quarta-feira, 27 de março de 2013

ADVERSO



Não viverei preso em uma alcova 
vigiando amor alheio
não sou monástico 
sou claustrofóbico

Prefiro o silêncio de uma cela escura
compartilhada com os reles hóspedes
A viver fabulando
num mundo feérico 

Prefiro o precipício
à sombra de uma árvore
aos pés da montanha
avizinhada por um rio

Quero:
                  a nudez 
                                a mudez
                                             a surdez
                                      a estupidez 
                              a embriaguez 
             de um operário

Não o operário em construção
mas o que desconstrói
com mãos de martelo

Sou aquele que desfaz
o que nunca foi feito
nem nunca será
mas, teima em ser 
Inconstitucionalissimamente moral 


Não viverei:
                   Sem barulho
                                         Sem luta
                                                          Sem nada.

Meu mestre sou eu!


[José Ailton Santos]

terça-feira, 26 de março de 2013

O PÃO, O VINHO E O BEIJO.


                                                                                                [Judas de Caravaggio]



Perdoem-me, mas não vou fazer nenhum relato espiritual, tão pouco histórico, sobre a Paixão de Cristo, muito menos tratar da célere escolha do novo Papa. Tratarei desta questão em outro momento. Não obstante, o título nos leva a crer que o assunto será algo relacionado ao tema bíblico, isso sem contar, a oportunidade momentânea da iminência do fim da quaresma. Todavia, nunca se iludam com o primeiro sinal, pois quase sempre este é apenas uma cortina de fumaça, que serve única e exclusivamente para atrair a presa ao predador. Por conseguinte, o sabor do texto será outro. Caminhem comigo!

Vejamos, se entre os religiosos o pão e o vinho possuem maior apreço que o beijo, pela simbologia que esse possui na representação da paixão, para a classe política ocorre o contrário. É sabido por todos, senão pela maioria, que entre os políticos – refiro-me aos em exercício de mandatos – pão e vinho abundam, contudo são carentes de beijos e derivados. A carência advém de não saberem quem, de fato, devem beijar, pois correm o risco de se apaixonarem. E no meio político, estar apaixonado é algo tão perigoso quanto pregar no deserto, pois se corre o risco de ter a cabeça oferecida em uma bandeja.

Para um cristão comum, o beijo simboliza a traição de Cristo por Judas. Mas, ocorre que na política, o beijo ou a traição, como queiram, pode representar a salvação. Como diz Nilton Bonder em seu livro, A alma imoral, há fidelidades perversas e traições de grande lealdade. Bem, acredito já ter desviado demais do assunto. Então, vamos ao ponto. Como anda o projeto do governo do estado de Sergipe, Marcelo Déda Chagas, para aquisição de um empréstimo da monta de R$ 727 milhões, autodenominado PROINVESTE? 

Para aqueles espectadores do Big Brother Brasil volume 13, que ocupados demais não acompanham a política de Sergipe Del Rey, o referido projeto já sofrera uma derrota no legislativo por um placar de 13 X 09. Mas, não satisfeito com a derrota o governador resolveu mudar alguns generais e a tática de guerra. Pois percebeu sabiamente que repetir a lição aprendida por Xerxes – rei da Pérsia – e insistir na batalha no desfiladeiro das Termópilas – que une a Tessália à Beócia – seria vê seu projeto cair desfiladeiro abaixo feito os milhares de soldados persas que tombaram diante dos 300 espartanos. Diga-se de passagem, qualquer semelhança é casuísmo puro, liderados por Leónidas que em grego antigo significa filho de Leão ou semelhante a Leão.

Suponho que você a este momento esteja se perguntando, sim e qual a relação entre a paixão de Cristo e a batalha das Termópilas e o PROINVESTE? É simples, na simbologia da Paixão e na batalha citada ocorrem um ato de traição. No primeiro exemplo o beijo de Judas indicava aos soldados romanos quem era Jesus. Já no segundo exemplo, Leônidas foi traído por um pastor local, chamado Efialtes, que apontou ao rei persa um caminho que contornava o desfiladeiro e consequentemente cercava os 300 espartanos.

