quarta-feira, 15 de novembro de 2017

SOZINHO À MESA



Nunca fui dado a beber sozinho.
Mas um dia desses, invulgar,
permitir-me experienciar;
nada sensacional!
não foi bom nem ruim
apenas, diferente.

Alguns pensamentos soltos,
o desejo por seres ausentes.
A mente sem arreios,
não harmonizava
e, feito equilibrista, ia do:
comum ao incomum
do certo ao errado
do sagrado ao profano.
Nada de freios e contrapesos.

Já passava das três taças
imergido no universo de Baco*
chego à certeza, que, há poesia em tudo!
Desde que não falte sentimentos.

A delícia e o castigo 
não são atributos exclusivo de Raskólnikov**
o teatro do julgamento celestial mitológico se resume em mim:
sou réu, sou acusador e juiz também.
Ah! Essa parte é a mais doce, ser juiz de mim mesmo***.

Eu faço o drama,
arquiteto as narrativas mais hedionda.
Contudo, sempre me absolvo!
Sempre, sempre, sempre...

Por gentileza, mais uma taça!



* É o conhecido deus do vinho, da ebriedade, dos excessos, especialmente sexuais, pela cultura romana, as festas em sua homenagem eram chamadas de bacanais. Já na cultura grega é conhecido como Dionísio, cujo mito é tido como mais antigo entre alguns escritores.

** Rodion Românovitch Raskólnikov - é um jovem inteligente, universitário, filho do seu tempo e personagem central da obra, Crime e Castigo, do escritor russo, Fiódor Dostoiévski.

*** Reflexão inspirada na obra, O cógido penal celeste, do escritor e Rabino, Nilton Bonder.



sexta-feira, 22 de setembro de 2017

BURGUESIA


No mundo há pobreza de toda ordem:
há pobreza de recursos [naturais]
há pobreza espiritual
há pobreza cultural
há pobreza ideológica
...
há pobreza financeiro-material.

Decididamente, não gosto dessa última.
As razões?
não porque cheira mau
não porque são maltrapilhos
não porque nos olham estranhos.
Mas, porque nos mostra
como somos em essência,
como seríamos sem:
máscaras
cremes
perfumes
...
sem vestimentas.

A pobreza nos revela,
somos todos carniças
em estágio avançado de putrefação

Decididamente,
esse tipo de pobreza
é um presente sem embrulho:
não há encanto
não há surpresa
não alimenta sonhos.

A pobreza nos apresenta a nós mesmos
é uma imagem no espelho.

Decididamente,
queria ser burguês!



[José Ailton Santos]




 

LAMENTAÇÕES DA VIDA


Não lamente por não ter estatura elevada
bobagem, alguns corações apaixonados batem
constantemente em mulheres baixinhas.

Não lamente o fato de ter estatura elevada
ser grande pode ser profícuo
galhos e ramos [frutos e flores] ficam nas alturas.

Não lamente se o Sol não brilhou
à noite, Luna virá [belíssima]
Não lamente se a noite foi cinzenta
e encobriu o brilho das estrelas.
Ao despertar do novo dia
o crepúsculo anunciará
lindo Sol nascente

Não lamente se te falta dinheiro
muitas pessoas desejam sua companhia
e não que pague a conta
Não lamente se o convite
foi apenas para que pague a conta
o fato de ter dinheiro lhe possibilitará
pagar a conta para outro alguém
que goste mais de você que dos sabores dos pratos

Não lamente pelo pobre miserável
andarilho, exposto em calçadas e esquinas
afinal, o que julgamos castigo
pode ser purificação.

Não lamente pela vida que tem
pois outros lamentam por não mais a tê-lá
Não deixe para lamentar, quando não tiver mais vida
lamente agora, enquanto ainda pode
pois a vida é cheia de lamentações
e o anunciador sempre sofre com seu povo.




[José Ailton Santos]

DISPONIBILIDADE ARDENTE




Se precisares de mim,
sou exclusividade em ação
para atender seus desejos.

Qualquer eventualidade...

quando, desejar minha companhia,
eu irei,
mais que irei,
serei disponibilidade integral,
não questionarei onde nem aonde.


Todavia, não fique em silêncio
nem demores tanto,
seu não querer
é para mim, castigo maior,
que a sentença do tribunal celeste [consciencioso]
por todos os meus pecados.

Não há razões para delongas,
tão pouco insinuações,
sou direta,
sou sincera.
Adoraria ganhar você
em meu interior
transpirando
pulsando
num ballet sincronizado
dentro e fora de mim.

