quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

NO SILÊNCIO DA NOITE


Me descobri velho

ninguém me disse

eu mesmo percebi.


Como gosto de dormir 

às últimas horas da noite

[uma rotina crônica].

Saibam que luto para mudar de hábito.

Mas, enfim, o fracasso nesta tentativa

também me fez perceber

que estou velho.


Todos sabem, velhos não tem sono

e teimam em fazer companhia às noites.

Além de ficar vagando, de atalaia, à noite

notei que leio mais, e, todos sabemos, 

ler também é coisa de velho.

E ainda que haja jovens leitores

esses são velhos

que ainda não se descobriram velhos.


Notei que tenho evitado multidões,

típico hábito de velho.

Afinal, esses gostam de ficar:

em casa, em lugares calmos

quietinhos, tranquilos...

daí percebi que são coincidências demais.


Também tenho pensado mais

sobre a vida e a morte;

vão dizer que isso não é 

coisa de velho?


Revisito memórias,

coisa de velho.

E na estrada mnemônica da vida

encontrei:


Verdades, Velórios, Virtudes...

Encantamento, enlevo, esperança...

Lágrimas, lástimas, lamentações...

Honradez, horrores, homens...

Orgulho, opróbrio, Onisciência...


Um típico ir e vir característico 

de um tribunal consciencioso 

de velho.


Percebi que minha face 

[não se trata da pele ressequida e flácida]

ficou triste e com semblante zangado,

típica fisionomia, de velho.


Nas idas, recorrentes e regulares, aos médicos

alguns diagnósticos também me fizeram perceber 

que envelheci.

Descobrir que meu corpo 

ficou com ciúmes de mim

e resolveu ficar velho. [quem já viu isso?] 


Que fazer diante da constatação?

Resolvi ser um velho diferente

de todos os outros velhos.

Resolvi não seguir pela estrada:

- da ranhetice

- das nostalgias

- das lamentações

- das queixas contínuas

- das crenças pessimistas

de velho.


Resolvi seguir pela estrada mais estreita*:  

- da gratidão

- da felicidade 

- da consciência plena...

e, por fim, fazer do riso poesias.


Ah, poetas!

Ah, poesias!

Isso também é coisa de velho.

Velho com coração do peso de uma pluma**.



José Ailton Santos


* Referência ao texto do livro bíblico de Mateus 7:13-14, - duas portas, dois caminhos - "entrem pela porta estreita, porque é largo e espaçoso o caminho que leva para a perdição. E são muitos os que tomam esse caminho. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva para a vida! E são poucos os que o encontram".

* * Referência a uma cena representada no Livro dos Mortos - tradição egípcia - onde na cerimônia de pesagem do coração do defunto, no tribunal da deusa Maat, uma espécie de juízo final, a deusa colava o coração do morto de um lado da balança e do outro uma pluma [representando a justiça] teria destino mais nobre na vida após a morte, o espírito do morto que tivesse o coração mais leve que o peso da pluma da deusa.