Já no caso do PROINVESTE, Marcelo Déda, semelhante aos fariseus e saduceus, bem como o rei persa, está em situação de perigo. De modo semelhante, respeitadas as diferenças e particularidades, os fariseus temendo a crescente onda de apoiadores e seguidores de Cristo e o rei persa perdendo homens importantes e diminuindo o moral dos soldados do seu exército. No caso do governo do estado de Sergipe, Déda já vem perdendo homens importantes há algum tempo, o moral dos soldados que restam tem se atenuado e para completar o cesto, tal qual o Cristo histórico, os irmãos Amorim crescem em popularidade, seguidores e apoiadores por todo o estado, inclusive fincando raízes por todo o território nacional.

Por fim, como estamos na iminência da Paixão de Cristo, onde o universo místico invade o imaginário popular, resta saber quem será o pastor local ou o Judas, que irá beijar a face dos irmãos Amorim e apontar a Déda um caminho que contorne o desfiladeiro das Termópilas - derrota na Assembleia Legislativa -, que tem vencido os generais a frente do PROINVESTE. Pausa para o banquete, vamos aguardar o que o silêncio santo irá nos revelar após a quaresma. 


domingo, 17 de março de 2013

UMA ARACAJU POR TRÁS DA PUBLICIDADE E DOS POSTAIS


                                     Foto: André Moreira
Uma Aracaju que também existe, que é real.  Por Paulo Victor Melo*
Às vésperas do aniversário de Aracaju não poderia deixar de fazer referência na coluna desta semana à cidade que me acolheu. Sou apenas mais um baiano recebido de forma calorosa por uma gente trabalhadora, de sorriso sincero e com muita vontade de viver.
Mas não vou aqui rasgar elogios à cidade nem ao povo de Aracaju. Isso os órgãos públicos e empresas já se ocupam em fazer durante esses dias. Quero falar de uma Aracaju que, muitas vezes, não é vista na televisão. Uma Aracaju distinta da estampada nos cartões postais. Uma Aracaju que também existe, que é real.
Quero falar da Aracaju musical. Da Aracaju que não aproveita a sua diversidade e efervescência de músicos e bandas locais. Da Aracaju que esquece Plástico Lunar, Forró de Mala e Cuia, Naurêa, Deilson Pessoa, Ato Libertário, Elvis Boamorte e tantos outros trabalhadores culturais da terra. Da Aracaju que ainda prefere importar os velhos grupos de axé da Bahia. Da Aracaju que despreza os seus artistas e opta realizar sua festa oficial de aniversário com bandas de outras cidades.
Quero falar da Aracaju audiovisual. Da Aracaju que não valoriza “Do outro lado do rio”, “Xandrilá”, “Aracaju em Movimento”, “Mais um Dia”. Da Aracaju que não apóia a sua produção e realização audiovisual independente. Da Aracaju que não investe no potencial do Núcleo de Produção Digital. Da Aracaju que não tem uma sala pública de exibição e vive refém das salas de cinema do Cinemark.
Quero falar da Aracaju festiva. Da Aracaju que abandona e, aos poucos, faz desaparecer as suas festas tradicionais de rua, principalmente no carnaval. Da Aracaju que investe rios de dinheiro numa festa privada, como o Pré-Caju, que reflete a desigualdade social - deixando pobres de um lado e ricos de outro – e enche os bolsos de empresários.
Quero falar da Aracaju ambiental. Da Aracaju que vai destruindo suas áreas verdes para construção de prédios cada vez mais altos. Da Aracaju que, da forma como encaminha o seu Plano Diretor, põe em risco manguezais e outras áreas ambientais em nome do benefício das construtoras.
Quero falar da Aracaju urbana. Da Aracaju que, de um lado, tem inúmeros apartamentos ociosos, favorecendo a especulação imobiliária e, de outro lado, nega o direito fundamental à moradia a cidadãos do Coqueiral, Santa Maria, Olaria, Pantanal e tantas outras comunidades e bairros.
Quero falar do trânsito de Aracaju. Do trânsito que espreme os poucos ônibus que circulam. Do trânsito que, a cada dia, está repleto de carros com apenas uma pessoa dentro. Do trânsito que alimenta e reflete a cultura da impaciência dos condutores.
Quero falar do transporte público de Aracaju. Do transporte caro, precário. Do transporte que não garante os direitos básicos do cidadão, mas que serve apenas para aumentar o lucro dos empresários.
