quinta-feira, 16 de agosto de 2018

MACBETH, GÊNESIS E O HOMEM MODERNO


Já ouviram falar em William Shakespeare? Não! Bom, sendo objetivo, é um dramaturgo inglês que viveu alguns séculos atrás e escreveu algumas obras literárias. Uma delas intitulada, Macbeth, é uma tragédia que feito arauto contém em suas páginas a anunciação do homem moderno e seus dilemas, dilemas esses bem conhecidos no presente, pois nos levam constantemente as encruzilhadas existenciais. Ser ou não, fazer ou não, desejar ou dizer não aos desejos, eis as questões que saltam das páginas de Macbeth.

Shakespeare reveste de modernidade a narrativa de caráter simbólico-imagético do livro de Gênesis. Em Macbeth, as bruxas, associação da deidade; a profecia, que Macbeth será rei, simbolicamente, "crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra" [Gênesis 1:28]"; no outro extremo "contudo, não comerás da árvore do conhecimento do bem e do mal" [Gênesis 2:17], essa era a consequência do plano arquitetado por Lady Macbeth, comparativamente, Eva a convencer Adão. E, por fim, a dúvida recheada de desejo, Macbeth caminha sem firmeza na ideia se deve ou não matar o rei, associativamente, se deve ou não "morder" a maçã. 

Opa! Vamos devagar. Indaga o leitor, já as voltas, e que deve estar se perguntando: - e que tem toda essa narrativa que a ver com a lógica da modernidade? Respondo: - Tudo! Tudo meus amigos. Vejamos, doravante, sempre que mencionar Macbeth, entenda como se falasse sobre você, que por ora ler estas poucas linhas, quando mencionar o rei, entenda como seus propósitos e sempre que usar Lady Macbeth, entenderá as ideias contrarias que sempre nos acomete.

Macbeth está em dúvida se ele vai matar o rei, porque ele quer ser rei, mas teme as consequências, todavia Lady Macbeth lhe diz: - você tem medo de ser na ação, aquilo que você é no desejo. A discussão faz emergir a seguinte reflexão, quando nós ousamos desejar, nós nos tornamos homens e para nós atingirmos o que nós desejamos, temos que ser mais homens, ou seja, sair do plano do desejo e sair desse plano nada mais é que agir, a ação é que nos torna mais homens, eis a premissa moderna. Aqui, cabe explorar melhor esse conceito, nós humanos nos constituímos a partir do desejo, ser humano, por essa premissa, significa correr atrás dos desejos; assumi-los, entendê-los e buscar realizá-los. Aqui reside a lógica moderna da subjetividade. 

Quando o homem deseja, ele abandona o crescei e multiplicai-vos e marcha na direção do fruto do conhecimento, ele morde a maçã. E Macbeth mordeu a maçã, ele matou o rei e assumiu o lugar desejado, porém a ação gera consequências, assim como gerou para Adão/Eva, pois essas metáforas respondem pela lógica medieval, e qual seria, que só se é homem, quem é capaz de não desejar o que não deve. Por conseguinte, nesse preceito o que nos torna humano é a capacidade de dizer não ao desejo que nós temos e que é ilegítimo.

Essas duas lógicas estão muito presentes em nós até hoje, ou melhor, em Macbeth e Lady Macbeth. Afinal, ao matar o rei, Macbeth entra em estado de oscilação e a esposa assume o controle da situação, ela retira o punhal ensanguentado das mãos do esposo e o coloca em meios aos criados adormecidos pela bebedeira da noite passada, incriminando-os. Adão e Eva ao saciarem o desejo se veem expostos, vulneráveis, nus, "então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus"; [Genesis 3:7], os dois cobrem a nudez, mas com roupas frágeis, de modo semelhante, o espírito de Macbeth está inseguro, vacilante. Afinal, o que nos faz humanos, assumir o desejo ou negar o desejo?

A crise do matrimônio revela bem esse dilema. Uma parte da relação declara: - Você não pode me deixar! E as crianças? Isso é desumano! Ou seja, seguir o seu desejo, quando faz os outros sofrer te faz menos humano. Não obstante, podemos assumir o lugar de Lady Macbeth ou de Eva e argumentar o contrário, "e viu a mulher que aquela árvore era boa para comer e agradável aos olhos, e árvore desejável [humano] para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido [Macbeth] e ele comeu com ela [Gênesis 3:6], retomemos a discussão conjugal com um argumento contrário, qual seja, negar esse desejo também nos torna menos humanos, na medida em que, impomos um sofrimento a nós mesmos. Afinal, se a outra parte não for feliz, as crianças conseguirão ser?

