quarta-feira, 6 de junho de 2018

PARAFRASEANDO DRUMMOND



Quando eu nasci
um anjo aleijado
[desses que foram desprezados na Terra]
me falou:
- eis a vida, toma-a
e usa como bem quiser
e usa como bem entender.

Esqueceu, na ocasião,
apenas de me dizer
algo valiosíssimo
[talvez, o esquecimento seja o revide por só ter uma asa]
que a vida não é para amadores
que a vida não aceita erros
que a vida não aceita fracassos
e que não existe beleza em errar
afinal, quando se erra:
não existe aprendizado
não existe consolo
não existe mão amiga.

Apenas, exclusivamente,
um preço a se pagar
pois a vida, é um grande mercado
e, quando não se tem com que pagar,
paga-se com a própria vida.


(José Ailton Santos)

[SOBRE]VIVER

peixe tetra cego das cavernas


Imaginar pode ser difícil,
mas já tive uma vida "normal"
alguns amigos, vizinhos, familiares
...pessoas com quem me importava.

Perdi tudo!

Querem saber como?

Há em algumas cavernas no México
e, no Poço Encantado/BA, no Brasil
uns peixes que colonizaram cavernas 
de água doce.
Talvez, eles se perderam ou foram deixados
certo é, acabaram na mais completa escuridão.
Todavia, não morreram
[ao contrário]
eles lutaram
foram resilientes
se tornaram elásticos
adaptaram-se.

Perderam a pigmentação, a visão...
e, por fim, perderam até mesmo os olhos.

Para sobreviver, eles ficaram:
horríveis,
deformados,
irreconhecíveis.

Raramente, quase nunca, com pouquíssima frequência 
penso sobre o que eu fui um dia.
Mas fico pensando...
se um raio de luz
entrasse na caverna,
eu seria capaz de vê-lo?
eu seria capaz de senti-lo?
eu seria capaz de ser atraído pelo calor?

Imaginem
[mesmo sendo difícil imaginar]
ainda que eu fizesse tudo isso:
ver
sentir
ser atraído,
isso me faria menos: horrível, deformado, irreconhecível?
Tornar-me-ia no que era antes?

Responda-me você?! 
[...]
Eis o meu dilema, eis o preço da [sobre]vivência.



(José Ailton Santos)