quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

TERAPIA




Corpo horizontalizado no divã,
músculos e mentes livres de tensões
feito embarcação à deriva
minha vida transcorria
embalada pelo movimento das águas
num mar de palavras

já não havia as amarras,
armaduras e resistências,
do encontro primevo.

À medida, que as sessões fluíam
não via mais [diante de mim] a mulher
a me julgar [reserva interior]
e sim, uma mente lúcida
iluminada
a clarear regiões sombreadas 
em um navio acostumado com dias de Sol.

Ferida cicatrizada
luz onde havia sombra
nos (re)encontramos [longe do divã].
Recordo do jantar com sorriso peristáltico
estávamos elegantes, contudo informais.

Entre risos e teorias
uma porta, maliciosamente, se abriu
[neste exato momento]
pude ver traços humanos
na divindade.

Na porta, sutilmente, entreaberta
uma voz anunciava:
- assim como pacientes,
incitam
erotizam
fantasiam
sensualizam.

O que poucos não sabem
é que, a divindade
ao tratar o humano
pode se humanizar.

Pensamento se lança
a galope pelo mundo.
Olhares se cruzam,
silêncio gélido se instala.

A mão da terapeuta
desliza sobre a mesa 
e encontra a do paciente.
A cortina de fumaça se dissipa
e tudo se converte em luz.





  
  José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

UMA HISTÓRIA BOLORENTA



Não sou dos melhores analistas sociais, isto é um fato, nem tenho know how em história comparada dos povos e nações, contudo mesmo não o sendo me proponho a praticar e compartilhar minha análise do Brasil atual e suas enormes semelhanças com pecados cometidos contra a humanidade por outros povos em tempo e espaço diferente. Na mesma toada de Agenor de Miranda Araújo Neto, popularmente, Cazuza, "eu vejo um museu de grandes novidades" e, digo mais, com telas enormes de sangue, dor e sofrimento.

A chegada do novo presidente ao poder, levou a sociedade brasileira ao estado de ebulição máxima num estalar de dedos, a saber, temas como: redução da maioridade penal, armar ou desarmar as pessoas, prender ou matar “bandidos”, cortar ou não investimentos em áreas  aparentemente “obsoletas” e pouco rentáveis para o Estado; esses são apenas alguns dos temas que põe ainda mais calor no caldeirão já com níveis elevados de fervura.

Reduzir a maioridade penal é receita para fazer o bolo murchar? As crianças e adolescentes deixarão de estar na “crista da onda”, somente porque poderão ser encarceradas com menos idade? A gênese do problema da delinquência juvenil reside em pôr um marco temporal precoce, de quando eles podem ou não mudar de um regime prisional para outro? Peço desculpas aos que dizem sim a todos esses questionamentos anteriores, mas os argumentos que defendem a afirmação são muito frágeis para me convencerem a pensar me modo idêntico. Ah, sei o que vão dizer agora. E se um desses delinquentes menores de idade fizessem isso... isso... e isso...com você, sua mãe, sua esposa, sua filha? Como pensaria a respeito do tema? Respondo que não seria nada legal, todavia não vejo como reverter esses acontecimentos apenas com paliativos; câncer se combate não com paracetamol e sim com um tratamento intenso, profundo e agressivo direcionado ao agente causador da moléstia.

Vamos continuar nosso passeio e conversa, claro, sem perder a elegância e a civilidade no diálogo, pois com esses ingredientes podemos discutir até sobre política, religião e futebol. Quem deve morrer, policial ou bandido [espero que essa palavra/conceito não possa se restringir apenas aos negros, pobres, favelados... que abrace os bem-vestidos e com vocabulário e renda elevada]? Minha opção não vai na direção da polarização. Acredito que deve haver uma terceira via, onde ninguém precise morrer.

Vou trazer mais um elemento para exemplificar o contexto do Brasil atual e em seguida trarei as telas do museu de novidades para subsidiar meu epílogo a este texto. Sobre quem recai a tutela dos corpos e as inclinações da natureza humana dos indivíduos? Compete ao Estado? À Igreja? Aos cidadãos? Não sei se é do conhecimento de todos, mas cada um dos personagens [Estado, Igreja e Cidadão] são representados e sustentados por um modelo teórico que defende sua atuação soberana sobre o corpo e os usos adotados pelos indivíduos em sociedade. Detalhe, acredito que vivemos sobre a influência e fogo cruzado de cada um desses modelos.

