domingo, 29 de novembro de 2015

SATANÁS: DO EQUÍVOCO MORAL AO PERSONAGEM MÍTICO


Em alguns casos, cortar os galhos não resolve, é preciso extirpar a planta por inteiro; de modo análogo, quem se exercita na superfície não conhece os mistérios do fundo do rio, pois o preço para conhecer tais mistérios é mergulhar, ir às profundezas, tarefa que exige fôlego e coragem. Doravante, tentarei iniciar meu mergulho refutando um texto de autor familiar, intitulado, Satanás: um mal moral ou um bem necessário?

Pois bem, deixo claro, que toda minha fala neste texto são abstrações extraídas a partir da leitura incipiente e apresada de alguns textos e vídeos do rabino, Nilton Bonder, do livro de Carlos Roberto F. Nogueira, O Diabo no imaginário cristão, e dos dois primeiros livros do Pentateuco, a saber, Gênese e Êxodo, onde aquele representa a problemática e esse a solução. Todavia, antes de entrar nos meus argumentos propriamente, faço questão de apresentar etimologicamente o personagem central, o Diabo.


A origem da palavra Diabo, tanto em latim, quanto em grego, remete a palavra demônio ou daimon, que significa "divindade, gênio". O problema é que, diferente do sentido atual, para os gregos antigos a palavra representava o espírito que atuava como mensageiro entre os homens e os deuses, ou talvez, entre o natural e o sobrenatural. 


Apresentações feitas, vamos a algumas considerações: no livro do gênese temos uma problemática posta, qual seja, Adão e Eva comem algo e ao comer escondem sua nudez, esse ato de se perceberem nus é revelador de algo que antes não possuíam, pois se assim fosse essa percepção teria sido notada antes. Logo, quem se percebe desnudo é porque se auditou e somente se audita quem tem consciência. 


A partir desse momento nossa espécie prova algo novo, a consciência. E essa característica nova que possibilita ao homem enxergar a natureza é a mesma que a faz rejeitá-la. Afinal, quando Deus pensa um(a) companheira para Adão, esse não escolhe dentre as opções do reino animal [natureza, onde o nu não existe] ele escolhe algo semelhante, ato que metaforicamente soa como se escolhesse a si mesmo.

A origem e associação do Diabo ao mal e, por sua vez, a Satanás remete a tempos remotos, antes mesmo do Cristianismo existir como religião, desde as tradições religiosas pagãs, mas é inegável que essa ligação do mal a figura de Satanás foi fortemente edificada pelas doutrinas cristãs. A monstruosidade domina as descrições e iconografia sobre o Anjo Rebelde. No entanto, não passam de representações, pois insistir em algo diferente disso é cair no ridículo. Explico melhor, se Satanás é um espírito não pode ter aspecto corporal, qualquer tentativa de representá-lo é mero esforço cultural e das mentalidades, típico das culturas humanas.


As sociedades vivem submersas nas culturas e mentalidades típicas de cada época e, como tal, pintam o mal com as cores que lhes convém, fazendo uso de discursos, afetividades e iconografias. Porém, a monstruosidade é sempre aparente e o caráter adotado é momentâneo, além de outro aspecto, por mais que o Satanás exista para desviar os homens do caminho do bem, a salvação, ele está sempre subordinado aos planos da Providência. 


O poder de Satanás é poder de criatura, logo, controlado. E digo mais, caso não fosse associado o mal a ele, certamente recairia sobre a constituição ontológica do universo. A questão é, não existe uma moral na natureza, daí não existe proibido, pois a proibição, essa sim é moral. A moral advém da mesma raiz da consciência, é com a aquisição da consciência pelo homem que a moral nasce e  a partir desse instante assistimos à construção de conteúdos simbólicos onde se articulam a realidade e a imaginação, o mundo dos vivos e dos morto, intermediados por seres sobrenaturais que atuam de modo maniqueísta e entram em colisão sem trégua que só terminará com o Armaggedon, a luta iniciada na Criação entre o Bem e o Mal.


