Me descobri velho
ninguém me disse
eu mesmo percebi.
Como gosto de dormir
às últimas horas da noite
[uma rotina crônica].
Saibam que luto para mudar de hábito.
Mas, enfim, o fracasso nesta tentativa
também me fez perceber
que estou velho.
Todos sabem, velhos não tem sono
e teimam em fazer companhia às noites.
Além de ficar vagando, de atalaia, à noite
notei que leio mais, e, todos sabemos,
ler também é coisa de velho.
E ainda que haja jovens leitores
esses são velhos
que ainda não se descobriram velhos.
Notei que tenho evitado multidões,
típico hábito de velho.
Afinal, esses gostam de ficar:
em casa, em lugares calmos
quietinhos, tranquilos...
daí percebi que são coincidências demais.
Também tenho pensado mais
sobre a vida e a morte;
vão dizer que isso não é
coisa de velho?
Revisito memórias,
coisa de velho.
E na estrada mnemônica da vida
encontrei:
Verdades, Velórios, Virtudes...
Encantamento, enlevo, esperança...
Lágrimas, lástimas, lamentações...
Honradez, horrores, homens...
Orgulho, opróbrio, Onisciência...
Um típico ir e vir característico
de um tribunal consciencioso
de velho.
Percebi que minha face
[não se trata da pele ressequida e flácida]
ficou triste e com semblante zangado,
típica fisionomia, de velho.
Nas idas, recorrentes e regulares, aos médicos
alguns diagnósticos também me fizeram perceber
que envelheci.
Descobrir que meu corpo
ficou com ciúmes de mim
e resolveu ficar velho. [quem já viu isso?]
Que fazer diante da constatação?
Resolvi ser um velho diferente
de todos os outros velhos.
Resolvi não seguir pela estrada:
- da ranhetice
- das nostalgias
- das lamentações
- das queixas contínuas
- das crenças pessimistas
de velho.
Resolvi seguir pela estrada mais estreita*:
- da gratidão
- da felicidade
- da consciência plena...
e, por fim, fazer do riso poesias.
Ah, poetas!
Ah, poesias!
Isso também é coisa de velho.
Velho com coração do peso de uma pluma**.
José Ailton Santos
* Referência ao texto do livro bíblico de Mateus 7:13-14, - duas portas, dois caminhos - "entrem pela porta estreita, porque é largo e espaçoso o caminho que leva para a perdição. E são muitos os que tomam esse caminho. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva para a vida! E são poucos os que o encontram".
* * Referência a uma cena representada no Livro dos Mortos - tradição egípcia - onde na cerimônia de pesagem do coração do defunto, no tribunal da deusa Maat, uma espécie de juízo final, a deusa colava o coração do morto de um lado da balança e do outro uma pluma [representando a justiça] teria destino mais nobre na vida após a morte, o espírito do morto que tivesse o coração mais leve que o peso da pluma da deusa.
