domingo, 29 de junho de 2014

O NOME DA DEUSA



Discretamente, olhava-a de longe.
Estava distante, no entanto, atento.

Ao tempo em que meu olhar
                             [feito flecha certeira]
atingia o alvo, isolando-a por inteiro
de tudo em volta,
brotava em mim um sorriso doce,
próprio dos humanos que são tocados
por uma das setas de Eros*.

Até aquele momento
não havia reparado
quão grande era sua beleza.
Foi um acontecimento de instantes:
repentino, arrebatador...
estava sentada em um assento
junto a outras pessoas
e, por trás, como pano de fundo
havia uma pintura enorme
que retratava um cenário bucólico.

A coluna ereta
elevava, às alturas, seus cabelos
                [negros como a noite]
que desciam serpenteando,
suavemente, envolto ao pescoço
até encobrir um dos seus seios
[feito cobertor que aquece um casal enamorado].

Suas pernas cruzadas
ressaltavam,
para além de volumes e formas,
uma beleza jovial e sedutora,
própria das deusas.

Enquanto suas mãos
repousavam
[doce e afetuosamente]
entre os joelhos e coxas.

Não mais preciso revelar
quão envolto naquela atmosfera estava.
Seus olhos
                [negros feito noite sem luar]
pouco revelavam sobre tamanho encanto
e unia-se em contraste ao sorriso,
belo e fugaz,
que elevava suas maçãs da face.

Quanto aos lábios?
Ai de mim!
Respiro profundo e longamente
só em lembrar.
Eram suaves, macios
e se tocavam calmamente, 
como se desejassem
me revelar qual a cor do paraíso.

Sua voz?
Dada a distância
                       [espacial e temporal]
não a ouvi, 
apenas uma vaga ilusão do entoar
da sua voz ao meu ouvido.
Todavia, a julgar pelos traços faciais serenos 
e pela alegria do falar,
estou certo,
era semelhante um cântico de Euterpe** 
ou um cântico de Orfeu***.

Subitamente,
alguém gritou em direção a ela:
- Afrodite! Afrodite! Vamos!
Ela ergueu-se e se foi
                               [partiu]
deixando a pintura no mural,
a tarde e eu,
melancólicos e sem brilho.

Aquela jovem deusa:
não a tenho,
nunca a tive
e, possivelmente,
jamais a terei.

Dela,
restou-me apenas uma coisa
                                             [uma pétala]
que guardo e guardarei por todo o sempre,
dentro de mim,
ecoando em minha mente e meu peito.

Seu nome [Afrodite].



* Deus grego do amor.
**É a musa da poesia lírica e tem por símbolo a flauta. Ela é uma jovem, costumeiramente, representada coroada de flores e tocando o instrumento por ela inventado.
***Na mitologia grega, era um poeta e músico, filho de Apolo e da musa Calíope. Era o músico mais talentoso que já viveu; quando tocava sua lira, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo



   [José Ailton Santos]

sexta-feira, 20 de junho de 2014

PROFESSORES, ARQUITETOS DO AMANHÃ.