Para atingir tal intento,
estou disposta a me despir na neve [sou chama viva]
andar sobre brasas [sou frio siberiano]
por você cavalgaria o filho de Poseidon e Medusa.

E, se em algum momento,
te deixo partir,
ainda que meu peito me oprima
[receias que não volte para mim]
é por saber que vais retornar.

Não te quero
partindo
partido
partir
Quero-te a uma distância
onde possa te:
tocar
sentir
morder [você]

Acalma-te! Não tardo a voltar
sabes que retorno sempre que me desejas.





[José Ailton Santos]

domingo, 17 de setembro de 2017

O VENTO



 
Era o início de uma noite fria e chuvosa.
Lá fora, gotas d'água dançavam comigo.
O silêncio pairava em toda extensão da cidade.


Um jogo de luz e sombra invadia aquele quarto,
havia uma única janela e estava aberta,
resolvi entrar sem convite e com o atrevimento
que me é peculiar
 
O quarto - minuciosamente modelei
não era grande nem pequeno.
Havia uma cama, que acolhia aquele ser
feito abraço maternal.
 
O corpo [quase]nu
revelava uma beleza olímpica
poucas vezes vista.
 
Dotado de atitude libertina
percorri suas pernas, enquanto se contorciam
era o primeiro sinal da minha presença.
 
O ventre encoberto por um lençol fino e frágil
impedia que minha expedição prosseguisse,
explorando o Éden.
 
Apalpei o tórax ,
deslizei sobre seus contornos,
acariciei os seios
volumosos, firmes e opulentos
e com movimentos suaves e leves
[quase imperceptíveis]
circulei os mamilos.
 
Os poros e pelos arrepiados,
revelavam que sentia minha presença.
Brinquei com seus cabelos
cheirosos:
misto de lírios e lavanda.
Afastei-os e embebido em tanta boniteza,
aprecie sua face, era linda!
Toquei os cílios,
contornei as maças da face,
percorri a parte posterior do pescoço
e, encantado,
vi os lábios serem mordiscados.
 
Que sonhos pairavam em sua mente?
Além de mim, quem a visitava em lembranças?
 
Subitamente,
a janela se fechou!
 
E com ela, todo desejo se esvaiu,
O desejo:
de deitar ao seu lado
de beijar os lábios
[carnudos, sedosos e rosados]
e desenrola-lá do lençol fino e frágil
que [feito centurião] protegia o último
reduto de prazer.
 
Deve haver outro dia,
em noite chuvosa e fria,
onde as gotas d'água bailem comigo
e as janelas não ousem fechar
até que os primeiros raios de Sol
venham nos despertar.
 
 
 
 
José Ailton Santos.

A VIDA

 
 
Ah! A vida!
O que ela é mesmo?
 
- é um milharal.
 
a terra é a mãe
                  e como mãe cede o ventre [a cova]
onde é posto o embrião
[regra da natureza: nascimento e morte convergem para único lugar]
na cova [matrix] ocorre a germinação.
 
Depois de um dado processo - misterioso - ele vem ao mundo.
 
A planta nasce pequena e frágil
e, por essa razão, necessita de cuidados
do contrário, morre antes mesmo de se desenvolver,
de experienciar.
É preciso água na intensidade e medida certa
é preciso de Sol na justa medida.

Cumprido o primeiro estágio;
ele se desenvolve.
Vai crescendo,
crescendo...
ganha altura e altivez
até atingir a idade adulta.
Forte e desenvolvido,
ao Sol, és dono de beleza e coloração prateada
chegou ao ápice da beleza, da vaidade, do poder...
 
Não tarda muito até que lhe surgem as coroas,
eis chegado a metade do percurso,
já não brilha mais prateado como d'antes.
 
Por fim,
passado um tempo
independe, se haja chuva ou não
Independe, de Sol forte ou não
ele atinge o último estágio
 
            [Eclesiastes: morre o sábio e o tolo, morre o rico e o pobre]
 
adquire um semblante reflexivo,
adquire coloração amarelo tosco em toda extensão,
 
           [assemelha-se aos fios brancos da senilidade humana]
 
as folhas d'antes vívidas e dançantes
agora, estão secas e sem mobilidade,
os grãos: herdeiros legítimos
estão secos
a raiz: ressequida.
 Toda estrutura jaz sequidade,
eis a morte anunciada.
 
Os herdeiros colhidos
são sinônimos do ciclo que se completa e se reinicia.
 
Espera-se o novo inverno,
espera-se as chuvas
espera-se o solo encharcado
espera-se o ventre se abrir
espera-se o novo germinar
"moinho em movimento".
 
Eis meus amigos!
O ciclo do milharal ou seria da vida?
 
 
 
José Ailton Santos