UM: - Eu quero te encontrar.
OUTRO: Eu também quero me encontrar.
Parece cômico mas é trágico.
Apesar de haver beleza e poesia
em Um e NOutro.
Contudo, preferível se demorar no primeiro
no cômico
no encontro
no encontro cômico
Ou, talvez, seja preferível
as duas faces [cômico e trágico]
reflexos de momentos intimistas
ambos querem o encontro
[querer encontrar alguém e se encontrar]
UM quer o OUTRO
querer encontrar alguém
é passsional:
- amor
- zelo
- paixão
- amizade
- carinho
- saudade...
Ah, a saudade! Animal arredio.
EXEMPLO: querer encontrar alguém por quem o coração chama
para lembrar de quem foi [e ainda é em partes] num passado recente
fragmentos que se unem em colcha de retalhos
formando um todo florido, alegre, vivaz, multifacetado
O OUTRO quer a SI MESMO
querer se encontrar é intimista
sentimento personalíssimo
que se traduz em:
- angústia
- desespero
- despertar
- desnudar
- grandeza de si
- autoconhecimento
EXEMPLO: Sempre se faz necessário OUTRO exemplo,
quando a lembrança de quem se foi
é uma camada que se desprende de si
feito barco que se desamarra do porto
e desliza rio abaixo
sem pressa,
sem ânsia
sem destemor
resvala rio abaixo compartilhando segredos com as águas.
UM e OUTRO
são pétalas de flores que murcharam
e teimam em florecer ad aeternum*
[ciclos que se fecham também são inícios]
UM e OUTRO
parte e todo
Gestalt** de totalidades individuais
o todo é um desabrochar infinito, onde:
- as novas flores sempre serão mais belas
afinal, o passado não é espelho
enquanto o presente é ritmo, vibração, movimento...
UM quer encontrar o OUTRO
para descobrir o que as primaveras
fizeram com o jardim secreto***
quão exuberantes estão as flores
de cura
de amizade
de descoberta
UM tem magia o OUTRO encanto
UM caiu em sono profundo
e, enquanto dormia, tirou-se uma de suas costelas
para dela formar o OUTRO****
A existência dos dois é mistério.
UM: - Eu queria te encontrar e acabei me encontrando.
OUTRO: E eu que queria me encontrar e acabei encontrando você.
JOSÉ AILTON SANTOS
* Ad aeternum - é uma expressão em latim que significa, para sempre, eternamente, sem fim, até o infinito. É usada para descrever algo que não tem prazo para terminar ou que se repete indefinidamente.
** Gestalt [forma ou figura], referência à teoria psicológica que estuda a percepção, onde o todo é visto como maior que a soma das partes.
*** Menção ao livro infantil, O jardim secreto, da autora inglesa Frances Hodgson Burnett.
**** Parafraseando o livro do Gênesis, 2:21-22.