Já alerto ao leitor, este texto não será nenhum tratado ou manifesto contra ou a favor das escolas, tão pouco dos professores, em especial, os do nosso estado, Sergipe. É sabido por todos, que desde o último dia 02 do mês corrente todos os professores [correção, uma parcela apenas, pois falar em totalidade é sonho, e dos mais otimistas] da rede estadual do estado de Sergipe estão paralisados para reivindicar o pagamento do Piso Salarial, devido desde o ano de 2012. Piso este, que do ponto de vista jurídico já não cabe mais contestação, visto que, o próprio STF [Supremo Tribunal Federal], instituição maior no tocante as questões constitucionais, já sentenciou, Piso é devido na carreira e para todos os professores .
Todavia, como quase todas as questões de direito em nosso país não é apenas uma situação jurídica e sim política, é aí que o "bicho pega". Uma grande parcela do professorado, quiçá, a quase totalidade é detentora de uma formação profissional e não política, vez por outra, perdemos o jogo por desconhecer as regras. Tudo bem, serei mais claro, o professor de matemática sabe dos cálculos que envolve a sua respectiva área, português idem, história... contudo, quase sempre faltam a estes profissionais o conhecimento e a prática política necessária para exercer seus direitos de forma plena. E quais os danos desta falta de formação? Deixamos de reivindicar direitos e o pior, negamos aos nossos alunos o debate, o exemplo e a formação necessária, por puro desconhecimento, pois quero não acreditar que seja por omissão ou pura malvadeza social.
Aqueles que militam, lutam, insistem, incansavelmente, para não deixar "a peteca cair", sofrem o karma histórico e social de carregar nos ombros os dissabores da busca e manutenção dos direitos da categoria em epígrafe. E como meus leitores sabem que não sou santo nem diplomático, vou começar a jogar ácido. Acredito, com uma invisível margem de erro, que muitos professores da educação básica, nada sabem sobre processos de representação e legitimação de poder na esfera da sociedade e se o sabem, sabem pouco.
Vejamos, quando participamos de um processo eleitoral para escolhermos representantes para as esferas de poder, estamos legitimando os escolhidos e por mais que os representantes eleito não venham a ser o alvo da nossa escolha, esse será ou serão os ocupantes dos cargos por quatro anos. Agora pergunto, porque o mesmo não ocorre, quando o assunto é participação no quórum de representação e legitimação de decisões, no tocante a categoria dos professores? Sendo mais claro, porque os professores não vão às assembleias da categoria [do mesmo modo que vão às urnas] para emitir opiniões, apresentar propostas, votar nas mesmas, dar sua quota de luta em prol do esperado resultado? E mais, porque se sentem no direito de não fazerem parte das assembleias ou serem voto vencido e ainda tomarem decisões contrarias? E pior, chamam suas atitudes deslocadas de democráticas. Bradam: - Vivemos em uma democracia, logo, tenho o direito de escolher o que fazer!
Desculpe-me pelas palavras acima proferidas, foi um deslize. Afinal de contas, diz a norma de etiqueta, o aconselhável para quem deseja conquistar alguém é ser gentil, polido, doce, atraente, elegante, gentil e não sair esfregando o horror, a fúria e os dissabores na face dos possíveis aliados ou enamorados, ainda que estes sejam acometidos de insipiência política, oportunismo, falta de caráter, egoísmo em escalas elevadas. Tudo deve ser percebido como um processo, os que hoje se recusam, se omitem, podem ser os mesmos que amanhã se reconhecem e se reinventam. Se envolvem na luta social, se engajam e se tornam personagens centrais, saindo da condição de coadjuvantes e assumem o papel de protagonistas.
No entanto, continuar à espera de resultados dos quais não fazem parte, relegar aos outros um fardo que compete a todos nós, se omitir e ainda entender que sua omissão é democrática, penso que, ações e pronunciamentos dessa natureza demonstram claramente que desconhecem o conceito de democracia e, para tristeza geral, desconhecem mais ainda, seu funcionamento. E o mais lamentável, vir de um professor, um formador de opinião, alguém que detém uma formação elevada, alguém que ensina ou deveria ensinar a seus alunos sobre democracia e sua lógica de funcionamento. É preciso ter claro a lei de causa e efeito; se nos mostramos omissos, incrédulos, pouco participativo, relegamos aos nossos alunos um exemplo pouco agregador e extremamente fatalista, além de estarmos ajudando a manter a lógica do status quo.  
Quando uma categoria organizada decide algo em assembleia, ainda que não estejam todos presentes ou estando, sendo voto vencido, cabe a todos aceitarem a deliberação coletiva, pois agindo desse modo, estariam legitimando os representantes e atribuindo poder a categoria profissional da qual é parte constituinte, além claro, de emitir um exemplo democrático a toda a sociedade.