Quando os Judeus foram enclausurados em guetos na Alemanha nazista, entre os anos de 1939 a 1945 - já sabemos os resultados não vou me ater aos horrores - a nação estava polarizada sobre afirmações e negações se era o caminho adequado ou não, a justificativa era de que seria uma medida provisória de controle, besteira! A verdadeira razão estava coberta por uma “cortina de fumaça”, a intenção de origem, a saber, era o extermínio da população de judeus da Europa. 

Permitam-me cavar ainda mais fundo, William Shakespeare, em sua obra O Mercador de Veneza, já apontava para a problemática social da discriminação e reclusão como solução para resolver conflitos sociais endêmicos. Quando Shylock [rico judeu] estipula que Antonio [mercador de Veneza e aval de Bassanio, que era seu amigo] assine uma caução que exigia uma libra de carne do próprio corpo, caso o empréstimo não fosse pago, é possível descobrir um retrato perfeito do Brasil de fuzil na mão, reservada as devidas discrepâncias. Na obra, o autor, narra o ódio entre dois homens de religiões distintas, revela uma sociedade em estágio de patologia avançada, esse pode não ser o real estado do Brasil, mas há muitas aproximações.

Recorrendo a outro exemplo literário, Bernardo Guimarães, em sua obra A Escrava Isaura, disseca uma moléstia da sociedade da época com maestria. Quando a sinhá Malvina se dirige a Isaura como se essa não fosse uma vítima dos senhores de terras bárbaros e cruéis, pelo fato dessa ser beneficiaria de boa educação, coisa que nem toda moça rica e ilustre da época obtinha. E, que pelo fato de ser branca e linda, não carregava em si o estigma do sangue africano nas veias. Isaura responde as justificativas sociais – representadas nos argumentos de Malvina - com uma simples profunda e certeira indagação, de que vale tudo isso se não passo de uma simples escrava? Ou seja, o alimento fácil e os cuidados do dono não representam ganhos superiores ao infinito céu azul para todos os pássaros, sejamos honestos, a gaiola não é a escolha dos pássaros e sim dos homens, que as justificam.

Vamos a outra tela desse museu de novidades. Quando ocorreram as guerras entre negros e brancos – Apartheid - na África do Sul dos anos 40 aos anos 90 e, de origem embriologicamente semelhante, aos conflitos por direitos civis nos Estados Unidos no período de 1955 – 1968, exigindo reformas que extirpassem a discriminação racial; ambos os exemplos ocorridos no século passado. A discussão orbitava no nível em que, as mazelas sociais eram consequências da tez de alguns em detrimento de outros, quando o que havia ali era uma disputa por poder, regalias e privilégios, sustentadas por omissões e negações de condições iguais a uma significativa fatia da nação que fazia “girar a roda”.

Não acredito que pôr armas nas mãos de um povo, reduzir a idade de punir para combater alguém que pratica atos violentos [já pensou na ideia de ser mais uma reação que impulso primevo, sugiro conceder o beneficio da dúvida], impor comportamentos, padrões e controles aos corpos e o uso que fazemos dele, sejam saídas para curar nossa nação da metástase social em que vivemos. Nosso povo precisa de educação [em sentido pleno], de princípios pétreos de equidade, ética e compaixão. Um bom governo não pode cobrar do povo aquilo que a esse mesmo povo não foi ofertado; assim como um pai não pode cobrar do filho que seja honesto, quando direciona mais pão a um que ao outro.

Torço que nos 100 primeiros dias do novo governo, ele possa usar o dinheiro que sobrou da ceia de Natal, não para comprar peru e espumantes com desconto e em demasia, e sim, compre pão para os famintos, roupas para os descamisados, chinelos para os descalços, cubra o teto das escolas, doe uniformes para militares e sem esquecer dos estudantes e valorize os professores. Oxalá, apenas uma dessas ações aconteçam, já me sinto contemplado.


José Ailton Santos - Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe, Pós Graduado pela Faculdade Pio X em História do Brasil, Graduando do curso de Administração de Empresas pela UNIT, ex-professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe, funcionário efetivo do Banco do Estado de Sergipe com certificação pela ANBIMA, blogueiro, poeta de ocasião e portador da SPNDLR [Síndrome Patológica de Necessidade Diária de Leitura e Reflexão].