Esse combate entre Deus e Satanás transborda da esfera celeste para pautar condutas e comportamentos cotidianos, servindo para explicar a realidade e as desventuras vividas, quiçá para explicar os impulsos incontroláveis da carne. Nota-se como a relação natural e sobrenatural tem sido enovelada pela moral. No entanto, Deus não passa de um conceito moral, e porquê? Porque as pessoas em sociedade constroem o Deus que lhes interessa [ganha aspecto humano, velhinho, (sabedoria)] de modo análogo a figura de Satanás, pois ambos são conceitos morais.


Digo que Deus é um conceito moral forjado por nossa civilização, pois o texto bíblico diz que Deus não existe, ele não tem forma, não pode ser representado, não existe nesta dimensão. Existir é uma características das criaturas, homem existe, montanhas existem, rios... existem e tem forma, Deus não. No entanto, a civilização ocidental cristã tornou Deus uma realidade, deu-lhe forma, atribuíram-lhe querer, tornando-O juiz do certo e do errado, do permitido e do proibido.


Satanás é necessário no enredo social, pois é uma das figuras centrais do imaginário cristão ocidental. Entretanto, o estudo de suas origens e dos papéis históricos que esta curiosa figura desempenhou ao longo dos séculos não tem merecido a atenção necessária. Ainda refletindo sobre o livro do Gênese, a serpente, símbolo do mal coletivamente, se vinga do homem por ter negado a natureza, quando da escolha da(o) companheira, pois ao rejeitar todas as espécies do reino animal e optando por um semelhante, ele escolhe a ele mesmo, a serpente [Satanás] se vinga do homem lhe presenteando com a maça [consciência].


A serpente é necessária ao projeto ontológico do homem, quiçá do universo, afinal não esqueçamos que foi o próprio Deus que provocou o homem a sair da condição animal em que vivia, enxergou um defeito no homem, alegando que não era bom o homem estar sozinho, isso é uma provocação. Eva é o resultado da provocação do desejo de Adão, ela é uma ajuda contra ele, pois Deus recomendou não comer daquela árvore e Eva provoca Adão no sentido de ter uma ação de autonomia.


Satanás assim como Deus são personagens morais, porém se vamos envolver o primeiro na trama espiritual e comportamental dos homens, que lhe seja atribuído a importância necessária na aquisição da consciência. Porém, o problema da consciência é que ela nos afasta do lugar onde a vida essencialmente ocorre e nos conduz para um lugar seguro, aparentemente melhor. Como alegoria para explicar melhor a afirmação anterior comparo a consciência a um peixe num aquário, exemplo extraído de Nilton Bonder, o aquário é um lugar seguro, pois não tem redes, não tem peixes grandes, não tem... mas é no oceano que a vida flui, é no oceano em meio a tubarões que a vida acontece.


O problema é que não podemos voltar atrás, não podemos abrir mão da consciência; daí precisamos encontrar uma forma de nos reintegrarmos ao jogo da vida, se a consciência nos isola de onde a vida com seus problemas ocorrem, se a moral constrói o que parece ser verdadeiro, ela constrói o que parece ser eu [rótulos], talvez precisamos urgentemente redescobrir Satanás para que este nos ofereça uma nova maçã, tudo com o consentimento do Criador.

Precisamos urgentemente construir uma nova moral, mas para isso é preciso ter um espírito transgressor, desse de Anjo Rebelde, para quem sabe, voltarmos a viver no oceano onde a vida ocorre, mas o maior problema é que as pessoas querem viver para sempre, muito mais porque temem a morte, que por um verdadeiro amor a vida.


José Ailton Santos - Professor efetivo da rede de ensino público do estado de Sergipe, lecionando nas cidades de Cedro de São João e Propriá.






terça-feira, 10 de novembro de 2015

SOU ISSO, MAS TAMBÉM SOU PROFESSOR.





