quarta-feira, 5 de junho de 2024

O HOMEM E A ÁRVORE•



Um rei, preocupado

com a instrução dos filhos,

perguntou aos ministros:

- como posso tornar

meus filhos sábios?


Um, disse-lhe:

- um corpo precisa amadurecer

para gerar uma vida.


Um outro acrescentou:

- Uma planta precisa se desenvolver

para desabrochar

e gerar frutos e sementes.


Um terceiro, falou:

- uma mente precisa 

saborear os anos

para entender certas coisas.


O quarto, falou-lhe,

com voz firme e pausadamente,

exibindo superioridade escolástica¹:

- uma mente para encher seu paiol 

com os saberes das ciências,

para ver além da cortina de fumaça ²

e dessecar os mistérios ocultos³,

precisa ser temperada com 

o calor dos verões,

as amenidades dos outonos,

o frio intenso dos invernos 

e, por fim, a floração

e renascimento das primaveras.


O rei com ares de enfado, 

olhou para o quinto e falou:

- e tu, que dizes?


O quinto, fitou-lhe, e ao receber

o olhar mútuo do rei, emitiu seu juízo:

- As palavras são infinitas

assim, como as ciências 

a serem estudadas.

Todavia, a duração da vida

não é eterna

enquanto, os obstáculos

são infindáveis.


Entendo sua sincera reserva.

Afinal, de que nos serve

uma vaca que não procria

nem nos fornece leite?


Na mesma toada,

de que nos serve ter filhos

se não os forem sábios e piedosos?

Deste modo, não adianta os tê-los:

ricos

formosos

adornados...

se estes são ignorantes.


Antes, que estes,

nasçam e morram

ou resultem em abortos...

do que, escapando da morte, 

vivam sendo estúpidos.

Aqueles*, causam dores curtas,

esses**, atormentam uma vida inteira.


O rei em frenesi, gritou:

- dou-lhe mil privilégios

se me deres o remédio cabal!


O quinto, retoma a vereda da fala

e em peroração, declara:

- não lhe vendo o remédio

nem por infinitos privilégios,

contudo, em curto prazo

entregar-lhe-ei seus filhos

versados nas ciências profícuas.

E, se por acidente, fracassar

renuncio ao meu nome***.


Os filhos do rei, o sucederam

e prosperaram salomonicamente**** 

ampliaram a glória dos dias passados

e trouxe concórdia ao reino,

como nunca se viu em alhures.


Os livros que os doutrinaram

estão mortos e sepultados,

por setenta vezes sete¹¹ palmos 

de camadas de mentiras

que, ao longo dos séculos, 

foram convertidas em verdades.



José Ailton Santos



- inspirado no Panchatantra: o’ cinco series de cuentos orientales

 ¹ - Escolástica foi o método crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias no período dos séculos IX ao XVI, que surgiu da necessidade de responder às exigências da fé, sendo mais um método de aprendizado que uma teologia.

² - expressão empregada para denotar um olhar que enxerga além dos formalismo, um olhar que percebe as intenções e inclinações.

³ - oculto é um termo alegórico para distinguir o saber que escapa a incredulidade e à ignorância, visto que, se apoia igualmente sobre a ciência e a fé.

* - recurso linguístico para se refere aos seres que nascem e morrem.

** - recurso linguístico para se referir as pessoas estúpidas.

*** - espécie de ultraje pior que a desgraça e a morte.

**** - Referência à Salomão, rei dos hebreus, que é considerado sábio e criterioso, reverenciado por ter sido um governante sábio e justo. No texto serve de referência para quem busca se inspirar nos ensinamentos e nas qualidades desse rei.

¹¹ - Analogia ao texto bíblico dos livros: Gêneses, 4,23-24 e o livro de Mateus, 18: 21-22, dando a ideia de um perdão infinito, já no texto ora apresentado a expressão visa dar uma ideia de que a essência da verdade é inalcançável.