terça-feira, 9 de dezembro de 2025

CARROLL




UM: - Eu quero te encontrar.

OUTRO: Eu também quero me encontrar.


Parece cômico mas é trágico.

Apesar de haver beleza e poesia 

em Um e NOutro.


Contudo, preferível se demorar no primeiro

no cômico

no encontro

no encontro cômico


Ou, talvez, seja preferível 

as duas faces [cômico e trágico]

reflexos de momentos intimistas

ambos querem o encontro

[querer encontrar alguém e se encontrar]


UM quer o OUTRO

querer encontrar alguém

é passsional:

- amor

- zelo

- paixão

- amizade

- carinho

- saudade...

Ah, a saudade! Animal arredio.


EXEMPLO: querer encontrar alguém por quem o coração chama

para lembrar de quem foi [e ainda é em partes] num passado recente

fragmentos que se unem em colcha de retalhos 

formando um todo florido, alegre, vivaz, multifacetado


O OUTRO quer a SI MESMO

querer se encontrar é intimista

sentimento personalíssimo

que se traduz em:

- angústia

- desespero

- despertar

- desnudar

- grandeza de si 

- autoconhecimento


EXEMPLO: Sempre se faz necessário OUTRO exemplo,

quando a lembrança de quem se foi 

é uma camada que se desprende de si

feito barco que se desamarra do porto 

e desliza rio abaixo

sem pressa, 

sem ânsia

sem destemor 

resvala rio abaixo compartilhando segredos com as águas.


UM e OUTRO

são pétalas de flores que murcharam 

e teimam em florecer ad aeternum*

[ciclos que se fecham também são inícios]


UM e OUTRO 

parte e todo

Gestalt** de totalidades individuais 

o todo é um desabrochar infinito, onde:

as novas flores sempre serão mais belas

afinal, o passado não é espelho

enquanto o presente é ritmo, vibração, movimento...


UM quer encontrar o OUTRO

para descobrir o que as primaveras 

fizeram com o jardim secreto***

quão exuberantes estão as flores

de cura

de amizade

de descoberta

UM tem magia o OUTRO encanto

UM caiu em sono profundo 

e, enquanto dormia, tirou-se uma de suas costelas

para dela formar o OUTRO****

A existência dos dois é mistério.


UM: - Eu queria te encontrar e acabei me encontrando.

OUTRO: E eu que queria me encontrar e acabei encontrando você.



JOSÉ AILTON SANTOS



* Ad aeternum - é uma expressão em latim que significa, para sempre, eternamente, sem fim, até o infinito. É usada para descrever algo que não tem prazo para terminar ou que se repete indefinidamente.

** Gestalt [forma ou figura], referência à teoria psicológica que estuda a percepção, onde o todo é visto como maior que a soma das partes.

*** Menção ao livro infantil, O jardim secreto, da autora inglesa Frances Hodgson Burnett.

**** Parafraseando o livro do Gênesis, 2:21-22.

UM PRESENTE PARA PORTIA*


É, eu sei, foi ontem.


Mas, sou egoísta o bastante 

para te felicitar um dia após

só para, talvez, tentar 

uma concorrência menor


hoje, sou único

não há concorrência

folhas de louco recaem sobre minha cabeça


Todavia, não é sobre mim

é sobre uma pessoa incrível

que quis o destino [ou o cofre** correto]

fazer cruzar o meu caminho.


É sobre uma pessoa real

bonita por dentro e por fora

É sobre uma pessoa desprendida

que laça todos por onde passa

que traz paz e calma


É sobre um ser encantador

que ferve em ideias e vida

que traz agitação e silêncio


É sobre você Portia*

é sobre ser quem você é

é sobre ver como você vê

sentir como você sente

é sobre quebrar barreiras

é sobre ultrapassar limites

[inexistentes no oráculo da noite***]


É sobre encantar com palavras

[escritas e faladas]

É sobre um ser indescritível

[que não cabe em contos nem poemas]


Meu coração comete perjúrio

contra minha lucidez

pois, seu ollhar me encantou 

e me dividiu em dois:

metade é sua e a outra também.


Ou seriam minhas as duas metades?

Mas sendo minhas, são suas também.

Porque metade de mim é você e a outra metade também

Desse modo, nada resta de mim, sou todo seu.

Sou presente, embrulhado em papel de seda

Ainda que tardio.





JOSÉ AILTON SANTOS



*PORTIA - É uma personagem de Shekespeare, peça central na obbra, O mercador de Veneza. É uma rica herdeira de Belmont e é conhecida por sua inteligência e astúcia, na obra citada se disfarça de advogado [Balthazar] para salvar Antônio [seu amado] da sentença de Shyrlock, proferindo um famoso discurso sobre a misericórdia humana.

** Menção ao texto da obra, O Mercador de Veneza.

*** Menção ao livro, O oráculo da noite, de Sidarta Tollendal Gomes Ribeiro, neurocientista, capoeirista e escritor brasileiro, que é professor titular e um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidae Federal do Rio Grande do Norte.