É comum entre os professores falarem mal dos político, dos cidadãos passivos da sociedade, que ignoram seus direitos. O problema é que esses mesmos professores não se vêm incorrendo em erros e desvios semelhantes aos dos políticos e dos cidadãos apontados. E as alegações são as mais vis possíveis, a saber, estarem no estágio probatório, revelando ou ignorância ou frouxidão de caráter, ignorância porque tem legislação que lhe possibilita o direito de greve e um estatuto do magistério que enumera os critérios de aprovação no estágio probatório, logo, se existe lei que o resguarda e optam em não fazer,  em não participar, revela uma falta de atitude própria das pessoas pusilâmine. Outros, que não fazem adesão ao movimento porque ocupam cargos de confiança na administração do governo e dizem que seria contraditório se participassem, contraditório, a meu ver, é negar uma causa que lhe beneficia de modo atemporal, diferentemente das gratificações transitórias que percebem.
Lá vai mais um pouco de ácido. Esses são oportunistas, que vivem dos suor e das lágrimas alheias, são hienas, riem da tragédia dos outros. Suas lutas diárias são para assegurar algo individual, sem o menor encargo de consciência para com o sofrimento dos demais pares, são ególatras tentando passar uma imagem de parceiros e se justificando, feito lobos em peles de ovelhas, com a fala que no passado também fez parte e que sua trajetória o canoniza. Talvez, a trajetória dessas pessoas ponha auréola no passado deles, pois o presente está carente de exemplos. Perdão! Desculpe-me, mais uma vez, deixei minha emoção despejar ácido nos corpos alheios. 
E, já que pequei por mais de uma vez, jogando ácido, abram parênteses para mais um pecado. Além desses exemplos acima citados, há outros mais levianos e rasteiro, são os que serpenteiam, que salivam enquanto cantam louvores aos carneiros, tentando se passar por um. Quais as alegações desses últimos, dizem que não fazem adesão ao movimento paredista porque se preocupam com os alunos que ficariam sem aula. Risos. Isso é cômico para não dizer trágico, são esses mesmos que no fluxo regular do ano letivo, faltam mais que água nas torneiras nos dias quente do verão no baixo São Francisco.
Pela última vez, desculpem meu ímpeto. Agora, estou calmo. Doravante, serei mais sereno. Vejamos, fico a imaginar, que exemplos continuamente damos aos nossos alunos, os futuros cidadãos desse país? Se deixamos de exercitar nossos direito? Se aceitamos as condições ruins em que muitas vezes trabalhamos como se a realidade fosse algo natural? Se quase sempre agimos de modo individualista? Que herança deixamos com nossos exemplos aos nossos alunos? Será que temos condições ética de cobrarmos dos nossos alunos participação social e política? Será que temos hombridade de olharmos nossos alunos nos olhos e lhes acusarmos de serem passivos, quietos e mansos no exercício da cidadania? Quando nós próprios não o fazemos?
Por fim, deixo aqui, minha última mensagem. Há no livro, viver para contar, de autoria de Gabriel García Márquez, a seguinte citação atribuída a Bernard shaw, “desde pequeno tive que interromper minha educação para ir à escola”, pensamento semelhante é atribuído a Albert Einstein, “educação é tudo que nos resta depois que esquecemos tudo que aprendemos na escola”. Analisando essas frases fico a me perguntar, para que servem as escolas? Qual sua função social? Se não existissem as escolas, o que seria dos professores? O que ensinam os professores a nossos jovens? Afinal de contas, se tomarmos como certo os dois pensamento, deveríamos estar convictos que o produto dos conhecimentos e saberes ensinado nas escolas, de nada servem, ou senão, das duas uma, ou a escola é um lugar estranho e desconectado da sociedade a qual faz parte ou o que os professores ensinam não tem relação alguma com a vida prática e cotidiana. 
E na mesma toada, como esperar dos nossos alunos solidariedade e envolvimento em causas coletivas, se nós sempre mostramos a eles o contrário? Ao passo em que caminho na direção do fim deste texto, afirmo: - democracia se faz comigo e com os outros, se me nego a participar estou fragilizando o processo, se me nego a fazer algo esperando a participação dos outros, ignoro o fato de que os outros sou eu em relação a alguém, ou seja, quando espero pelo outro, estou à espera de mim mesmo. Clamo a você que leu este texto até aqui, reflita, se envolva, participe e, certamente, a totalidade estará em ação.

"Não amemos de palavras nem de língua, mas por ações e em verdade."      (01 João 3:18)


José Ailton Santos - Professor de educação básica da rede estadual de Sergipe.