Quero falar da educação pública de Aracaju. Da educação pública em que os professores e as professoras não são valorizados. Da educação pública que, recentemente, teve a gestão democrática extinta. Da educação pública que não paga sequer o piso salarial dos seus educadores.
Quero falar da acessibilidade de Aracaju. Da acessibilidade que não é garantida nos principais prédios públicos. Da acessibilidade que é negada diariamente às pessoas com deficiência física, nos ônibus, praças, semáforos e principais avenidas.
Quero falar das mulheres de Aracaju. Das mulheres que têm os seus direitos negados no mundo do trabalho. Das mulheres que são violentadas física e psicologicamente por maridos e patrões. Das mulheres que são assediadas nas ruas e nos seus empregos.
Quero falar dos negros de Aracaju. Dos negros que são praticamente invisíveis. Dos negros, como Leidison Reis dos Santos, que, apenas pela cor da pele, são facilmente identificados como bandidos e, assim, assassinados.
Quero falar dos homossexuais de Aracaju. Dos homossexuais que são vítimas diárias de ofensas, agressões e espancamentos. Dos gays e lésbicas que são mortos apenas por amar pessoas do mesmo sexo. Dos travestis e transexuais que são assassinados.
Quero falar das crianças de Aracaju. Das crianças que estão nos sinais, nas feiras, nos ônibus. Das crianças que, ao trabalhar, têm sua infância roubada e ficam suscetíveis a terem outros direitos violados.
Quero falar dos jovens de Aracaju. Dos jovens que carecem de políticas que estimulem e valorizem suas capacidades criativas e suas inteligências. Dos jovens que são criminalizados pela Polícia Militar e pelos meios de comunicação.
Enfim, na passagem de 158 anos da capital sergipana, mais que comemorar ou dar parabéns, quero falar da Aracaju que não está na publicidade oficial da Prefeitura. Quero falar da Aracaju que só tem qualidade de vida para alguns, para poucos.
Mas sei que nessa Aracaju vive um povo consciente, trabalhador, lutador e que, em pouco tempo, dará respostas para transformar essa Aracaju que temos.
Vejo isso em cada mobilização do Movimento Não Pago. Ouço isso nas batidas e canções dos artistas e músicos que quebraram o silêncio e resolveram mandar o recado no “Manifesta – A arte abraça Aracaju”. Percebo isso nos produtores e realizadores que afirmam que “Existe Cinema em Sergipe” e, por isso, querem transformar o NPD. Presencio isso na organização e motivação dos jovens do hip hop, do skate, do grafite e das artes de rua. Isso está vivo na turma que organiza as bicicletadas.  É isso o que motiva grupos e entidades de direitos das mulheres, negros e homossexuais.
NOTA
Setransp foge. SMTT não faz o seu papel. E a tarifa ainda pode aumentar
Não fosse a participação do Movimento Não Pago, a sessão especial sobre o transporte púbico na Câmara de Vereadores teria sido vergonhosa. Os empresários não apareceram, não quiseram debater, demonstrando, mais uma vez, que não têm qualquer preocupação com os usuários do transporte público.
Por sua vez, o superintendente da SMTT, Nelson Felipe, fez um discurso que mais parecia preparado pelo Setransp, já que focou na apresentação dos itens e cálculos que determinam o valor da tarifa de ônibus. Uma explanação meramente técnica. Uma apresentação que não abordou o papel de fiscalização que o órgão público deve cumprir. Quando questionado sobre o investimento e a eficácia das fiscalizações, o superintendente da SMTT, por mais de uma vez, jogou toda a culpa na gestão municipal anterior.
Se o economista e representante do Movimento Não Pago, Demétrio Varjão, não tivesse exposto as irregularidades verificadas na planilha de custos do Setransp e denunciado os principais problemas do transporte público, vereadores e cidadãos que acompanharam a sessão especial, certamente, sairiam da Câmara sem qualquer informação nova.
Afinal, a sessão foi convocada, por requerimento do vereador Iran Barbosa (PT), para que diferentes visões sobre o valor da tarifa e sobre a qualidade do serviço fossem apresentadas, de forma que os parlamentares ampliassem suas informações sobre o transporte antes de definir suas posições sobre um possível reajuste da passagem de ônibus.