As duas lógicas de pensamento se estabelecem onde reside o lugar do desejo. Vamos trazer outra mostra desse pensamento. Há uma noção presente na sociedade, que temos que ser uma democracia, pois esse é o melhor ou mais adequado sistema político. Será? Esse pensamento emana da vitória do sentimento, de que o ser humano é expressão do desejo, logo, ser cidadão é ser capaz de exercer seus desejos, exemplo, eu desejo votar em fulano e os outros partem do mesmo impulso. Daí, aquele indivíduo que não desejava o que não devia [pensamento medieval], passou a desejar e a sentir o gosto [fruto/conhecimento] do desejo.

Macbeth deve ter se perguntado: - é melhor viver esse dia, do que viver longos anos me perguntando como teria sido, se eu tivesse coragem de agir? O homem político moderno é o indivíduo que vai atrás de viver e realizar seus desejos, ele mata, rouba, mente, trapaceia... e a ausência de tudo isso traria uma ordem, porém ao olhos de hoje, uma ordem inútil. Dentro dessa lógica, Macbeth é melhor rei que Duncan, o rei assassinado. Oportunamente eu pergunto ao amigo leitor, você é do tipo que corre para realizar seus desejos ou é do tipo que diz não aos desejos?

Atenção! Atenção leitor, palmadas na face, não durma agora, já chegamos ao fim. Caso queram descobri que tipos predominam entre nós, abram os olhos [não os da visão, mas os dos desejos] e observem nossos candidatos nos debates, observem as relações que se estabelecem nos ambientes de trabalho, dentro dos diferentes lares, nos grupos de amigos...identifiquem quantos Macbeth, Lady Macbeth, Adão, Eva... estão em cena. Sim, um alerta, mergulhem em vocês e vejam o que vão encontrar, não precisam voltar para me contar sobre as descobertas, a mim, contenta-me saber que tenho me observado, estudado, compreendido e percebido como Shakespeare, faz tantos anos, sabia tanto sobre nós.



[José Ailton Santos] 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

JUDAS, TÃO GRANDE, QUANTO JESUS.



Foi com um beijo. Esse era o combinado. Não era com um indicador a apontar, não era com descrições, não podia ser por alguém alheio ao Cristo. O fato de ser alguém do convício social [íntimo], torna a tarefa ainda mais árdua, não há que se ignorar que entregar alguém com um beijo é invadir as entranhas d'álma. Ambos sabiam o que aconteceria, se o Cristo sabia antecipadamente não convém nem discutir, todavia certo é, que Judas também o sabia - quiçá não soubesse desde o primeiro momento. E se imaginar essa possibilidade é tarefa árdua, podemos afirmar que sabia desde o momento em que se viu inexoravelmente inclinado a tratar das condições da entrega, antes mesmo da noite do Getsêmani.

Na última refeição que fizeram juntos, Cristo anunciou que um entre os doze O entregaria. Era um jogo de cartas marcadas, melhor dizendo, com regras e ganhador pré-definido; negar isso, é negar a condição divina do próprio Cristo, é negar sua relação filial com o próprio Deus. Desde o momento em que Deus pediu a Abraão para sacrificar seu próprio filho que a paixão de Cristo se anunciava, o impedimento do sacrifício de Isaque se dar porque Abraão hesitou, a dor era intensa demais para suportar, o intento celeste era, talvez, apenas fazer sentir à humanidade [personificada em Abraão] a dor de sacrificar um filho. 

Voltemos a última ceia, o espanto somente não era surpresa para os dois ali presente, Jesus e Judas, os dois protagonista da maior e mais encantadora, enigmática e extraordinária história da humanidade. O papel reservado a Judas na trama, a traição, que será consumada, é por ele sentida no seu íntimo, feito imã, que a atração da polarização oposta por mais que se resista, não irá cessar até que se una ao pólo magnetizado. Por mais esforço em resistir que Judas realizasse, não conseguiria fugir do seu destino. Ele e Jesus, estão predestinados.

Aqui, caro leitor amigo, não se trata de crime doloso [com intencionalidade prévia, planejado] e sim dos destinos tenebrosos que por mais que se resista, regem a vida de certos homens mesmo contra suas vontades mais íntimas, contra sua razão e, por que não dizer, contra a própria salvação. O silêncio e tristeza era sentido, o tempo parecia ter parado, o sembante de Jesus e Judas ficou imóvel. Ambos se amavam. Judas absorto perguntou ao Cristo: - Tu sabes tudo, então porque não me impedes que vá? Diga que desejas que eu fique, pois Teu silêncio revela sua anuência aos nossos destinos. 
- Vou Te trair!

