habitat.Seria correto aceitar sem questionar a premissa de que o homem é produto do meio?Não sei se todos responderia ou precisaria responder de forma igual a uma mesma pergunta por se tratar de opostos com diversidades,neste caso pra facilitar poderia me ater tão somente a Adão e Eva citado no texto,mas creio eu a complexidade ser maior que a aparência simplista da pergunta.Sabe,aparentemente todos parecem certos em seus pontos de vista e verdades.Aparentemente,somente!E assim sendo, a nós cabe escolhermos em qual"verdade"acreditar.São muitas as certezas,as palavras,as discussões construtivas,mas não há muitas certezas.Acima de Adão e Eva existe uma lei maior.Acima de Adão e Eva existe um código moral.Acima de Adão e Eva não existe espaço para conveniências,extremismo,o meu ponto de vista,o seu ponto de vista e o ponto de vista do outro.Para entendermos melhor sobre essa lei maior precisamos primeiro sairmos da nossa mediocridade,entrar no nosso quarto,trancar a porta,fazer silêncio e conhecer ao teu DEUS que não é diferente do meu, pois ele é uno.Se nós Seres Humanos nos encontramos desumanizados porque Deus seria humanizado?Se começas o texto interrogando e com a seguinte pergunta:Adão,onde está você?Eu trocaria pela seguinte pergunta:Deus,onde está você?Em resposta ele diria:estou ai dentro de você.Como instrumento de lapidação,eu e ele temos diálogos infinitos,saborosos,algumas vezes duros,outras horas mais leves.Todos os dias sou sua aluna e ele meu mestre.Aprecio as correções na mesma proporção dos ensinamos e dons conquistados.Eu amadureci e ele é o responsável.Eu me orgulho de perceber que com ele saio ilesa das armadilhas da vida.Deixe te contar coisas que você ainda não sabe,pra você vou liberar emoções.Já ouvi desaforos,já ouvi críticas que não merecia,já recebi e fui surpreendida com elogios tipo os que massageia a alma e aumenta o nosso ego.Já fui centro de fofocas de pessoas íntimas,mas não amigas.Já fui olhada de banda.Já fui julgada como insignificante ao emiti qualquer opinião por não ser fruto do capitalismo selvagem.Ainda sou duramente criticada por ser quem sou:Uma cristã convicta.Mas já compreendi que é offline que nos superamos de fato.O desprezo da meritocracia não me ofende em nada,ao contrato,faço dele minha arma de guerra:resistência.Dentre tantas desconstrução e certezas de quem sou,fracassaram em não conseguirem provar minha loucura no consultório de psiquiatria.Como poderia não acreditar em Deus?Espero que esses rabiscos que escrevo tenha muito a lhe dizer sobre essas situações,sobre mim e sobre Deus.Eu perfeita?Imagina!Eu santinha?Imagina!Perdi o juízo?Façam suas análises...diante das narrativas expostas te confesso, nada disso me tira do meu centro de equilíbrio,eu faço uso de vários antídotos.Não sou nem de direita,nem da esquerda,sou do centro e isso aplico pra tudo em minha vida.Não gosto de manipular e nem aprecio quem manipula.Gosto de ponderar o que ouço,de quem ouço e porque ouço.Aprecio o respeito e cordialidade,esses valores por sinal é fruto do meu sagrado.Não é estranho ser insuportável aos olhos daqueles que não suporta a Deus porque sou convencida do que sou,do que eles são e do que Deus propõe com essas diferenças.Respeito a todos, mesmo não fazendo parte do todo a qual estou sujeita.Gosto de ouvir histórias de superação,gosto de ouvir histórias de gente humilde,gente que mesmo mudando de pele,de status e aparência nos deixa transparecer sua alma.Gosto de gente que desperta em mim fome de alma,de vida,e de amor..ressalto com isso que ninguém é Senhor da verdade.E se achamos que somos detentores de alguma verdade ela só servem pra convercer a nós mesmo.

    Adriana Santos

    Obs:segue continuação abaixo

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  3. Sabe por quê?Fora da verdade sagrada todas as outras verdades são mentiras.Me perdooem os leitores ouvintes mas não estou sendo extremista com essa afirmação.Acredito eu que no campo espiritual o aluno nunca superará seu Mestre,somos todos amadores e coadjuvantes.Como aprendiz,sigo aprendendo diuturnamente com pessoas,com coisas e com Deus.Quero trazer a memória aquilo que me dá esperança:"Deus é o caminho a verdade e a vida"(João 14,6).Por outro lado, também respeito os contrários, pois a liberdade de expressão é um direito dotado de constitucionalidade,tendo garantias legais na jurisprudência porque me refutaria a questioná-la.Essa liberdade de expressão só precisa ser bem conduzida pra conciliar e conduzir muito bem os extremos e opostos, muito além de Adão e Eva.Por exemplo,quando afirmo que sou cristã é porque primeiro eu tive e fiz meu encontro com Deus,e eu posso muito bem fazer uso da liberdade de expressão sem ferir quem pensa o contrário.Ao afirmar que sou cristã porque ofenderia quem pensa diferente?Defender uma opinião não significa que seja necessário rebaixar uma opinião contrária,ou simplismente diferente.Respeitar a opinião alheia não anula a nossa.Ver é diferente de enxergar,talvez justique a falta de fé de São Tomé.Ver é superfície,já enxergar é olhar com profundidade,com conexão de almas.É tempo de travessia,é tempos estranhos,existe muitos vilões pra poucos heróis.Existe muita maldade pra pouca bondade.Existe  pouca fé e muito relativismo.São tantas coisas pra ressignificarmos,são tantos livros de vitrines e nas vitrines,as livrarias menos lotadas que estádios de futebol.Em tempos de pandemia são milhões nas lives e o livro sagrado lá de página fechada.A essência de Deus sempre será humildade,são tantos talentos precisando serem despertados,são tantas desordem precisando serem ordenadas...,tanta vida aqui dentro e por que só a do lado de fora importa?São tantos seres lindos precisando serem vistos e nós no apreço da cultura inútil.Se perguntas:Adão,cadê você?Deus responde:Silencia!.