Ainda assim, depois do Setransp correr do debate público e da SMTT não falar sobre o papel que lhe cabe, jornais dos dias seguintes estampavam que a tarifa de ônibus pode, de fato, aumentar. Caso isso aconteça, será uma vergonha para a Prefeitura Municipal de Aracaju e um desrespeito aos cidadãos aracajuanos e aos espaços democráticos de debate.


*Paulo Victor Melo - Jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência com jornalismo sindical, mídias públicas e políticas públicas de comunicação. Coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

FONTE:http://www.infonet.com.br//paulovictor/ler.asp?id=141609. Acesso em 17.03.13, às 23hs:17min:32s





quinta-feira, 14 de março de 2013

A IMAGEM DE SI



 Ao mestre, Paulo Freire, e suas Pedagogias.




Quando se mora em Cedro
se é menor [em importância]
do que quem mora em Aracaju.
Não se trata de autocrítica
Autoanálise... Não! Nada disso
É complexo de inferioridade
flores de uma rosa cultural

Contudo, quando se mora em Aracaju
se é menor [em identidade]
do que quem mora em Sampa
ou Rio, ou BH, ou Floripa, ou...
A pequenez 
só não se é menor
do que morar na Bahia
Afinal, lá reside o estigma da escravidão
[a tez]
A alvura continua preferência nacional 

Mas, NÃO, somos racistas!

Quando se mora no Brasil
se é menor [em patriotismo]
do que quem mora alhures ao Norte.
Mas, quando se estar ao norte
não somos de Cedro, Aracaju,
Sampa, Rio, BH ou Floripa
sequer somos homens de cor.

Somos singulares e não plural.
Somos brasileiros! 

No entanto
com o tempo a gente cresce
no tempo "todos" sofrem
passado o tempo nós amadurecemos
e caímos, feito fruto podre
e quando se está podre
a suculência se esvai 

E quando o fruto cai
ele deixa de ser aquilo que foi
e torna-se algo diferente 
sem perder a essência 
o fim é início 
o avesso ao reverso
Torna-se alguém no mundo.

Um SER expatriado
o conceito de:
lugar
pátria
nação
la nostra terra
quintal...

Inexiste!

Somos cidadãos do/no/do mundo.



[José Ailton Santos]

terça-feira, 5 de março de 2013

[RE] DEN-ÇÃO ESCATOLÓGICA


Para meu amigo, João de Burica


Estavamos em alto Mar
e quando dei por mim
tudo se modificou
a luz cedeu lugar
a escuridão
invés de brisa
tempestade, raios e trovões.

O Mar em convulsão
os homens temerosos
mas...
julgava-me um exímio
homem do Mar

E quanto mais buscávamos
controlar o barco
mais percebia que
minhas habilidades marítimas
se mostravam insuficientes

Naquele instante
abandonei as soluções racionais
dobrei meus joelhos
fechei meus olhos
pus-me alhures

Dentro de mim
apontei o lugar
onde o Machado caíra
sumindo aos olhos
submerso

E foi justamente ali
onde a vara fora arremessada
no lugar indicado

Então, o Machado emergiu.

Abri meus olhos e pude vê
brilhava um Sol de Outono
a brisa calma e suave
soprava nas velas
como se fizesse carinho.

Enquanto meus homens
dormiam sossegados
o barco e eu
seguíamos em paz.



[José Ailton Santos]