"É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se a derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota. "
( Theodore Roosevelt ) 
 

Talvez você não tenha atentado para o veneno contido no título deste texto em relação ao ofício de professor. Isso mesmo, amigo! As palavras são vivas e, como tal, variam da euforia a melancolia, do amor ao ódio...revelam sentimentos. Se alguém diz, “prefiro ele a você”, a desaprovação contida em palavras escritas desencadeiam em nós reações as mais variadas, do contrário, se recebermos como resultado de uma avaliação as seguintes palavras: apto, excelente, ótimo desempenho... essas palavras diferentemente das anteriores, fazem emergir em nós um sentimento de alegria.

Pois bem, deixemos de lado a fala prolixa acima e vamos ao cerne da questão. O ofício de professor [afirmação extremamente pessoal] está se convertendo numa nódoa, uma espécie de lepra das ocupações, aqueles que possui essa atividade como ocupação não mais sentem o orgulho nem o brilho no olhar ao se revelarem professor. Isso mesmo! Quem diz o contrário está tentando se convencer, pois não convence a quem ouve, de uma grande mentira.

Quem, hoje, é professor e se mantém na profissão, busca outra ocupação ou para completar o orçamento financeiro ou para compensar a insatisfação com o trabalho. Quem possui dois vínculos no magistério reza todas as noites para santos e orixás no desejo de se aposentar de um deles ou dos dois, na melhor das hipóteses, o que é uma grande contradição com a fala que diz: “eu amo a sala de aula, eu adoro meus alunos”, porém os olhos não brilham, o riso não é espontâneo, alimentam um mentira como se verdade fosse. Agora, amigo, quando um colega de jaleco, apagador e giz fala para outro, “eu me aposentei de um dos meus vínculos do magistério, quiçá dos dois”; a face brilha igual paciente que acaba de fazer uma recauchutada de bisturi e butox, fica jovem, ganha vida.

Todavia, convenhamos, o calvário e sofrível. Há muito a sala de aula deixou de ser um espaço criativo, convidativo e dinâmico. Dê-me mais um instante da sua valiosa atenção e vou elencar alguns dos motivos que tornam a profissão secundarizada. Vivemos uma confusão conceitual na prática, nossos alunos não gozam de liberdade, mas de libertinagem, isso mesmo, licenciosidade de costume. Entregam-se de modo imoderado aos prazeres sexuais em tenra idade, desrespeitam os pais, os mais velhos, os mestres e ignoram valores compactuados e compartilhados histórico socialmente.

Vou me aventurar ser taxado de arrogante e autoritário, mas, em tese, são aprendizes, possuem um conhecimento limitado e se comportam de modo a afrontar e diminuir o conhecimento dos mestres. Recuso-me a aceitar questionamentos desacompanhados de fundamentação. Explico melhor, alunos que desconhecem o mínimo de ortografia não podem me aconselhar sobre a correta escrita.

Estamos alimentando monstros. Estou a falar de filhos que crescem à sombra dos pais, sem reservar a esses, o mínimo de respeito, sem conhecerem limites, sem cobranças, sem responsabilidades... e, em contrapartida, tendo tudo o que desejam. São vencedores sem glória.

Estou a denunciar que a educação pública do nosso país não funciona. E como façanha conseguiu algemar os agentes transformadores. Professor não pode reprovar, senão tem que justificar porque interrompeu a evolução de um aluno que não domina, que desconhece, o mínimo de saberes necessários ao processo de ensino-aprendizagem do ano seguinte na escala educativa.

Não vou me alongar em falar mais do mesmo, não vou engrossar o caldo dessa sopa que está no fogo faz tempo. Apenas quero dizer, o sonho d'antes não me visita faz tempo, o jardim tem dado lugar as pedras, o beija-flor não encontra mais flores... e eu, tenho feito muitas coisas, mas também [e ainda] sou professor.

Para meus alunos [quem é exceção sabe] dou nota CINCO por padrão e para os pais dos meus alunos dou nota ZERO.


José Ailton Santos - Esposo, Pai, Amigo, blogueiro e também Professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de Sergipe.