    ADRIANA SANTOS

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  4. “Estou nu, e me escondi". Essa foi a resposta da criatura para seu criador. Como você mesmo diz, os textos bíblicos podem ser interpretados de diversas maneiras, analisando aspectos e pontos de vista diferentes. Por esses dias onde a verdade tem se perdido e a busca por ela tem sido ferrenha, ouvi uma frase – “toda verdade tem três olhares, a verdade de quem imputa, a verdade de quem defende e a própria verdade em si. Acredito que com as Escrituras aconteça algo semelhante. Existe a verdade da ciência, da filosofia, da religião [...] e a própria Verdade da Palavra. E como já antes afirmada todas são plausíveis para cada ponto de vista e argumentação. No entanto existe uma Verdade que sobrepõe todas as outras. Sendo assim, a resposta de adão ao seu Senhor seria analisada sob de várias óticas (sorte nossa).
    Esta nu para muitos causa constrangimento e a fala de Adão nos leva a entender isso. Ao se reconhecer nu se esconde. Seus olhos não foram abertos apenas para sua nudez. Muitos acham que somos mais verdadeiros quando estamos nus, e de certa forma sim. No entanto Adao não parece ser um homem que decidiu não se vestir, mas que ao desobedecer foi despido. E sua nudez enfatiza o que então estava oculto, sua humanidade. A desobediência/ transgressão traz a nudez, com a nudez vem o reconhecimento do homem e da mulher, Adão – Eva/ homem – mulher. A transgressão
    Não gera mudança de olhar apenas nos outros, ela gera mudança de olhar em nós mesmos. A transgressão de Adão gerou sua identidade.
    Os atributos de Deus são onipotência, onipresença e onisciência - todo poder, presença e saber é/está com Ele. Sendo assim, antes mesmo de formar o homem com suas próprias mãos e dá-lhe o fôlego de vida soprando em suas narinas e lhe presentear com livre arbítrio, Ele sabia que Adão transgrediria. Então Deus criou um ser transmissor para puni-lo por isso? Não. (não é Seu caráter) Criou um ser inteligente que consegue aprender e crescer em suas próprias transgressões. Então transgredir é bom? Vai depender caso saiba a diferença entre estar acordado e está sonhando, caso seja lúcido como você afirma no seu texto. Não devemos buscar tentar nos convencer do que é errado, pois isso é apenas uma acomodação da vida que nos leva a ilusões. ... CONTINUAÇÃO ABAIXO

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  5. Cristo quando esteve encarnado entre a humanidade foi considerado transgressor, defensor de desobedientes. Ele foi expulso, excluído e condenado à morte como subversivo. Na passagem da assembleia dos demônios onde é discutida e escolhida democraticamente a melhor forma de retomar o poder, embora contraste com a escolha unilateral de Deus não quer dizer que seja aprovável. um bom exemplo disso é o presidente atual do país eleito democraticamente pela maioria da população brasileira. A decisão de Deus, embora unilateral é feita de forma que contemple a todos.
    Veio a minha memória agora uma frase da carta de despedida do ator Flávio Migliaccio - "a humanidade não deu certo". E penso eu que deve ser o olhar de quem ver os mesmos erros se repetindo, sempre cercado com os mesmos temas, mesmos problemas, mesmas questões, processos que vão e voltam. Duas grandes forças que convergem todo tempo - O progresso, o avanço, a inclusão, a tolerância. E a outra destrutiva, de intolerância, de perseguição, de exclusão. Forças essas que estão sempre em oposição, tomando lugar uma da outra. E é fácil (talvez só para alguns) perceber essa última força se estabelecer em narrativas que levam pessoas a endossar esse discurso acreditando ser em nome da “moral” produzida pela desobediência de Adão. Uso do texto bíblico para expressar esses pensamentos provoca a minha mente uma reflexão nunca antes feita (creio que essa é uma das intenções do escrito). Não vejo a decisão “unilateral” de Deus se encaixar nesses critérios, no entanto vejo ser usada por pessoas que desejam manipular utilizando a fé de outras.
    A manipulação autoritária em ramificações de totalidade de poder tem por muito tempo levado ao aprisionamento não só de vontades, de coesão dos corpos, dos comportamentos, mas como você deixa bem claro ao citar vários autores, o aprisionamento de mentes o que de todas é a mais perigosa e mais cruel.
    "Escrever significa abrir-se em demasia" kafka
    senti isso aqui, magnífico trabalho!

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