Judas sai da presença dos outros apóstolos, alheios ao diálogo com Cristo, e em monólogo dizia: - salva-me de mim mesmo! Afasta de mim essa dor e angústia! Arranca do meu peito essa dor e peso! Na presença do sumo sacerdote não tratou em valorizar o pleito, pois a negociação era feita apenas por uma das partes, o valor ofertado por saduceus e fariseus, antes adversários e unidos por um intento comum, representavam sentenças emitidas contra eles mesmos, o valor por eles ofertados, se converteria no custo a ser pago por eles no dia do "juízo final".

Ao beijar a face de Cristo, Judas selou o vil qualificativo que o acompanharia por séculos, até o momento presente, onde terá a sua disposição um neófito advogado de defesa. Se alguém abre a boca e diz: - Judas, o traidor! Eu o defendo das acusações. Judas, dentre os doze apóstolos, fora o único que não O abandonou, fora o único que observou com olhar pesado e angustiado o sofrimento do Cristo. Judas dizia para si mesmo: - Não basta que O entregue para o opróbrio, ainda me impõe assistir ao martírio? Que destino me reservastes!

Judas segue o caminho do suplício com Cristo, feito irmãos gêmeos que dividem o mesmo ventre, as vozes da multidão ecoam nos ouvidos de Iscariotes e naquele instante algo estranho lhe acomete, ele já não sente mais remorso, não sentia mais dor, não sentia mais desejo de vê-Lo. Judas olha em volta e apenas vê - não mais ouve - a multidão a gesticular expressões de ódio, de raiva e de prazer em apontar o Cristo ao seu destino na cruz. Se pergunta: - Como podem odiar Alguém a quem faz alguns dias receberam com ramos de oliveiras e gritos de Hosana?

Judas faz todo o caminho do cortejo ao lado de Jesus, em muitos momentos ambos se olham; não sentem nenhum tipo de sentimento negativo, pois se amam. São duas metades que formam um inteiro, um não existe nem existiria sem o outro. São personagens centrais de uma trama, apenas se entregaram aos seus papéis para que a plateia da humanidade se deleite e reflita sobre o drama da existência. Judas caminha paulatinamente olhando o corpo esfarrapado e ensanguentado, cheio de ferimentos e hematomas, as pedras pontiagudas que machucam os pés de Jesus, a cruz pesada que exaure suas forças.

Um último olhar de Iscariotes lançado sobre o corpo pendurado, preso por enormes pregos que prendem mãos e pés, a coroa de espinhos, que perfuram a carne da face. Tudo está consumado. Trinta moedas de prata, esse foi o preço pago por caifás e Anãs. Acha barato a paga, caro leitor? Cuidado, reconsidere, pois talvez esteja a pechinchar pagamento ainda menor no cotidiano, afinal somos especialista em levar vantagem. Mas, voltemos a nosso réu e a meu intento em inocentá-lo, Judas havia escolhido há muito o local onde abandonaria seu corpo, ademais sua atuação havia sido concluída, a tarefa fora executada com maestria.

Subiu ao cume de uma montanha onde havia uma árvore ressequida e solitária, ali prendeu uma corda a um dos galhos e enquanto trabalhava o nó, dizia: - Ouves, Jesus? Vê como são injustos e incrédulos para com Judas? Acusam-me de traidor, quando fostes eu apenas mais um cordeiro em sacrifício. Acolhe-me bem irmão. Vou para Ti para que voltemos à Terra abraçados como irmãos que sempre fomos. E saltou.

Doravante, mergulhem dentro de si e encontrarão, Judas e Cristo dentro de cada um de nós, pois metáforas que são, se convergem em cada um de nós nessa árdua caminhada em direção à santidade pretendida por todos nós. Quem de nós nunca perdoamos? Quem de nós nunca traímos? Quem de nós nunca partilhamos algo? Quem de nós nunca nos inclinamos a desejar o alheio? Quem de nós nunca pegamos a pedra e hesitamos entre, atirar no outro ou devolvê-la ao chão, pecadores que somos.

Judas, eu o inocento!




[José Ailton Santos]

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

REFRAMING

É melhor perder as sandálias
e andar descalços
que essas me perderem 
[e pertencer as outros pés]

É melhor o carro quebrar
e andar devagar, à pé, bicicleta...
que eu quebrar e o carro ficar guardado
[inútil]

É preferível que o prato caia e quebre
[desperdiçando o alimento]
a sofrer algo que me tire o apetite
ou impeça-me de voltar a comer.

É preferível que perca o dinheiro
a perder-me de mim 
[sem Eu não sou nada]

Antes perder os anéis 
[sinal de azar] 
do que esses perder os dedos
]recontextualização[

O importante não pega carona na rapidez
nem na lentidão dos passos
e sim, na direção que se toma.

Viver feliz
não é sinônimo de:
longevidade/brevidade
e sim, "como" se vive 
[consistência] 





José Ailton Santos